In Memoriam
O que guardo de ti
é o prazer
De me dar a quem
me recebeDe te receber porque te queres dar.
O que guardo de ti
espera por ti
Pela partilha do
aqui e agoraPela partilha do sonho que é continuar.
O que guardo de ti
não se apaga
Porque continua em
construçãoPorque o fim e o princípio se confundem a par.
O que guardo de ti
não cabe na memória.
Como se de uma seara se tratasse
Ora cambaleando na cegueira
Ora delirando até à amargura.
Tenho passado
rente ao amor
Por abraços de
falso consoloLambendo feridas alheias
Que nunca senti minhas.
Tenho passado
rente ao amor
Atravessando o
túnel da opressãoVítima e carrasco
À força de querer sobreviver.
Tenho passado
rente ao amor
Cabisbaixo e sem
esperançaAbandonando quimeras
Embalando pesadelos.
Foi preciso esbarrar com o amor
Para saber pedir desculpa a quem feri.
Ódio
Juro que não queria.
Empurro-me e empurram-me
Caio neste Mar Vermelho
De águas não divididas;
As águas tocam-me
Sinto-me dividido em duas margens
De um lado amor, do outro ódio.
Juro que não queria.
Esventro-me para
entender
De que lado está o
quê;Sinto os extremos tocarem-se
O começo do ódio no fim do amor
O começo do amor no fim do ódio.
Nado na confusão e desisto
Juro que não queria.
As águas olham
para mim
Vêem-me assimUno, em conflito comigo;
Preciso rir-me de mim,
Dançar com Deus e o Diabo
Preciso rir-me deles.
Juro que não queria.
Entretanto as
águas penetram-me;
Juro o quê? que
não queria o quê?
Zen
Atravessando corredores sem fim
Repletos de memórias adormecidas,
Ensombrados pelas luzes do devir.
Meditar é não querer acordar
Regressar à realidade cinzenta
Agarrar-me ao cofre onde te guardo,
Prisioneiro do prazer de te ver sorrir.
Meditar é uma
morada para te dar
Onde te guardo com
uma certezaA de que só aqui serei encontrado,
Por ti, trazendo a luz que há-de vir.
A
Seiva
De uma árvore sem nome e sem forma
Ouvi risos lentos, arrastados
Pareciam risos doridos
Frágeis, na fronteira da amargura.
A casca fechou-se
esmagando-me
A seiva
arrastou-me no seu percursoTodo eu era seiva, e escutava
Risos que se transformavam em queixumes
Frágeis, na fronteira da amargura.
A seiva percorria
a árvore
À velocidade dos
séculosFui perdendo a noção do tempo
Lamentos ensurdecedores cercavam-me
Frágeis, na fronteira da amargura.
Quase sem
consciência de mim
Vivi o ritmo lento
de uma alucinaçãoAté que a seiva começou a ferver
Transbordando pela casca em chamas
Frágeis, na fronteira da amargura.
O fogo não queria
consumir a árvore
O seu fim era
incandescer a seivaE deixá-la secar em lenta agonia,
Mas agora já só restavam cinzas
Frágeis, na fronteira da amargura.
O fogo quis
abandonar a seiva
Mas ao sentir-me
já misturadoNas suas chamas, fechou um abraço
De seiva e fogo, queimando a amargura
Ressuscitando a minha seiva e o teu fogo.
FL Wright
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