Fogo
O fumo evolui, no ar, com a nossa forma
Nós iluminamos o sol, as estrelas e o mundo;
Tu, iluminas-me.
Os meus olhos são
à prova do teu fogo
As tuas chamas
chamam por mimComo uma tempestade frenética e inevitável
a que não posso, não devo, não quero fugir.
Sem resistência,
mergulho nas tuas chamas
Sem qualquer
aviso, o meu corpo arde com o teuLibertamos labaredas redentoras
Por todos os que estão condenados a amar.
Devotos, nesta
sagrada missa de condenação
Sabemo-nos
rodeados de apóstolos Em oração pelo nosso amor
Rezando na esperança de um mundo
que valha a pena ser vivido.
A
Aurora
Exausto de te amar
Exangue.
Saí do meu corpo
quente e prostrado
Vi-te sair cheia
de amorCom o meu sangue.
Entraste pela
aurora adentro, segura
Os teus pés não
tocavam o chãoTu voavas.
Regressei, veloz,
sobre o meu corpo,
Aninhado na tua
imagem,Cheirando-te.
Antes, porém, agarrei
as brumas da aurora
Roubei-lhes umas
asas diáfanasA colar no meu corpo.
Quero voar como tu!
Odores
Rasgava-nos impiedosamente a intimidade,
Sem contudo, conseguir devassar os nossos odores.
A luz despia os nossos contornos,
Tornando-os publicamente visíveis,
Sem contudo, conseguir devassar os nossos odores.
Por instinto, as
nossas mãos voavam
E abriam todas as
janelas à nossa volta,Rodopiávamos embriagados nos nossos odores.
O ar entrava,
altivo, jovem, despudorado
Mas corava de nos
ver assim, felizes até à medulaRodopiávamos embriagados nos nossos odores.
Uma lufada de ar,
feita beijo fresco, trazia-nos paz
Lavava a cama, limpava as paredes, Deixava-nos com os nossos odores.
O ar ia-se embora,
carregado,
Levando as
impurezas que o nosso amor havia vencido,Deixava-nos com os nossos odores.
Entrava mais ar,
agitava cortinados, cabelos, lençóis.
Abríamos a boca e
deixávamo-lo entrar, Como se fosse uma hóstia, com os nossos odores.
Varria o interior
do nosso corpo,
Massajava os
nossos músculos,Deixava-nos prontos para perpetuar os nossos odores.
Então, olhávamos para o espelho anónimo
Que nos mostrava os nossos corpos
E ríamos alto de mãos dadas:
Afinal a nossa intimidade estava intacta,
Os odores eram só nossos,
E as nossas bocas voltavam a unir-se.
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