Ritual
O meu coração cavalgava como um louco
Alheio aos perigos desacreditados.
Veio então a
tecnologia cerebral
Impondo o fim dos
rituais odiadosEm nome da liberdade de se ser.
Coração que não te
sabia tão forte
Quiseste inventar
o ritual do fim dos rituaisRecusando-me os preparativos para a defesa
Empurrando-me para os braços da vulnerabilidade.
Defendido no ritual
amado de A ver e sentir
O meu coração
abria-se à primaveraAlheio aos cavalos de Tróia.
Aqui e ali, no
meio do prazer
Começaram os
espinhos a crescerPovoando de dor o meu coração.
Com o tempo os
espinhos ficaram pedra
O meu coração
esfriou, Entre a Primavera e a Pedra,
Bombeando, com enfado, o sangue
Que não perdia,
Avisando-me para erguer as defesas.
Moribundo, o meu
coração recordava o ritual diário:
Hoje como ontem
vi-AAmanhã como hoje vou vê-La
Sinto-A constantemente sentada e apaixonada
Nestes jardins em Primavera, do meu coração.
Moribundo, o meu
coração olha para dentro de si:
O jardim
abandonado pela Primavera, As pedras que se multiplicam até o encher
E que o tempo torna
Mais duras e ocas.
Moribundo, o meu
coração já só quer um ritual:
Encher as pedras
de sangue,Lentamente
Dia após dia,
Fechando-se à Primavera,
Esvaziando-se de vida.
Sinto ondas de frio vindas do meu coração
Aberto às fúrias da morte
Varado pela lua inerte.
Espreito o seu interior
Vejo-A talhada em pedra
Vestida de sangue.
Moribundo, ergo os
olhos para o céu
Secos de não ter
mais lágrimasResignado por ter vivido só,
Sem arrependimento ou lamúria,
Por ter visto o amor com cegueira
Por não ter escutado o ritual do silêncio.
Chuva
Pus-me a ouvir a
chuva
À força de te
querer ouvirPareceram-me belos
Os sons que parecia ouvir.
Pus-me a receber a chuva
No meu corpo sequioso de ti
Pareceu-me estar saciado
Do corpo que parecia receber.
Pus-me a beber a
chuva
Para matar a sede
que me fizestePareceu-me deixar de ter sede
Da água que parecia beber.
Pus-me a agarrar a
chuva
Com as mãos que
costumavas beijarPareceu-me sentir os teus beijos
Através do líquido que parecia agarrar.
Pus-me a dançar à
chuva
Descalço como me
ensinastePareceu-me flutuar
Nas poças onde parecia dançar.
“Arde em febre” –
ouvi de repente
“A chuva?” –
perguntei em prantoSorriram condescendentes:
Não havia memória de ter chovido naquele deserto.
O
Espelho
Olhos baços por onde saíra a vida
Lábios desmaiados inertes
Mãos de cadáver recente.
Diz-me espelho meu
Porque me mostras
assim?
Se eu conseguisse
olhar para mim
Por certo
descobriria tons novos na minha peleBrilhos diferentes que a vida dá
Movimentos delicados em diálogo.
Diz-me espelho meu
Porque não me
mostras assim?
Alguém me matou
sem que tenha havido crime
Numa morte que me
escorre sem fim pela peleVejo relâmpagos apagados de vida cintilante
Mas também vejo a vida que criei, resplandecer.
Diz-me espelho meu
Porque não vês as
minhas filhas em mim?
Olho para ti e
vejo pouco de mim
Veneno sem paixãoTristeza sem religião
Solidão no meio da multidão.
Diz-me espelho meu
Onde escondes a
minha música?
Transmites
melancolia onde há esperança
Mostras-me um
palco vazio de actoresQuando ainda há espectáculo num vai e vem
Entre o palco e a plateia.
Não me digas nada
espelho meu
Afinal não me
consegues captar.
Pensa espelho meu
Se te
estilhaçares, ver-me-ás nos teus bocadosComo um puzzle
Que ninguém consegue juntar.
FL Wright
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