quinta-feira, 30 de março de 2017
terça-feira, 21 de março de 2017
Poesia
Esta mania de atribuir comemorações aos dias, acordou em mim, hoje, a tentação de ir à gaveta e começar a deixar aqui palavras que alinhavei, sem a presunção de lhes chamar poemas, mas apenas luminescências do êxtase sentido com Tristão e Isolda.
Mas, para não desvirtuar o dia, um Poema a sério, e com motivo, pois para mim a Primavera é sublime e sempre a celebro neste dia:
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro, Quando vier a Primavera
quarta-feira, 15 de março de 2017
Este ano na colina verde
Mais dentro da seita, lá estarei este ano na montanha mágica para os excessos do Anel de Castorf.
(Publicado em Janeiro 2016)
Rheinegold, Castorf
Êxito do Exit
O mundo está a ficar nas mãos dos populistas. Os extremismos de direito e de esquerda crescem e engolem o centro. A virtude perdeu-se. Alguma vez voltará?
Os medíocres senhores dominantes sentem medo, a burocracia já não os defende dos ataques populistas. O funcionalismo público europeu não consegue evitar a algazarra dos referendos.
Uma decisão magna é votada e acatada com uma diferença inferior a 4%. É de pasmar!
A anormalidade é o novo normal. Pensar que a decisão de um país mandar às malvas acordos de cooperação com 27 países, pode ser tomada por difenças marginais de voto, é de loucos. Logo no dia a seguir ao referendo uma catadupa de votantes pelo Brexit, zurrou estar arrependida. Really?! Ninguém pensou que, talvez 2/3 fosse uma exigência racional para determinar mudanças radicais com impactos significativos? Ninguém pensou que uma decisão tão marcante iria impactar a vida dos mais jovens durante muitos mais anos do que afectaria a vida dos mais velhos? E foram precisamente os mais novos que votaram contra e perderam. E que vão ter de viver com a decisão dos velhos depois destes morrerem. Fair enough?
Pior mesmo, é os burocratas não perceberem as ondas de choque que irão levar às próximas saídas. Ciao, claro.
(Publicado em 2016)
Tindersticks, the waiting room
Os medíocres senhores dominantes sentem medo, a burocracia já não os defende dos ataques populistas. O funcionalismo público europeu não consegue evitar a algazarra dos referendos.
Uma decisão magna é votada e acatada com uma diferença inferior a 4%. É de pasmar!
A anormalidade é o novo normal. Pensar que a decisão de um país mandar às malvas acordos de cooperação com 27 países, pode ser tomada por difenças marginais de voto, é de loucos. Logo no dia a seguir ao referendo uma catadupa de votantes pelo Brexit, zurrou estar arrependida. Really?! Ninguém pensou que, talvez 2/3 fosse uma exigência racional para determinar mudanças radicais com impactos significativos? Ninguém pensou que uma decisão tão marcante iria impactar a vida dos mais jovens durante muitos mais anos do que afectaria a vida dos mais velhos? E foram precisamente os mais novos que votaram contra e perderam. E que vão ter de viver com a decisão dos velhos depois destes morrerem. Fair enough?
Pior mesmo, é os burocratas não perceberem as ondas de choque que irão levar às próximas saídas. Ciao, claro.
(Publicado em 2016)
Tindersticks, the waiting room
O fim da classe média
Não é só a entropia da civilização ocidental que nos entra diariamente pelos olhos e pelos ouvidos. Não! É algo mais forte e dramático que se anuncia.
Vemos a exploração petrolífera deixar de ser rentável, poços a fecharem. Anuncia-se o fim da produção de carros a combustível. Vêm os carros eléctricos. E sem condutor. De uma penada limpam-se várias profissões e enfatiza-se a robotização. Multiplicam-se os exemplos como este, noutros sectores de produção.
A inteligência artificial vai chegar em força.
Os robots que cozinham, que aspiram, que cortam relva, que limpam piscinas,... foram o primeiro passo. Virão os carros sem condutor. Fez-se já uma ponte com uma impressora 3D. Já estão testados robots para a medicina e que conseguem margem de erro zero nas análises para detecção de cancro, contra 7% de erro dos técnicos humanos. Basta pôr a nossa inteligência imaginativa a funcionar para se projectar uma sociedade nova. Uma sociedade onde os técnicos serão substituídos por máquinas.
Será o fim de uma classe média, tal como a conhecemos hoje? Sem colarinhos azuis, e sem colarinhos brancos. AI is the new black.
Ou, tal como aconteceu com a revolução industrial, o avanço tecnológico acaba sempre por criar mais postos de trabalho do que os que aniquila?
Certo é que a inteligência artificial, mal monitorizada, ou seja, permitindo-se que evolua no sentido do lucro e não do bem estar social, pode conduzir-nos a uma nova barbárie, onde os galgos e os imensos coelhos desempregados e sem nada a perder, se degladiarão até à aniquilação que permita alguma sobrevivência.
Numa sociedade ideal, bem estruturada e civilizada, a Inteligência Artificial seria bem vinda, libertando as pessoas para o bem-estar. Nas sociedades doentes, como as que vemos hoje, o perigo espreita e favorece o aparecimento do Big Brother.
(Publicado em 2016)
Amadeo Souza Cardoso, Galgos
O Estado-Digital
As sociedades estão a desequilibrar-se estruturalmente e irão conduzir os Estados para o caminho do controlo absoluto sobre os cidadãos. Nos regimes totalitários, a pressão para trilhar este caminho é premente para evitar a dissonância popular. Nos regimes democráticos, a ilusão do poder de voto está a colocar no poder correntes políticas de forte cariz controlador.
Hoje, já existem bases de dados que bem podem traçar o perfil do indivíduo e assim fornecer matéria para o controlar. Desde os sistemas de informação fiscal, que começam nos rendimentos mas que sabem traçar o perfil consumista, até aos registos sobre a saúde, outros irão aparecer, sobre os hábitos, os vícios, as tendências políticas, etc. Irão aparecer com a desculpa de melhorar a interacção entre o Estado e o indivíduo. Para bem deste. Sempre.
A digitalização de toda a informação vai permitir a construção de um Estado-Digital habilitado a prever comportamentos e por isso, ter ascendência sobre eles, domando-os ou até evitando o seu aparecimento.
Esta revolução começará certamente nos Estados totalitários, onde a implementação ocorrerá sem oposição. A tentação de alargar às democracias o novo mundo informativo, será grande e inevitavelmente irá ocorrendo. Não se vislumbra forma de impedir que o Estado-Digital se transforme no mundo orwelliano.
(Publicadop em 2016)
Salvador Dali, Natureza morta viva
Depressão
Chorar à chuva tem a vantagem cómica de se verem as lágrimas misturadas com os pingos da mesma chuva. Chorar à chuva pode, assim, dissipar o motivo da choradeira. Mas, e se o motivo for a depressão?
Na depressão, pode nem haver choro, apenas uma imensa vontade de não existir. E houve até quem pintasse para exorcizar as sombras.
Em Londres, cidade consistentemente familiarizada com a Arte, Paula Rego expõe, por estes dias, as suas Depression Series, dez anos depois de as ter pintado enquanto combatia a sua própria depressão.
Estranhamente, ao olhar as telas, não deixa de se sentir uma contradição entre a obra da pintora, fora da depressão versus dentro da depressão.
A obra fora da depressão revela uma personalidade profundamente traumatizada e reprimida. Na sua fase dentro da depressão, pelo contrário, existe a aceitação daquela violentação. Existe um sentido de abandono da raiva, desistência da luta para fazer ver ao mundo como a sociedade é repressiva, especialmente sobre a mulher.
E assim entende-se o verdadeiro significado da depressão: o falhanço interiorizado do combate aos traumas, nunca os conseguindo esquecer, deixar de reviver até. Então, os traços da pintura, durante o período depressivo, atenuaram-se, transmitindo uma suave violência, uma expressão submissa, derrotada, da sua luta perdida. As causas e a cura? Nem a pintora talvez saiba!
Paula Rego, Depression Series, Depressiom, Mermaid.
segunda-feira, 13 de março de 2017
Exposições
Grandes referências portuguesas têm arrastado multidões às suas exposições. Amadeo e agora Almada, em Lisboa, atraíram filas nunca vistas de pessoas. Apreciadores, curiosos, e "outros". E são estes "outros" que são responsáveis pelas enchentes. Porque estas exposições foram divulgadas pela imprensa? Um aspecto positivo, mas que pouco se diferencia de outras exposições. A de Cesariny foi (menos) divulgada e está longe dos elevados índices de afluência daquelas.
Que fenómeno se passa? Teme-se que seja passageiro, e que se deva tão só a ter-se tornado moda ir a exposições. Basta apreciar a exposição dentro da exposição: os "outros" percorrem os corredores quase sem olhar para os quadros, conversam, falam de tudo, menos dos quadros.
Quando deixar de ser
o píncaro do moderno,
o actual mas muito à frente,
recheado de modernidade,
ou seja,
quando os "novos aculturados" se chatearem de ir a uma exposição,
o marasmo da ignorância cultural - teme-se - voltará.
Almada Negreiros, Arlequim, Bailarina e Cavalo (boa e má imagem)
sexta-feira, 10 de março de 2017
Velhice
Velhice, diga-se o que se disser, mesmo reforçando que a mente é jovem, é quando notamos que as nossas referências vão morrendo e as substituições vão faltando. Howard Hodgkin era uma delas e foi-se ontem embora. Deixou uma obra sobre a Vida. A Alegria das suas cores fortes quase que é Música. Estudos para uma Obra de Arte Total.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
Esperança
Que resta a uma juventude que quer viver com dignidade, poder de compra e independência? Com a generalização dos baixos salários, nunca tal será possível.
Estamos a viver uma etapa marcante da civilização, em que a juventude está a ser empurrada para pensar novas formas de fazer dinheiro, para assegurar a sua legítima ambição.
Está a começar a era do empreendedorismo, que irá dominar esta geração.
A depressão mundial assustou a riqueza e obrigou-a a refugiar-se fora do sistema. Abunda a liquidez que procura patamares de remuneração que o sistema lhe nega. Esta liquidez está a virar-se para aquele empreendedorismo.
Start ups look for seed capital that looks for start-ups.
Este é o casamento para os próximos anos. Com risco, sem dúvida, mas nem por isso maior que o existente na economia tradicional de hoje.
A bem da sustentabilidade social, este casamento tem de ser bem sucedido.
A Esperança no sucesso tem de sobreviver.
Julian Schnabel - Hope
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
A morte da perenidade
O medo é visita assídua às gerações mais velhas.
O medo de ver a saúde fugir, o medo de empobrecer, o medo de tudo e de nada, enfim o medo de morrer. Hoje em dia, o medo não as larga, por outra razão: os velhos sentem-se perdidos no meio de tantas evoluções que transformaram a estabilidade onde aprenderam a viver, num mundo que erradicou a noção de perenidade.
E isto originou algo incomum: as gerações não tão velhas - e até as declaradamente novas - começam também a conhecer o medo.
Vêem que, hoje, nada dura muito. Sejam os empregos, sejam os produtos, nada dura muito. Nem as relações afectivas.
Como está a ser este tempo presente? Como estão a viver, e a preparar-se para viver, as gerações mais novas?
O desafio só pode ser aprender a viver neste novo mundo. Os mais velhos com a dificuldade de compararem a actualidade com os seus tempos de juventude e maturidade. E viram-se inevitavelmente para o Restelo do Camões. Os mais novos, sem termo de comparação, vivem na instabilidade como seu ambiente natural, e quase não vivem, apenas sobrevivem, procurando formas de alienação. O homo sapiens está a evoluir do colectivo para o individual, como nova forma de defesa. Repare-se como o conceito de "amigo" se banalizou através das redes sociais. É a individualidade que conta, e não o altruismo que estava implícito no anterior conceito. Hoje, o amigo até é quem não se conhece.
É este individualismo que está a moldar o cenário de medo dos mais velhos. Porque abre caminho a novas formas de exercer o poder, mais musculadas, mais orwellianas.
Aproximam-se os cenários de ficção que nos fizeram sorrir. A robotização maciça está à porta. As sociedades irão conseguir produzir o suficiente para apaziguar as clivagens que irão ocorrer? Não nos preparámos para estas evoluções tão rápidas e fracturantes. .Alterações que acontecem numa ou duas gerações, e que questionam o legado das que as precederam. E não sabemos o que ensinar aos filhos, porque não sabemos que mundo vão ter. A única tábua de possível ensinamento, onde estão inscritos os valores que edificaram civilizações durante incontáveis gerações,é hoje desprezada na sua obsolescência. Ofuscada pelo nascimento de novos conceitos, como o da pós-verdade.
O tempo passa a ter outro significado quando falta a perenidade. Chegámos ao tempo dos contratempos. Resta esperar que as novas gerações os saibam superar e assim saltar para um novo patamar civilizacional, afastado da sua progressiva extinção.
Amadeo - Clown, Cavalo-Salamandra
O medo de ver a saúde fugir, o medo de empobrecer, o medo de tudo e de nada, enfim o medo de morrer. Hoje em dia, o medo não as larga, por outra razão: os velhos sentem-se perdidos no meio de tantas evoluções que transformaram a estabilidade onde aprenderam a viver, num mundo que erradicou a noção de perenidade.
E isto originou algo incomum: as gerações não tão velhas - e até as declaradamente novas - começam também a conhecer o medo.
Vêem que, hoje, nada dura muito. Sejam os empregos, sejam os produtos, nada dura muito. Nem as relações afectivas.
Como está a ser este tempo presente? Como estão a viver, e a preparar-se para viver, as gerações mais novas?
O desafio só pode ser aprender a viver neste novo mundo. Os mais velhos com a dificuldade de compararem a actualidade com os seus tempos de juventude e maturidade. E viram-se inevitavelmente para o Restelo do Camões. Os mais novos, sem termo de comparação, vivem na instabilidade como seu ambiente natural, e quase não vivem, apenas sobrevivem, procurando formas de alienação. O homo sapiens está a evoluir do colectivo para o individual, como nova forma de defesa. Repare-se como o conceito de "amigo" se banalizou através das redes sociais. É a individualidade que conta, e não o altruismo que estava implícito no anterior conceito. Hoje, o amigo até é quem não se conhece.
É este individualismo que está a moldar o cenário de medo dos mais velhos. Porque abre caminho a novas formas de exercer o poder, mais musculadas, mais orwellianas.
Aproximam-se os cenários de ficção que nos fizeram sorrir. A robotização maciça está à porta. As sociedades irão conseguir produzir o suficiente para apaziguar as clivagens que irão ocorrer? Não nos preparámos para estas evoluções tão rápidas e fracturantes. .Alterações que acontecem numa ou duas gerações, e que questionam o legado das que as precederam. E não sabemos o que ensinar aos filhos, porque não sabemos que mundo vão ter. A única tábua de possível ensinamento, onde estão inscritos os valores que edificaram civilizações durante incontáveis gerações,é hoje desprezada na sua obsolescência. Ofuscada pelo nascimento de novos conceitos, como o da pós-verdade.
O tempo passa a ter outro significado quando falta a perenidade. Chegámos ao tempo dos contratempos. Resta esperar que as novas gerações os saibam superar e assim saltar para um novo patamar civilizacional, afastado da sua progressiva extinção.
Amadeo - Clown, Cavalo-Salamandra
Diário de bordo
Hoje, já não se consegue esconder que estamos a ir ao fundo.
Nós.
A civilização.
Estamos a ir ao fundo, não a pique, mas com forte probabilidade de o conseguirmos com mais ajudas bélicas.
O medo começou a chegar e alastra à velocidade das eleições e dos referendos. Este medo conduz uma maioria acéfala, cega na sua paranóia de raciocínio circular conforto-desconforto-segurança-insegurança. Medo, portanto, e potenciado pela luz artificial do populismo que ilumina essa maioria ao ponto de ela se rever nessa luz.
Esta maioria está a desequilibrar o barco que navegava no centro político, movendo-se tanto para a direita que o barco, de tanto inclinado, já mete água.
A música do proteccionismo é apelativa para os eleitores desiludidos, frustrados perante a incompetência dos políticos que elegeram. No meio desta música - que vai conduzir aquela crescente maioria de pessoas a votar nos extremismos que, como sabemos, se tocam - ouvem-se, em crescendo, os acordes nacionalistas abrindo caminho ao seu triunfalismo nestes Estados Unidos flácidos da Europa e da América. Onde o centro se deslocou.
O desmoronamento destes estados unidos avança país a país.A embriaguez da estabilidade económica - que conduzisse a uma prosperidade real e com razoável equilíbrio na distribuição da riqueza num ambiente de quase pleno emprego - foi atropelada pela frustração da ressaca, com danos dificilmente reversíveis. As causas recentes começaram - e continuam - no laxismo regulador que permitiu a última crise financeira, que permitiu a procriação de elites financeiras sem capital (ou antes, com pseudo-capital) e sem capacidade de criar riqueza.
Quem pagou a factura das falências bancárias assim provocadas? A tal maioria que votava ao centro, a mesma que agora se desintegra, criando um novo ajuntamento num dos lados do barco do barco, e que o levará a naufragar. É este ajuntamento de gente inculta ou com medo da instabilidade, da perda de qualidade de vida, do desemprego, que precisa ser recuperada por bons políticos para o centro que estabilizaria o barco.
Todavia, a dificuldade em conseguir esse resultado é enorme. Vemos todos os dia um tecido social a ser corrompido por uma irresponsável desinformação. Por conteúdos que o bombardeiam sem misericórdia, nos jornais, nas rádios, nas tvs, nas redes sociais. Que lhe retiram autonomia para pensar. De novo, a falta de cultura asfixiando este mundo
Aquele tecido social - falido por ter sido apanhado nas falinhas mansas de maus banqueiros que, ou usaram as suas poupanças para comprar os seus próprios impérios financeiros, ou o convenceram a comprar facilmente o que precisava e o que não precisava - endividado numa viciante espiral de dívida, faz suas as palavras populistas, absorve os medos e corre para o lado direito do barco, elegendo arrivistas ignorantes para timoneiros que desconhecem os procedimentos salva-vidas. É a estibordo que a água começa a avançar perigosamente, tornando o desastre eminente.
Em Portugal, a nossa estagnação de quase 20 anos, tem sido como uma corda de seda ao pescolo. Mas a seda também fere e só mata lentamente.
Não se vê movimentação suficientemente robusta nos aparelhos partidários ao centro, para proclamar a urgência de equilibrar o barco. Não se vislumbra a convocação de pessoas para essa urgência de evitar o naufrágio.
O centro político, que se deixou infiltrar por inaptos sem visão, acabou por ser o anestesista que embalou uma maioria ponderada numa transitória ilusão de bem-estar, acomodando-a em poltronas que a prenderam à frente de transmissores incultos, vazios de ideias mas cheios de alarvidade provocante.
A contra-informação passou a vestir-se de desinformação, e tomou de assalto uma substancial parte da classe média frustrada e, por isso, permeável a essa desinformação, conduzindo-a como massa acéfala, atraída por um estibordo onde o paraíso existiria por decreto.
A menos que a cidadania não anestesiada reaja, o desastre é eminente. É também a democracia que tem a corda de seda ao pescoço.
Bordalo Pinheiro a Paula Rego (macaquinhos no sótão)
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
O incêndio que falta
O país continua a arder, num consumo letal que desafia as probabilidades mais pessimistas, representando este ano mais de metade da área europeia ardida.
Não bastava a destruição rural com tudo o que acarreta de prejuízos humanos e económicos (bio-agricultura, floresta e turismo), esta semana, chegou ao Algarve, sinalizando ainda mais a destruição do balão de oxigénio chamado turismo.
Alheios a este país real, os nossos políticos só falam do país do faz-de-conta e que há-de ser, discutindo as grandes políticas que irão reduzir o défice ou disciplinar com comissões parlamentares de inquérito os comportamentos abusivos a que se tem fechado os olhos. Temas importantes sem dúvida, mas... e os incêndios? E o calor que promete subir de ano para ano? O que fazer que já devia ter sido feito? O que está mal e deve ser emendado? Como auxiliar os despojados, a bio-agricultura, o turismo, de forma responsável e sustentada? Porque as consequências são devastadoras. Basta olhar para um futuro extrapolado do país queimado, para as bolsas agrícolas destruídas, para os pastos que condenam os animais à inexistência, para uma economia com a fatal e crescente dependência da importção, para o desespero dos aflitos, para o turismo que se afasta sem nada de digno para ver.
Estas seriam as discussões estruturantes que deveriam ter incendiado o Parlamento e o quase silêncio diz tudo sobre os eleitos que lá estão.
Nunca é demasiado tarde, mas já é tão tarde.
W.Turner, The burning of the Houses of Parliament
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
A Colina Verde infestada
Castorf tem um problema com as mulheres: em todo o Anel todas as mulheres têm um comportamento sexual condenável. Mas este é o mal menor, e por aqui se vê toda a sua tentativa de chocar as sensibilidades. O homem quer provocar a audiência e consegue-o. Este é o seu objectivo na desconstrução da obra. O resultado é a distração que nos rouba a música e o texto. Motivos antagónicos ao texto, chegando a obrigar os intérpretes a acções que contradizem o texto. Deplorável.
Claro que Wagner exortou a criarem sobre a sua obra. Novas produções são sempre bem vindas. Umas bem sucedidas outras, como esta, um chorrilho de lugares comuns, de sexo gratuito e sem sentido. Provocador? Sim, o homem provoca a exasperação. No meio de algumas boas ideais, a sua ânsia de originalidade, remete o resultado final para os exageros sem contexto e até chega a ser retrógado.
Uma lástima que pouco tem de criativamente disruptivo e abunda em falta de imaginação para concretizar as poucas ondas de criatividade. Músicos e intérpretes mereciam muito mais. Como comemoração do bicentenário é um insulto aos devotos.
Podia dizer muito mais, mas fico alterado só de pensar nos estragos que me fez. Não pertenço à brigada das cavernas e florestas, mas a genialidade não passou por esta boçal produção. Fora com Castorf. Fiquei rouco de tanto vaiar a produção. Fiquei triste por ver a colina sagrada infestada. Aguardo a próxima produção.
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Sociedade low cost
O egoísmo tranformou a sociedade, centrando-a nas conquistas pessoais. O Eu é quem mais ordena, e a consequência é a generalizada obsessão pelo bem-estar pessoal com o imediato atropelo da Família, do Outro, enfim, da Sociedade gregária.
Fomos gregários, construímos uma colmeia, mas a erosão provocada pelo egocentrismo tem transformado a colmeia em multiplos clusters individuais. Mesmo os lobbys servem interesses de apenas alguns indivíduos.
Vive-se uma época de alienação, plasmada em muitos vectores do quotidiano, dos fundamentalismos que querem impôr vontades minoritárias, aos amorfismos que encolhem os ombros a tudo o que creem não beliscar o seu casulo.
A civilização recua perante os avanços das barbáries. A sociedade dissolve-se no ácido do individualismo. Lucrécia raptada, abusada, que movimento te resgatará? Que fazer perante a inépcia dos políticos incapazes de firmar uma geo-estratégia, como se viu com o abandono dos países-muralha, Líbia e Síria, deixando-os como corredores invasores da Europa? Como sempre, a solucção traz guerras globais como purgas.
Como anunciava o Inferno de Dante à entrada: Abandonai toda a esperança, vós que entrais.
Sebastiano Ricci, Lucretia
Eu confesso
Ler Jaume foi o prazer de fazer as pazes com a grande literatura.
Mas todas as moedas têm duas faces, e do outro lado espreitava uma face depressiva. A que lembrava a cada dez páginas que existem tantas coisas superiores para serem vividas, mas que a nossa capacidade de as viver está enredada nas limitações do nosso corpo. A triste conclusão de que a vida que temos não nos chega precisa ser combatida. Pensar nas nossas limitações torna-se uma sina insuportável. Escrever é uma forma de esconjuração da depressão.
Vem em socorro a Tabacaria: Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
E Whitman fecha o assunto na Song of Myself: Do I contradict myself? Very well, then I contradict myself, I am large, I contain multitudes.
E voltamos a Pessoa: Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
A vida não chega? Vai chegando! Grande livro para ser relido, pois então!
Frame de Dying Slowly, Tindersticks
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Ainda não
Ainda não vai ser este ano.
Fica um sentimento de tempestade valquírica.
Fica um sentimento de tempestade valquírica.
Hermann Hedrich, Valkurensturm
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