Lugarejo
da alma
Olhos fechados para te encontrar
Todos os sentidos para te procurar.
Procurar o amor
É um perfurar da
dorO desespero do temor.
Temor que se
adensa
Atormenta como uma
crençaTortura quem mais pensa.
Pensa como é
frustrante
Não te encontrar
suspiranteÉ morrer de dor lancinante.
Lancinante e
lenta, como uma chama
Ígnea lava que
sobre mim se derramaNesta procura de quem tanto se ama.
Ama esta lama em
que me vejo
Choro com tudo o
que farejoNa profundeza deste lugarejo.
Lugarejo da alma,
infectado de desejo
Desejo de cuspir
vícios tecidos em tramaTrama apertada e asfixiante
Asfixiante e fatalmente tensa
Tensa ao prender-me neste torpor
Torpor que é procurar sem te encontrar.
As
Veias
Onde tu, meu sangue, te passeias
Prenhes de vida, estais cheias
Tremeis penitentes nas minhas teias
Tecidas em volta de falsas Medeias
O vosso brilho torna as belas feias
Percorreis meu corpo, castelo sem ameias
Frementes de sensações alheias
Sucumbimos ao encantamento das sereias.
Voar
Como poderei ensinar-te a sorrir
E assim prevenir-te do risco de amar.
Se crês que imitar
um pássaro é voar
Como poderei
ensinar-te a vertigem de cairE assim captares o significado de abençoar.
Não acredites, não
julgues, nem penses,
Um segundo que
seja, ser-te-á fatalVoa! e se caíres não contes as vezes.
Não sonhes nem
finjas desejos
O amor fere e pode
ser mortalVoa! e se caíres guarda os beijos.
Um dia, em menos
de nada,
Sem toque de
varinha de fadaSentirás a leveza de voar.
Um dia, ao
abençoares a vertigem de cair
Sorris e ris,
porque sentes o que é amar Afinal, é tão simples como voar.
Medo? O que é?
Duelo vencer ou morrer
Medo? Como se sente?
Brunnhilde perigo fogo
Medo? Onde está?
Respirar homem ou mulher
Medo? Que é isto que sinto?
Corpo tocar acariciar
Medo? Porque tremo?
Olhar ser olhado
Medo? Não conseguir falar?
Beijar ser beijado
Medo? Não saber quem sou?
Sentir amar sentir ser amado
Medo? Sim sei o que é.
O
Vagabundo
Depois do sol me aquecer com o seu bafo
Eu, vagabundo perdido na felicidade
Talvez feliz, talvez…
Sei que só te queria a ti, tanto, tanto
Depois de me sentir como Safo
Eu, vagabundo do campo na cidade
Talvez feliz, talvez…
Sei que morri
quando causaste este pranto
Depois de ter
esquecido o mundoEu, vagabundo quis nascer sem idade
Talvez feliz, talvez…
Sei que fiquei com
a voz deste meu canto
Depois de ter
perdido o que tinha de profundoEu, vagabundo que rejeita a caridade
Talvez feliz, talvez…
Sei que murmuro
orações de encanto
Eu, vagabundo…Que me espanto com meu próprio espanto
Eu, vagabundo…
Talvez feliz,… talvez…
Hoje
( Apatia ), Amanhã (?)
Sussurram vozes roucas
Às ausentes orelhas moucas
Hoje os meus suspiros são ais
Trinados de estranha guitarra
Que me agasalham como uma samarra.
Hoje é dia de
apatia
Não tenho saudades
loucasE as emoções são bem poucas.
Hoje os sons não têm som
As dúvidas não resistem
As certezas não existem.
Hoje é dia de
apatia
Só ouço sinetas
ocasEnfiadas na cabeça como toucas.
Hoje não existe
amanhã
O ontem desfez-se
em fumoE eu cirando, sem consciência e sem rumo.
Amanhã tudo vai ser diferente
O sol vai nascer sem poente
O seu calor vai entrar nesta prisão
O sonho vai levar-me pela mão,
Amanhã o teu beijo
tomará forma
O teu amor será
lei e normaMudarei, eu sei, de prisão
Acreditarei, eu sei, na ilusão.
Amanhã tudo vai
ser diferente
Por certo, ficarei
ainda mais doenteSairei deste podre caixão
Dar-me-ás a beber a tua paixão.
Amanhã o paraíso
vai sorrir
Só de nos ver
felizes a rirSó de adivinhar a nossa emoção
O mundo todo vai viver em comoção.
Amanhã tudo vai ser diferente
A meia-noite é urgente
Mas nem sequer vou dormitar
Tenho medo de nem acordar.
Ilude-me por momentos
Ela chega e tudo se esvai
Desejos, simples pensamentos.
A sua brancura alva
Absolve-me de toda a culpa
Fica leve a minha alma
Até os sonhos têm desculpa.
Corpo molhado
neste frio
Disfarço-me de
pinheiroPara te receber com brio
Com o orgulho de um ser inteiro.
Profano
Por isso faço tanto barulho
Mas sei que a procura é insana.
Destruo imagens, sons, cheiros
Mas não te consigo ouvir
Entre os murmúrios de qualquer fulana.
Cuspo nas lamúrias
das almas
Possesso de total
cegueiraTropeço por uma simples tisana.
Profano o
sentimento canalha
Por isso não tenho
arrependimentoOprimido neste templo sacana.
Violo o próprio
sacrilégio
Por isso abençoo o
pecadoCativo desta teia profana.
Cecily Brown, landscape
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