quinta-feira, 18 de maio de 2017

Suspiros fantasmas



Os suspiros

 
Bebo os teus suspiros
Saciando a minha sede.
Sede da tua alma.
Sede da plenitude do teu ser.

Ainda que, nunca saciado
Fico cada vez mais completo
Ao absorver esses deliciosos suspiros
Que me trazem a consciência da tua calma
E a consciente felicidade de me saber
Eu próprio
Bebido por ti.

Fico cada vez mais completo
Por sentir a felicidade de me entregar a ti
No acto volitivo
De te completar
Sempre mais.

 
 
 

Os fantasmas

 
Se querer é poder, eu quero
Viver colado a ti
Sem outra dor que não a do prazer
Sem os fantasmas dos vivos que nos rodeiam.
 
Quero perder-me em ti
Para me encontrar.

 

Basquiat and Warhol

Quando escrevo


quando escrevo, visito-me solenemente
F Pessoa in Livro do Desassossego


A almofada

Às vezes durmo agarrado à minha almofada
Na esperança
De que ela seja uma tábua de salvação, e,
No silêncio frio
Das águas geladas
Das minhas ansiedades,
Ela me arraste para longe do desespero
Para bem perto de um sol
Capaz de derreter o gelo que me enclausura.

Às vezes durmo agarrado à minha almofada
Na procura incansável
De um sol
Que provoque a fusão
Entre o sonho e a realidade.
 
Não posso cansar-me.
Senão,  asfixio na minha almofada.
 


O silêncio

 
Sei e
sinto
Que estás sempre comigo.
E contudo, faz muito tempo que não te vejo.
Fisicamente.
Excepto quando fecho os olhos
E o universo todo pára.
 
Acontece o silêncio absoluto
E é nele que eu, de olhos fechados, te vejo
Fisicamente.
Então, embalado  pelo sereno desespero
Deste abençoado sofrimento
Deixo-me adormecer
No teu cheiro.
 

 

A Espera


A espera

Esperei-te para viver
Na avalanche de beijos
Que provoca o doce dilúvio dos nossos fluidos.
Esperei, inteiramente quebrado,
Náufrago do mundo,
Pela tempestade do teu amor.

Hoje, continuo a esperar
Com a certeza de que virás.
Agora, espero com a serenidade
Dos momentos sagrados.

Espero-te para viver.

 
E. Hopper, morning sun

O olhar


 
O olhar

O meu olhar viaja
Vagarosamente
Pelo teu corpo.
Escorre
Languidamente
Pelos teus braços.
Toca
O veludo
Da tua pele.
Arrepia-se
Nos teus arrepios.
 
O meu olhar beija o teu olhar.

Vezes sem conta.
Até que acordo.
E recomeço.

 
Gustav Metzeger

As Águas




As Águas

Parem águas revoltadas!
Deixai-me descer ao meu abismo
Com a imagem da minha infeliz felicidade.
Deixai-me beijar as imagens do meu amor ausente
Deixai-me rodopiar entre a realidade e o sonho.
 
Ah! Estas águas que me envolvem
Que me obrigam a querer
Ainda e sempre mais
O que já tenho.
Ah! Estas águas
Onde tu entraste
Sem nada me dizeres
Para que eu pudesse conquistar a certeza
De tu sempre estares
Onde me encontro.
 
Parem águas revoltadas!
Quero nadar nas tuas águas
Mergulhar nas tuas ondas
E beber-te.

O vento



Sempre mais sobre o Tristão


O Vento

 
Hoje vi o vento
E os meus olhos brilharam
Porque ele te trazia
Até mim
No esplendor do seu sopro.
E eu
Sem oferecer resistência
Deixava-o trespassar o meu corpo
Absorver a minha alma
Vivendo um estado de espírito sem mais conseguir distinguir
Quem era quem
Quem absorvia quem
Quem se dava a quem.
Éramos o vento.

 
Cruzeiro Seixas

Escravo de escrever - bocados de mim



Palavras ensaiadas de braço dado com o sentimento e a sua ilusão. Eis os esboços de um auto-retrato possível.


Tu

 
Encontrei, céptico
A pureza do impuro
E aprendi a amar, convicto
As impurezas do puro.
Falo do que se encontra nas pessoas
Aquelas a quem queremos.
Falo de ti
Que não me abandonas nunca
Que vives pelo prazer de me dares
Ar para respirar
De me dares
Espaço para me movimentar
Que vives pelo prazer
De te dares
A quem te sabe receber.

Encontrei então, a transparência 
De gostar da minha  opacidade.
Hoje, olho para dentro de mim
Com a mesma lucidez e serenidade
Com que percorro o meu exterior
E o que me é exterior.
 
Luto calmamente com as minhas raivas,
E gosto de me ver apaziguando-as;
Sei que só assim, me poderei entregar
Integralmente
A ti.

Por mim e por ti
Por nós
Quero que tu sejas tu.


Alex Israel, self-portrait

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Como não podia deixar de ser!






As palvras deles ecoam em mim

 
Wagner

A Música diz:

Tristan: Suavemente envolvido pela tua magia, docemente derretido ante os teus olhos...
Isolde:  coração com coração, boca com boca...
Tristan: numa união única, de uma só respiração...
Ambos:  os meus olhos ficam enevoados, cegos em êxtase, e o mundo e as suas vaidades esfumam-se...

 
F. Pessoa

Sem Música, diz:

Põe a tua mão
Sobre os meus cabelos...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.

Ninguém comigo!
Desejo ou tenho?
Sou o inimigo –
De onde é que venho?
O que é que estranho?

E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste
Sou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Somos dois abismos – um poço fitando o Céu.

 
Tindersticks

Com Música diz:

E todos aqueles anos que gastei a construir-me,
Tentando travar a minha apatia
E a começar a dar dois passos em vez de apenas um,
Todos esses anos estão agora tão distantes.

 
Se eu te pudesse dizer o que sinto
E ponho moeda atrás de moeda
Só para te ouvir respirar.

 
Aqui estou eu, isto sou eu
Sou vosso e tudo o que é meu, tudo o que vêem
Se ao menos olharem suficientemente bem.

 
Já alguma vez pensaram no que temos cá dentro que nos mantém intactos?
Já alguma vez quiseram pegar numa faca e descobrir?

 
Rastejo, sem saber de onde ou para onde
Eu não pertenço
Ao centro das coisas, de onde tudo emana
A doença da cidade cresce dentro de mim

 
Estou ferido, na cidade não há lugar para o amor

 
O silêncio voltou
Será que o amor irá voltar?

Como o tempo passa...


Ontem escrevi este poema... Ontem? Não, foi numa época em que tive tempo para me alimentar das minhas palavras. Depois, a absorção dos dias que passam inexoravelmente, e nos transportam, sem que demos por isso, para os dias do fim.


Porquê

Escrevo pelo prazer de falar comigo.
Escrevo também porque tenho fome.
Preciso de me alimentar da sensação de saber
Que alguém me irá ler
Porventura ler bocados de mim.
Corro conscientemente este perigo
De ser dilacerado.
Sem medos.
Quem sabe, quantas cumplicidades adivinhadas
Se escondem nas consequências desta escrita...

Então, escrevo!
Escrevo porque acredito que alguém irá
Nesta escrita
Encontrar-se a si próprio. 
Sem medos.

Escrevo sem armadilhas
Mostrando-me na nudez da minha complexidade.
Evidenciando os bocados que consigo encontrar em mim
Em resultado de um acumular de pesquisas solitárias.

Escrevo agora!
Agora, que sinto prazer em partilhar
Escrevo para que os meus bocados sejam recolhidos
Por alguém
Que possua a arte de os juntar
A si próprio.

 
Mário Cesariny, Dias que voam

Pintura vs Poesia


Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tao bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco


Mário Cesariny, Pintura e Poema

For those



As palavras, quando conseguem encontrar a nossa intimidade, ficam a pairar no limbo dos sonhos ou dos pesadelos. Outras palavras, também sentidas, mas que não tocam aquela intimidade, ficam a deambular nas nossas meditações, até conseguirem penetrar nos sonhos. Ou, simplesmente, esfumarem-se, como se nunca tivessem sido compostas.
Este poema com música, dos Tindersticks, tem palavras sentidas que nos ficam coladas.

For those

Two hours twenty minutes
To one, five past
Now it´s laying somewhere out there in the ground
And I´ve lost you
I was cheated
It was something belonged only to me
And now it´s gone through my own stupidity
And I lost you
I was cheated

Two whole years spent earning your love
Now it´s hanging around in the clouds
Well I´ve lost you
I was cheated by my own vanity
Whispering rumours, bullying me
Well I spent it
It wasn´t worth it
And for those who are not so beautiful as her
Not giving excuses, but oh...
When it´s originally tossed away
It can easily be reclaimed by her
By her

All those years spent building myself up
Trying to stop my staring
And start taking two steps instead of one
But they´re so gno now


A. Jawlenski, Meditações

Os homens ocos





A propósito das euforias e dos deslumbramentos que encontram ecos passageiros nas pessoas (nos homens, espécie), e porque boa parte ocorreu a propósito da visita do Papa a Fátima, lembrei-me do Hollow Men de T.S Eliot. Homens ocos, vazios, que se alimentam da esperança de se preencherem no reino crepuscular da morte. Como diz o poeta, num mundo que não acaba num estrondo, mas numa choradeira.

The Hollow Men

Mistah Kurtz-he dead
            A penny for the Old Guy



                       I

    We are the hollow men
    We are the stuffed men
    Leaning together
    Headpiece filled with straw. Alas!
    Our dried voices, when
    We whisper together
    Are quiet and meaningless
    As wind in dry grass
    Or rats' feet over broken glass
    In our dry cellar
   
    Shape without form, shade without colour,
    Paralysed force, gesture without motion;
   
    Those who have crossed
    With direct eyes, to death's other Kingdom
    Remember us-if at all-not as lost
    Violent souls, but only
    As the hollow men
    The stuffed men.

   
                              II

    Eyes I dare not meet in dreams
    In death's dream kingdom
    These do not appear:
    There, the eyes are
    Sunlight on a broken column
    There, is a tree swinging
    And voices are
    In the wind's singing
    More distant and more solemn
    Than a fading star.
   
    Let me be no nearer
    In death's dream kingdom
    Let me also wear
    Such deliberate disguises
    Rat's coat, crowskin, crossed staves
    In a field
    Behaving as the wind behaves
    No nearer-
   
    Not that final meeting
    In the twilight kingdom

   
                   III

    This is the dead land
    This is cactus land
    Here the stone images
    Are raised, here they receive
    The supplication of a dead man's hand
    Under the twinkle of a fading star.
   
    Is it like this
    In death's other kingdom
    Waking alone
    At the hour when we are
    Trembling with tenderness
    Lips that would kiss
    Form prayers to broken stone.

   
                     IV

    The eyes are not here
    There are no eyes here
    In this valley of dying stars
    In this hollow valley
    This broken jaw of our lost kingdoms
   
    In this last of meeting places
    We grope together
    And avoid speech
    Gathered on this beach of the tumid river
   
    Sightless, unless
    The eyes reappear
    As the perpetual star
    Multifoliate rose
    Of death's twilight kingdom
    The hope only
    Of empty men.

   
                           V

    Here we go round the prickly pear
    Prickly pear prickly pear
    Here we go round the prickly pear
    At five o'clock in the morning.

   
    Between the idea
    And the reality
    Between the motion
    And the act
    Falls the Shadow
                                   For Thine is the Kingdom
   
    Between the conception
    And the creation
    Between the emotion
    And the response
    Falls the Shadow
                                   Life is very long
   
    Between the desire
    And the spasm
    Between the potency
    And the existence
    Between the essence
    And the descent
    Falls the Shadow
                                   For Thine is the Kingdom
   
    For Thine is
    Life is
    For Thine is the
   
    This is the way the world ends
    This is the way the world ends
    This is the way the world ends
    Not with a bang but a whimper.
 

Alexei Jawlenski, Buda Negro e Sibila

terça-feira, 9 de maio de 2017

todos os sonhos do mundo



Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo,

Fernando Pessoa, in Tabacaria


Alexei Jawlenski, Meditação

A importância da Palavra



Soube há minutos que morreu Armando Baptista-Bastos. Ele, como poucos, soube a importância que a palavra tem e deve ter. Num mundo tão destroçado onde crescem os ritmos da desigualdade, as suas elegantemente eruditas palavras fizeram a diferença por remarem contra a corrente da mediocridade escrita. Leu alguns dos meus poemas e pronunciou-se com benevolência. Isto lembra-me que tenho de vir aqui mais vezes. RIP.


Enrico Prampolini, síntese plástica.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Da Europa francesa à França europeia


 
 
 
O mundo ficou satisfeito com o travão ao extremismo em França. O mesmo mundo atávico que gerou e permitiu o florescimento dos extremismos, susteve a respiração durante uns dias e recomeça agora a respirar.
Mas a semente do Mal está lançada e germina, bem regada pela ignorância, pelo medo, pela falta de cultura, pela falta de, numa palavra, educação.
Bem podem os "bem-aventurados" rezar a agradecer mais um dia de vida, mas a verdade é uma cena de horror, pois essas pessoas continuam alienadas e alheadas da realidade
 
 
Millet, Angelus
Dali, Atavismo ao crepúsculo
 
 

 

quinta-feira, 30 de março de 2017

Avant-garde ou pós-verdade em Bayreuth?


Reflexão amarga sobre o último Anel de Bayreuth

(Frank Castorf, quase à solta)





















terça-feira, 21 de março de 2017

Poesia



Esta mania de atribuir comemorações aos dias, acordou em mim, hoje,  a tentação de ir à gaveta e começar a deixar aqui palavras que alinhavei, sem a presunção de lhes chamar poemas, mas apenas luminescências do êxtase sentido com Tristão e Isolda.

Mas, para não desvirtuar o dia, um Poema a sério, e com motivo, pois para mim a Primavera é sublime e sempre a celebro neste dia:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


Alberto Caeiro, Quando vier a Primavera

 

quarta-feira, 15 de março de 2017

Este ano na colina verde






Mais dentro da seita, lá estarei este ano na montanha mágica para os excessos do Anel de Castorf.

(Publicado em Janeiro 2016)


Rheinegold, Castorf

Êxito do Exit

O mundo está a ficar nas mãos dos populistas. Os extremismos de direito e de esquerda crescem e engolem o centro. A virtude perdeu-se. Alguma vez voltará?
Os medíocres senhores dominantes sentem medo, a burocracia já não os defende dos ataques populistas. O funcionalismo público europeu não consegue evitar a algazarra dos referendos.
Uma decisão magna é votada e acatada com uma diferença inferior a 4%. É de pasmar!
A anormalidade é o novo normal. Pensar que a decisão de um país mandar às malvas acordos de cooperação com 27 países, pode ser tomada por difenças marginais de voto, é de loucos. Logo no dia a seguir ao referendo uma catadupa de votantes pelo Brexit, zurrou estar arrependida. Really?! Ninguém pensou que, talvez 2/3 fosse uma exigência racional para determinar mudanças radicais com impactos significativos? Ninguém pensou que uma decisão tão marcante iria impactar a vida dos mais jovens durante muitos mais anos do que afectaria a vida dos mais velhos? E foram precisamente os mais novos que votaram contra e perderam. E que vão ter de viver com a decisão dos velhos depois destes morrerem. Fair enough?
Pior mesmo, é os burocratas não perceberem as ondas de choque que irão levar às próximas saídas. Ciao, claro.



(Publicado em 2016)



Tindersticks, the waiting room

O fim da classe média



Não é só a entropia da civilização ocidental que nos entra diariamente pelos olhos e pelos ouvidos. Não! É algo mais forte e dramático que se anuncia.
Vemos a exploração petrolífera deixar de ser rentável, poços a fecharem. Anuncia-se o fim da produção de carros a combustível. Vêm os carros eléctricos. E sem condutor. De uma penada limpam-se várias profissões e enfatiza-se a robotização. Multiplicam-se os exemplos como este, noutros sectores de produção.
A inteligência artificial vai chegar em força.
Os robots que cozinham, que aspiram, que cortam relva, que limpam piscinas,... foram o primeiro passo. Virão os carros sem condutor. Fez-se já uma ponte com uma impressora 3D. Já estão testados robots para a medicina e que conseguem margem de erro zero nas análises para detecção de cancro, contra 7% de erro dos técnicos humanos.  Basta pôr a nossa inteligência imaginativa a funcionar para se projectar uma sociedade nova. Uma sociedade onde os técnicos serão substituídos por máquinas.
Será o fim de uma classe média, tal como a conhecemos hoje? Sem colarinhos azuis, e sem colarinhos brancos. AI is the new black.
Ou, tal como aconteceu com a revolução industrial, o avanço tecnológico acaba sempre por criar mais postos de trabalho do que os que aniquila?
Certo é que a inteligência artificial, mal monitorizada, ou seja, permitindo-se que evolua no sentido do lucro e não do bem estar social, pode conduzir-nos a uma nova barbárie, onde os galgos e os imensos coelhos desempregados e sem nada a perder, se degladiarão até à aniquilação que permita alguma sobrevivência.
Numa sociedade ideal, bem estruturada e civilizada, a Inteligência Artificial seria bem vinda, libertando as pessoas para o bem-estar. Nas sociedades doentes, como as que vemos hoje, o perigo espreita e favorece o aparecimento do Big Brother.


(Publicado em 2016)




Amadeo Souza Cardoso, Galgos

O Estado-Digital



As sociedades estão a desequilibrar-se estruturalmente e irão conduzir os Estados para o caminho do controlo absoluto sobre os cidadãos. Nos regimes totalitários, a pressão para trilhar este caminho é premente para evitar a dissonância popular. Nos regimes democráticos, a ilusão do poder de voto está a colocar no poder correntes políticas de forte cariz controlador.
Hoje, já existem bases de dados que bem podem traçar o perfil do indivíduo e assim fornecer matéria para o controlar. Desde os sistemas de informação fiscal, que começam nos rendimentos mas que sabem traçar o perfil consumista, até aos registos sobre a saúde, outros irão aparecer, sobre os hábitos, os vícios, as tendências políticas, etc. Irão aparecer com a desculpa de melhorar a interacção entre o Estado e o indivíduo. Para bem deste. Sempre.
A digitalização de toda a informação vai permitir a construção de um Estado-Digital habilitado a prever comportamentos e por isso, ter ascendência sobre eles, domando-os ou até evitando o seu aparecimento.
Esta revolução começará certamente nos Estados totalitários, onde a implementação ocorrerá sem oposição. A tentação de alargar às democracias o novo mundo informativo, será grande e inevitavelmente irá ocorrendo. Não se vislumbra forma de impedir que o Estado-Digital se transforme no mundo orwelliano.


(Publicadop em 2016)



Salvador Dali, Natureza morta viva