A
Porta
Porta aberta
Ao silêncioPor ninguém devassado
Silêncio
EscancaradoPor ti, nele penetrada
Por esta porta
InvisívelPor ti construída.
Devassado
PenetradoConstruído
O meu silêncio é porta
Aberta
Escancarada
Invisível
Num jogo de luzes ensombradas
Por onde passam sombras luminosas.
Envelhecer
Da mesma forma como aprendi
O plural de nós
Ou a inversão do sentido de uma vida
Longe dos cemitérios.
Quero envelhecer
Da mesma forma
como escutoEste coração cansado
Viajando descompassado, mas
Longe do silêncio.
Quero envelhecer
Da mesma forma
como beboO azul de todas as cores
Saciando as sedes
Longe da água.
Quero envelhecer
Da mesma forma
como transportoO outono, por todas as estações
Extasiando o olhar
Longe da luz.
Crescer
Cujo fim não tem fim
Viver é libertar energia, em ondas
Que procuram embrulhar
Quem amamos, até ao fim.
Mal nos
apercebemos do branco ou do negro
Mas as ondas não
paramNão dão descanso à alma
Não nos deixam pensar no mar
Crescemos sem saber o plural de mim.
Crescemos,
distraídos com as nossas ondas
Esquecidos das
ondas dos outrosQue nos procuram embrulhar
Neste mesmo mar, branco e negro
Cujo fim não tem fim.
Silêncio
Não deixes cair o
silêncio que te sustenta
Não deixes de
escrever quando o quiseres quebrarFá-lo porém, com tinta bem húmida
Passa as mãos pela escrita, esborratando-a
Passa as mãos pelo ar
O teu silêncio ficará gravado nelas.
Nostalgia
da memória
Gosto de me perder
no azul das cores
Mergulhar na
superfície da nostalgiaNela esbracejar como quem desbarata uma herança
Até encontrar a raiz da memória.
Gosto de me afogar
nas ondas dos sonhos
Invadir os abismos
da nostalgiaNeles percorrer os percursos ontem perdidos
Até encontrar a raiz da memória.
Mas não gosto de
lamber as feridas que me fizeram
Colar com cuspo e
sangue os retalhos da nostalgiaPrefiro ferir-me de morte
Até arrancar a raiz da memória,
E voltar a plantá-la no orvalho da minha pele
Onde a poderei encontrar nas horas de nostalgia
Afagá-la quando as mãos não tiverem energia
Respirá-la quando o coração teimar em parar.
Gostarei de me
conduzir às avessas, neste cerimonial
Tomar a hóstia da
memória, no altar da nostalgiaSacrificar o pão, em memória do passado,
Destruir o altar, em corpo e espírito,
Beber o vinho que fará abortar toda a esperança anunciada
Toda a nostalgia da memória.
Penar
Olhas para mim e alivias-me este penar;
Vai-te, forma de misericórdia, e leva os teus olhos.
Que me importa penar sem alívio
no coração.
Antes penar, sem o martírio
de procurar os teus olhos
E encontrá-los pousados noutra direcção.
Que não pára
Escorrendo por mim,
Noite e dia.
Pensei que fosse o meu coração
Substitui-o por um a pilhas,
Mas o sangue não parou.
Um dia deixei que
me mordesses,
MosquitoSugaste-me o sangue até te saciares
Foi fácil matar-te, bêbado,
Mas deixaste-me uma ferida que cicatrizou
Uma porta que se fechou no meu corpo,
Mas o sangue não parou.
Num dos meus
passeios pela vida, mordeste-me,
CobraSem saber porquê, adoeci,
O teu veneno entrava em mim
Mordi a ferida que me fizeste e chupei o veneno
Cuspi-o misturado com o meu sangue
Mas o sangue não parou.
Procuro a nascente
deste sangue
Que não páraQuero trocá-la por uma de água
Para que todos possam beber de mim
E não apenas os vampiros,
Como até aqui.
As Pedras
As pedras onde nos
sentamos, choram chuva
Convencidas que
amor é uma maldição sem fuga.
Na sua frieza,
sentem os nossos corações,
Apertados nos
espinhos dos cactos entre chorões.
As pedras não
esquecem o que não nos lembra
E deixam crescer
árvores sem sombraNum permanente outono!
Em que as folhas
não se vêem cair
Como se recusando
a despedirem-se de ti.
As pedras onde nos
sentamos, não choram só chuva, não!
Aprenderam
connosco que amor é uma condenação.
A
Viagem
Busco encontrar-me nelas
Mas as águas paradas transformam-se
E passo a tropeçar em pedras rolantes
Busco então encontrar-me nestas.
Viajo cansado de
não parar
Busco o expoente
da razãoPiso as águas que não me recebem
Tropeço nas pedras que se desfazem
Procuro perder-me, sem emoção.
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