quarta-feira, 15 de março de 2017

Depressão




Chorar à chuva tem a vantagem cómica de se verem as lágrimas misturadas com os pingos da mesma chuva. Chorar à chuva pode, assim, dissipar o motivo da choradeira. Mas, e se o motivo for a depressão?
Na depressão, pode nem haver choro, apenas uma imensa vontade de não existir. E houve até quem pintasse para exorcizar as sombras.
Em Londres, cidade consistentemente familiarizada com a Arte, Paula Rego expõe, por estes dias, as suas Depression Series, dez anos depois de as ter pintado enquanto combatia a sua própria depressão.
Estranhamente, ao olhar as telas, não deixa de se sentir uma contradição entre a obra da pintora, fora da depressão versus dentro da depressão.
A obra fora da depressão revela uma personalidade profundamente traumatizada e reprimida. Na sua fase dentro da depressão, pelo contrário, existe a aceitação daquela violentação. Existe um sentido de abandono da raiva, desistência da luta para fazer ver ao mundo como a sociedade é repressiva, especialmente sobre a mulher.
E assim entende-se o verdadeiro significado da depressão: o falhanço interiorizado do combate aos traumas, nunca os conseguindo esquecer, deixar de reviver até. Então, os traços da pintura, durante o período depressivo, atenuaram-se, transmitindo uma suave violência, uma expressão submissa, derrotada, da sua luta perdida. As causas e a cura? Nem a pintora talvez saiba!


Paula Rego, Depression Series, Depressiom, Mermaid.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Exposições


 
Grandes referências portuguesas têm arrastado multidões às suas exposições. Amadeo e agora Almada, em Lisboa, atraíram filas nunca vistas de pessoas. Apreciadores, curiosos, e "outros". E são estes "outros" que são responsáveis pelas enchentes. Porque estas exposições foram divulgadas pela imprensa? Um aspecto positivo, mas que pouco se diferencia de outras exposições. A de Cesariny foi  (menos) divulgada e está longe dos elevados índices de afluência daquelas.
Que fenómeno se passa? Teme-se que seja passageiro, e que se deva tão só a ter-se tornado moda ir a exposições. Basta apreciar a exposição dentro da exposição: os "outros" percorrem os corredores quase sem olhar para os quadros, conversam, falam de tudo, menos dos quadros.
Quando deixar de ser
o píncaro do moderno,
o actual mas muito à frente,
recheado de modernidade,
ou seja,
quando os "novos aculturados" se chatearem de ir a uma exposição,
o marasmo da ignorância cultural - teme-se - voltará.
 
 
Almada Negreiros, Arlequim, Bailarina e Cavalo  (boa e má imagem)


 

sexta-feira, 10 de março de 2017

Velhice

 

Velhice, diga-se o que se disser, mesmo reforçando que a mente é jovem, é quando notamos que as nossas referências vão morrendo e as substituições vão faltando.
Howard Hodgkin era uma delas e foi-se ontem embora. Deixou uma obra sobre a Vida. A Alegria das suas cores fortes quase que é Música. Estudos para uma Obra de Arte Total.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Esperança


Que resta a uma juventude que quer viver com dignidade, poder de compra e independência? Com a generalização dos baixos salários, nunca tal será possível.
Estamos a viver uma etapa marcante da civilização, em que a juventude está a ser empurrada para pensar novas formas de fazer dinheiro, para assegurar a sua legítima ambição.
Está a começar a era do empreendedorismo, que irá dominar esta geração.
A depressão mundial assustou a riqueza e obrigou-a a refugiar-se fora do sistema. Abunda a liquidez que procura patamares de remuneração que o sistema lhe nega. Esta liquidez está a virar-se para aquele empreendedorismo.
Start ups look for seed capital that looks for start-ups.
Este é o casamento para os próximos anos. Com risco, sem dúvida, mas nem por isso maior que o existente na economia tradicional de hoje.
A bem da sustentabilidade social, este casamento tem de ser bem sucedido.
A Esperança no sucesso tem de sobreviver.


Julian Schnabel - Hope

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A morte da perenidade

O medo é visita assídua às gerações mais velhas.
O medo de ver a saúde fugir, o medo de empobrecer, o medo de tudo e de nada, enfim o medo de morrer. Hoje em dia, o medo não as larga, por outra razão: os velhos sentem-se perdidos no meio de tantas evoluções que transformaram a estabilidade onde aprenderam a viver, num mundo que erradicou a noção de perenidade.
E isto originou algo incomum: as gerações não tão velhas - e até as declaradamente novas - começam também a conhecer o medo.
Vêem que, hoje, nada dura muito. Sejam os empregos, sejam os produtos, nada dura muito. Nem as relações afectivas.
Como está a ser este tempo presente? Como estão a viver, e a preparar-se para viver, as gerações mais novas?
O desafio só pode ser aprender a viver neste novo mundo. Os mais velhos com a dificuldade de compararem a actualidade com os seus tempos de juventude e maturidade. E viram-se inevitavelmente para o Restelo do Camões. Os mais novos, sem termo de comparação, vivem na instabilidade como seu ambiente natural, e quase não vivem, apenas sobrevivem, procurando formas de alienação. O homo sapiens está a evoluir do colectivo para o individual, como nova forma de defesa. Repare-se como o conceito de "amigo" se banalizou através das redes sociais. É a individualidade que conta, e não o altruismo que estava implícito no anterior conceito. Hoje, o amigo até é quem não se conhece.
É este individualismo que está a moldar o cenário de medo dos mais velhos. Porque abre caminho a novas formas de exercer o poder, mais musculadas, mais orwellianas.
Aproximam-se os cenários de ficção que nos fizeram sorrir. A robotização maciça está à porta. As sociedades irão conseguir produzir o suficiente para apaziguar as clivagens que irão ocorrer?  Não nos preparámos para estas evoluções tão rápidas e fracturantes. .Alterações que acontecem numa ou duas gerações, e que questionam o legado das que as precederam. E não sabemos o que ensinar aos filhos, porque não sabemos que mundo vão ter. A única tábua de possível ensinamento, onde estão inscritos os valores que edificaram civilizações durante incontáveis gerações,é hoje desprezada na sua obsolescência. Ofuscada pelo nascimento de novos conceitos, como o da pós-verdade.
O tempo passa a ter outro significado quando falta a perenidade. Chegámos ao tempo dos contratempos. Resta esperar que as novas gerações os saibam superar e assim saltar para um novo patamar civilizacional, afastado da sua progressiva extinção.






Amadeo - Clown, Cavalo-Salamandra



Diário de bordo



Hoje, já não se consegue esconder que estamos a ir ao fundo.
Nós.
A civilização.
Estamos a ir ao fundo, não a pique, mas com forte probabilidade de o conseguirmos com mais ajudas bélicas.
O medo começou a chegar e alastra à velocidade das eleições e dos referendos. Este medo conduz uma maioria acéfala, cega na sua paranóia de raciocínio circular conforto-desconforto-segurança-insegurança. Medo, portanto, e potenciado pela luz artificial do populismo que ilumina essa maioria ao ponto de ela se rever nessa luz.
Esta maioria está a desequilibrar o barco que navegava no centro político, movendo-se tanto para a direita que o barco, de tanto inclinado, já mete água.
A música do proteccionismo é apelativa para os eleitores desiludidos, frustrados perante a incompetência dos políticos que elegeram. No meio desta música - que vai conduzir aquela crescente maioria de pessoas a votar nos extremismos que, como sabemos, se tocam - ouvem-se, em crescendo, os acordes nacionalistas abrindo caminho ao seu triunfalismo nestes Estados Unidos flácidos da Europa e da América. Onde o centro se deslocou.
O desmoronamento destes estados unidos avança país a país.A embriaguez da estabilidade económica - que conduzisse a uma prosperidade real e com razoável equilíbrio na distribuição da riqueza num ambiente de quase pleno emprego - foi atropelada pela frustração da ressaca, com danos dificilmente reversíveis. As causas recentes começaram - e continuam - no laxismo regulador que permitiu a última crise financeira, que permitiu a procriação de elites financeiras sem capital (ou antes, com pseudo-capital) e sem capacidade de criar riqueza.
Quem pagou a factura das falências bancárias assim provocadas? A tal maioria que votava ao centro, a mesma que agora se desintegra, criando um novo ajuntamento num dos lados do barco do barco, e que o levará a naufragar. É este ajuntamento de gente inculta ou com medo da instabilidade, da perda de qualidade de vida, do desemprego, que precisa ser recuperada por bons políticos para o centro que estabilizaria o barco.
Todavia, a dificuldade em conseguir esse resultado é enorme. Vemos todos os dia um tecido social a ser corrompido por uma irresponsável desinformação. Por conteúdos que o bombardeiam sem misericórdia, nos jornais, nas rádios, nas tvs, nas redes sociais. Que lhe retiram autonomia para pensar. De novo, a falta de cultura asfixiando este mundo
Aquele tecido social - falido por ter sido apanhado nas falinhas mansas de maus banqueiros que, ou usaram as suas poupanças para comprar os seus próprios impérios financeiros, ou o convenceram a comprar facilmente o que precisava e o que não precisava - endividado numa viciante espiral de dívida, faz suas as palavras populistas, absorve os medos e corre para o lado direito do barco, elegendo arrivistas ignorantes para timoneiros que desconhecem os procedimentos salva-vidas. É a estibordo que a água começa a avançar perigosamente, tornando o desastre eminente.
Em Portugal, a nossa estagnação de quase 20 anos, tem sido como uma corda de seda ao pescolo. Mas a seda também fere e só mata lentamente.
Não se vê movimentação suficientemente robusta nos aparelhos partidários ao centro, para proclamar a urgência de equilibrar o barco. Não se vislumbra a convocação de pessoas para essa urgência de evitar o naufrágio.
O centro político, que se deixou infiltrar por inaptos sem visão, acabou por ser o anestesista que embalou uma maioria ponderada numa transitória ilusão de bem-estar, acomodando-a em poltronas que a prenderam à frente de transmissores incultos, vazios de ideias mas cheios de alarvidade provocante.
A contra-informação passou a vestir-se de desinformação, e tomou de assalto uma substancial parte da classe média frustrada e, por isso, permeável a essa desinformação, conduzindo-a como massa acéfala, atraída por um estibordo onde o paraíso existiria por decreto.
A menos que a cidadania não anestesiada reaja, o desastre é eminente. É também a democracia que tem a corda de seda ao pescoço.


Bordalo Pinheiro a Paula Rego (macaquinhos no sótão)






sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O incêndio que falta



O país continua a arder, num consumo letal que desafia as probabilidades mais pessimistas, representando este ano mais de metade da área europeia ardida.
Não bastava a destruição rural com tudo o que acarreta de prejuízos humanos e económicos (bio-agricultura, floresta e turismo), esta semana, chegou ao Algarve, sinalizando ainda mais a destruição do balão de oxigénio chamado turismo.
Alheios a este país real, os nossos políticos só falam do país do faz-de-conta e que há-de ser, discutindo as grandes políticas que irão reduzir o défice ou disciplinar com comissões parlamentares de inquérito os comportamentos abusivos a que se tem fechado os olhos. Temas importantes sem dúvida, mas... e os incêndios? E o calor que promete subir de ano para ano? O que fazer que já devia ter sido feito? O que está mal e deve ser emendado? Como auxiliar os despojados, a bio-agricultura, o turismo, de forma responsável e sustentada? Porque as consequências são devastadoras. Basta olhar para um futuro extrapolado do país queimado, para as bolsas agrícolas destruídas, para os pastos que condenam os animais à inexistência, para uma economia com a fatal e crescente dependência da importção, para o desespero dos aflitos, para o turismo que se afasta sem nada de digno para ver.
Estas seriam as discussões estruturantes que deveriam ter incendiado o Parlamento e o quase silêncio diz tudo sobre os eleitos que lá estão.
Nunca é demasiado tarde, mas já é tão tarde.




W.Turner, The burning of the Houses of Parliament

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A Colina Verde infestada





Castorf tem um problema com as mulheres: em todo o Anel todas as mulheres têm um comportamento sexual condenável. Mas este é o mal menor, e por aqui se vê toda a sua tentativa de chocar as sensibilidades. O homem quer provocar a audiência e consegue-o. Este é o seu objectivo na desconstrução da obra. O resultado é a distração que nos rouba a música e o texto. Motivos antagónicos ao texto, chegando a obrigar os intérpretes a acções que contradizem o texto. Deplorável.


Claro que Wagner exortou a criarem sobre a sua obra. Novas produções são sempre bem vindas. Umas bem sucedidas outras, como esta, um chorrilho de lugares comuns, de sexo gratuito e sem sentido. Provocador? Sim, o homem provoca a exasperação. No meio de algumas boas ideais, a sua ânsia de originalidade, remete o resultado final para os exageros sem contexto e até chega a ser retrógado.


Uma lástima que pouco tem de criativamente disruptivo e abunda em falta de imaginação para concretizar as poucas ondas de criatividade. Músicos e intérpretes mereciam muito mais. Como comemoração do bicentenário é um insulto aos devotos.


Podia dizer muito mais, mas fico alterado só de pensar nos estragos que me fez. Não pertenço à brigada das cavernas e florestas, mas a genialidade não passou por esta boçal produção. Fora com Castorf. Fiquei rouco de tanto vaiar a produção. Fiquei triste por ver a colina sagrada infestada. Aguardo a próxima produção.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Sociedade low cost



O egoísmo tranformou a sociedade, centrando-a nas conquistas pessoais. O Eu é quem mais ordena, e a consequência é a generalizada obsessão pelo bem-estar pessoal com o imediato atropelo da Família, do Outro, enfim, da Sociedade gregária.
Fomos gregários, construímos uma colmeia, mas a erosão provocada pelo egocentrismo tem transformado a colmeia em multiplos clusters individuais. Mesmo os lobbys servem interesses de apenas alguns indivíduos.
Vive-se uma época de alienação, plasmada em muitos vectores do quotidiano, dos fundamentalismos que querem impôr vontades minoritárias, aos amorfismos que encolhem os ombros a tudo o que creem não beliscar o seu casulo.
A civilização recua perante os avanços das barbáries. A sociedade dissolve-se no ácido do individualismo. Lucrécia raptada, abusada, que movimento te resgatará? Que fazer perante a inépcia dos políticos incapazes de firmar uma geo-estratégia, como se viu com o abandono dos países-muralha, Líbia e Síria, deixando-os como corredores invasores da Europa? Como sempre, a solucção traz guerras globais como purgas.
Como anunciava o Inferno de Dante à entrada: Abandonai toda a esperança, vós que entrais.


Sebastiano Ricci, Lucretia

Eu confesso


Ler Jaume foi o prazer de fazer as pazes com a grande literatura.
Mas todas as moedas têm duas faces, e do outro lado espreitava uma face depressiva. A que lembrava a cada dez páginas que existem tantas coisas superiores para serem vividas, mas que a nossa capacidade de as viver está enredada nas limitações do nosso corpo. A triste conclusão de que a vida que temos não nos chega precisa ser combatida. Pensar nas nossas limitações torna-se uma sina insuportável. Escrever é uma forma de esconjuração da depressão.
Vem em socorro a Tabacaria: Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
E Whitman fecha o assunto na Song of Myself: Do I contradict myself? Very well, then I contradict myself, I am large, I contain multitudes.
E voltamos a Pessoa: Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
A vida não chega? Vai chegando! Grande livro para ser relido, pois então!


Frame de Dying Slowly, Tindersticks

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ainda não

Ainda não vai ser este ano.
Fica um sentimento de tempestade valquírica.

Hermann Hedrich, Valkurensturm

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

PR dixit



No FT de hoje, a propósito do livro de memórias que Lord Bell acaba de publicar, Right or Wrong by Tim Bell. Lord Bell foi PR de M.Thatcher.

... on politicians
They start off being nice... but the machinery turns them into zombies: unfeeling and deadly.

... on PR people
We talk to ordinary people. We may appear to be elitist in the way that we live, the cars we drive and the houses that we live in, but our whole life is spent trying to work out how you can persuade people.

... on Twitter
The end of civilization.

E os 8 mandamentos do PR:
1. Don´t panic
2. Work out a plan
3. Avoid blame, but take responsibility
4. Accept help, but never lose ultimate control yourself
5. Manage expectations
6. Be there and be available
7. Be as transparent as possible
8. Understand your media and audience.



Edward Hopper, Girlie show

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Saudades



O presente é um catalizador de saudades. Infelizmente.
O presente ideal é o que nos não deixa ter saudades, é o que nos faz fruir a vida de hoje com absoluto prazer. Mas (e este é um grande Mas) o mundo anda tão mal frequentado, e Portugal, numa escala mais insignificante, não deixa de lhe seguir o exemplo.

Só se vêem pessoas empurradas para as saudades de tempos que conheceram em melhores dias. Estas Saudades matam a Esperança, definham o Espírito, corroem o Corpo.

Há que sobreviver, repelindo as teias das saudades dos passados. Combater essa teias com outras. É preciso deixar de sentir tantas saudades dos passados. Há que, carinhosamente, remetê-los para o baú das miragens, para o cantinho das boas memórias, estimados, claro, mas sem obcecar, sem negar que enriquecem os evangelhos da nossa vida.

Há que querer, mesmo, sentir saudades do futuro, ansiar por tempos benevolentes de restauração da felicidade de viver e de ver viver em felicidade. É bem melhor ter saudades do futuro do que do passado. Contrariando a definição de saudade, que a remete sempre para o passado. Inventemos as saudades do futuro. O Sol nasce todos os dias, e brilha sempre nalgum lugar. Há que procurar estar nesse lugar, que muda todos os dias.



Turner, Norham Castle sunrise

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Mood - from dawn to evening

Dawn


Morning
 

Afternoon


Evening
 

Evening extended

 
 
 
 
Cézanne, les grandes baigneuses
Matisse, le bonheur de vivre
Goya, el aquelarre (le samedi des sorcières)
Matisse, luxe, calme et plaisir
Matisse, nu bleu I
Matisse, nu bleu IV

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Música de mortos

Azucrinam-me os ouvidos sobre as músicas que oiço.  Que só oiço músicas de mortos, ou que só oiço músicas esquisitas. Se o bruá não fosse tão indigente ainda mereceria resposta. E no meio de tanto demérito, o tema transportou-me para a primeira música que ouvi, como se o mundo tivesse começado ali. Foi o caminho da descoberta desse mundo e de novos mundos. Que ainda hoje prossegue, como não poderia deixar de ser. Pelo caminho percorrido apropriei-me de músicas que fazem parar o mundo. Estes são os primeiros minutos daquela primeira música. Obrigado Ike.



sexta-feira, 29 de agosto de 2014

If



If
 
If freckles were lovely, and day was night,
And measles were nice and a lie warn’t a lie,
Life would be delight,—
But things couldn’t go right
For in such a sad plight
I wouldn’t be I.

If earth was heaven and now was hence,
And past was present, and false was true,
There might be some sense
But I’d be in suspense
For on such a pretense
You wouldn’t be you.

If fear was plucky, and globes were square,
And dirt was cleanly and tears were glee
Things would seem fair,—
Yet they’d all despair,
For if here was there
We wouldn’t be we.


E.E. Cummings


Picasso, Red Armchair

If only




If 

(‘Brother Square-Toes’—Rewards and Fairies)
If you can keep your head when all about you
Are losing theirs and blaming it on you,
If you can trust yourself when all men doubt you,
But make allowance for their doubting too;
If you can wait and not be tired by waiting,
Or being lied about, don’t deal in lies,
Or being hated, don’t give way to hating,
And yet don’t look too good, nor talk too wise:

If you can dream—and not make dreams your master;
If you can think—and not make thoughts your aim;
If you can meet with Triumph and Disaster
And treat those two impostors just the same;
If you can bear to hear the truth you’ve spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools,
Or watch the things you gave your life to, broken,
And stoop and build ’em up with worn-out tools:

If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch-and-toss,
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss;
If you can force your heart and nerve and sinew
To serve your turn long after they are gone,
And so hold on when there is nothing in you
Except the Will which says to them: ‘Hold on!’

If you can talk with crowds and keep your virtue,
Or walk with Kings—nor lose the common touch,
If neither foes nor loving friends can hurt you,
If all men count with you, but none too much;
If you can fill the unforgiving minute
With sixty seconds’ worth of distance run,
Yours is the Earth and everything that’s in it,
And—which is more—you’ll be a Man, my son!
 
Rudyard Kipling


Van Gogh, Landscape under a stormy sky

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Para afastar as nuvens



Art is a guarantee of sanity, Louise Bourgeois

Louise Bourgeois, Hamlet and Ophelia

Exemplar? ou nem por isso


A actividade bancária presta-se a tentar os seus intervenientes. Têm-se conhecido diversas formas concretizadas de "tentações". Com consequências de dimensão variável, mas sempre prejudicando diversos "stakeholders". A primeira conclusão é que os supervisores falham recorrentemente. E ao falharem tantas vezes, nem se lembram de auditar-se a si próprios para detectar as insuficiências dos procedimentos. Incompetência clara. Porque se for outra coisa além de incompetênciasó pode ser crime.

Em Portugal, os exemplos que têm saltado a público nos últimos anos são duplamente gravosos, pois adicionalmente afectam um país pequeno, onde a economia está toda ela muito interligada, e os impactos sistémicos são sempre penalizadores.

Quando as prevaricações excedem a prática nebulosa da actividade, resta a justiça para punir exemplarmente.

Em Inglaterra, e principalmente nos Estados Unidos, têm sido emitidas punições exemplares. Ontem foi anunciada mais uma: O Bank of America acordou pagar uma multa de 16,7 biliões de USD, como punição do seu envolvimento no escândalo do "subprime".

BofA? Again? Olhando para as multas recentes aos bancos americanos:

Agosto 2014 - BofA - 16,7 bl USD
Março 2014 - BofA - 9,3 bl USD
Novembro 2013 - JP Morgan - 13,0 bl USD
Janeiro 2013 - BofA - 11,6 bl USD
Fevereiro 2012 - BofA - 11,8 bl USD

BofA, again and again? Multas que, pela sua dimensão castigadora, deveriam desencorajar as práticas à margem da lei, mas parece não terem esse efeito, pois a mesma entidade continua a prevaricar. Deveriam ter a palavra, os accionistas, que vêm assim os seus dividendos surripiados por uma má gestão. Será que estas multas milionárias são mesmo exemplares e bastam? Não deveria a supervisão sentar-se permanentemente nos "Boards" e nos orgãos decisores destes bancos?


Uma batalha diferente



Há meses soube de um projecto que nunca me poderia deixar indiferente. Hoje soube que a sua concretização foi adiada. Ou seja, a semente está lançada. Preocupante!

Na desconhecida vidade de Hartford, Conn., alguém - o produtor teatral C. Goldstein - se lembrou de economizar numa produção do Anel. Vai daí, com a gravação do som dos instrumentos e a pauta computorizada, tem-se toda uma orquestra no desemprego, substituída por música digital.
Já alguém chamou a esta ideia "karaoke operático". Os músicos estão obviamente contra

Os solistas que tomem atenção, pois poderão vir a sofrer da mesma erradicação. E ser substituídos por marionetas, porque não? E assim, para quê o maestro? para quê toda uma panóplia de profissões que a ópera ao vivo alimenta? E os espectadores? Aceitarão pagar para "ouvir um CD"? A caixa de Pandora está entreaberta.

Quem vai ganhar esta batalha? A demência fundamentalista pelos cortes de custos só parará com o colapso do sistema que está a ser implementado em todos os negócios, em todas as esquinas da vida. Atenção consumidores, voltaram as forcas às esquinas.

A batalha perdida.

 
 
 
O Homem perdeu a batalha: neste mês de Agosto a Global Footprint Network informa que se esgotaram todos os recursos naturais que a Terra consegue fornecer num ano.
Daqui para a frente existe um défice ecológico a juntar aos défices intelectual e moral.
Crescendo estes, não perderemos a guerra. Não crescendo, obrigaremos o sistema ecológico a um forte ajustamento. Este, sem troika mas com muita doença mortal. Àfrica e Ásia, campeões da procriação desenfreada, exportarão os virus dizimantes.
E começa a desenhar-se um novo poder emergente, o de quem possuir água. Recordo que nós, neste cantinho Portugal, temos muitos rios. Mas que nascem em Espanha. Alternativa? O imenso mar que nos rodeia e o incremento das técnicas de dessalinização. Até poderemos vir a exportar água. E resolver assim o nosso estado de país falido. A água será o novo petróleo.

A. Durer, Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse
 
 

terça-feira, 19 de agosto de 2014

A mãe de todas as batalhas


Sonhei que me sentava. À minha frente um quadro ocupava totalmente o meu campo de visão. À minha volta, ninguém. Sala vazia, como se o museu fosse só para mim. Mas eu sabia que havia ali muita gente. Que eu não via. Só o quadro existia. Representava a ala dos namorados na batalha de Aljubarrota. 14 de Agosto de 1385. Foi ao fazer as contas aos anos decorridos que o quadro me inundou, alheando-me de tudo o mais.
Só que eu já não via a cena da batalha. Ela tinha-se transformado num desfile mudo e acelerado. Via agora os meus anos de vida passarem desenfreadamente naquele quadro. A vida é assim tão curta? Seria a minha vida, tal e qual? Talvez uma das minhas possíveis vidas.
Abandonei o corpo na sala do museu e entrei no quadro. Queria ver o futuro, não o meu, mas o que espera as próximas gerações. No fundo, para saber quantos filhos devemos ter. Mais, menos, ou nenhum se o futuro for assim tão mau. Mas não consegui ver nada. Teria de procurar a resposta fora do quadro.
Acordei com o choro de um bébé e vi que estava arrepiado. A batalha para obter resposta estava longe de ter fim.

Hi-ho Silver... away


Chegar, cumprir um ciclo, desaparecer. Hi-ho Silver... away.

Olho para os espelhos da vida, vejo quem deixei de ver há muitos anos, as marcas do tempo nas faces, a sensação incómoda de que estaremos envelhecidos. Procuro para além das rugas, tento encontrar indícios vivos do que conheci nessas pessoas agora estranhas. Os olhos, o sorriso, a voz, mas, acima de tudo, o raciocínio, a inteligência. Procuro o que sobressai nessas pessoas, para além da decadência. What have you done with your inner self? E tento compreender, justificar, a diferença. Porque ela existe. Dir-me-ão, agruras que o tempo tece em teias que nos transcendem. O envelhecimento físico é só a parte mais frágil do eu, de ti, e de ti, e de ti... Sei que o físico sempre foi gratificantemente enganador, vestindo de luxo o intelectual. Agora com a roupagem puída, será que o intelectual continua a ser tão atraente como era? Terá, certamente de ser mais compensador, e aqui reside o imbróglio!
Today I am a cowboy, tomorrow I´ll be a singing horseman. But the song remains the same, hi-ho Silver away!
 
 
Clayton Moore, the Lone Ranger / Jack Yeats, the Singing Horseman