O
Farol
No avesso do arco-íris
Alguém sonha com estas mãos
Carentes de acariciar
Quem com elas sonha.
Por dentro
daquelas ondas
Adivinho um
extenso rolDe ternuras e afagos orfãos
Que se deixam enrolar num desejo
Náufrago, por tanto querer amar.
Por mim, quero
voltar ao silêncio
Ao Norte dos
sentidosAo engravidar da vida sem esperança
Quero ser o teu farol
Iluminar a tua forma de sonhar.
Por fim, lutarei
contra as sombras
Dos Quatro do
Apocalipse mais AdamastorDas águas negras dos lagos mortos;
Contra qualquer semente de matança
Afastarei do nosso mundo todo o temor.
Por nós, viverei
até ao dia do Juízo
Ficarei noivo da
vida, sem pavorArrancarei deste peito o coração luminoso
Far-lhe-ei a vontade, elevando-o acima de mim,
E assim, sereia, saberás sempre o Norte.
Verás as minhas
mãos
E nelas o
facho-coração.Não precisarás mais de sonhar
Por trás de qualquer sol:
Bastar-te-á olhar para o teu farol.
As
Ondas
É noite e nada há que perdoar
Sinto a mordaça que nos visita
Omnipresente, desejada, paralisante
Mas incapaz de me impedir de te amar.
Conduzida pela negra vontade de sofrer
Vejo o teu sangue chorar
São golfadas onde te queres afogar
Afundas-te numa fatalidade de desaparecer
Mas incapaz de te impedir de me amar.
Não ouso tocar-te,
não preciso
O frio do mar
traz-me as tuas palavrasquentes:
“As ondas contaram-me um segredo...
Um raio de sol espreita e tem o calor
Das tuas mãos, sinto-o no meu rosto”.
Em desespero pelas ansiedades confirmadas;
Os meus ouvidos rebentam em sangue
Agredidos pela música estridente da solidão;
O meu nariz deixa
escorrer sangue
Lavando-se da
acidez respirada à força;
As minhas mãos
mexem nas feridas em sangue
Aliviando-me o
corpo da pressão da opressão.
Olhas-me nos olhos
e vês-me exangue
Sentes a minha
repulsa pela piedadeMas avanças ameaçando a minha liberdade
Sem te aperceberes que todo o meu sangue
Desertou do meu corpo de vampiro
Por teres deixado de me alimentar.
Libertou das prisões dos seus sentimentos
Sons, que invadiram o silêncio,
Sons, que afugentaram a atmosfera,
Sons, que implantaram o vácuo.
O Músico, aconchegou-se na Arte,
Aprisionou os ouvidos de quem passava
Forrados de sons mastigados
Máscaras não denunciadas
Sons, que se multiplicavam no vácuo.
O Músico,
aconchegou-se na Arte,
Partiu o espelho
que o reflectiaPôs termo ao corolário do quotidiano
Anunciou a auto destruição
Abriu caminho pelas entranhas do vácuo.
O Músico,
aconchegou-se na Arte,
Remendou dores
esfarrapadasColou prazeres quebrados
Multiplicou, sem fim, o centro do mundo,
Até à completa extinção do vácuo.
O Músico, procurou
por toda a parte,
Partituras, onde
aprisionara os sentimentosBuscando a salvação na Arte, sua religião,
Eremita viajando para o seu interior
Imolando-se no encantamento de um fogo fátuo.
O Músico, mudo, no
vértice do seu ser,
Embrulhou a música
no pensamentoViajou pelo tempo, sem destino,
Atravessou o pó dos livros
Acordou a poeira das sepulturas.
O Músico, deixou
de pensar,
Perdeu a noção da
sua existência,Dissolveu as ansiedades
Abriu os olhos e só viu espelhos:
Morreu, beijando em cada um,
O reflexo das suas Paixões.
Construção
Bocados de mim
Ganhaste forma e conteúdo
A partir dos escombros dos meus sonhos.
Passaste a
frequentar as minhas noites
Roubando-lhes os
sonhosEnegrecendo-as com pesadelos
Apagando as luzes das estrelas
Espetando-me os olhos com olheiras.
Assombraste-me as
alegrias
Decepando-as com o
teu egoísmoVarreste-me as tristezas
Enfeitando-as com a tua devoção.
Não quero acabar
nunca de te construir
Numa construção
que valha a penaQue amordace o medo que a alma tem
De ver tudo ruir.
Não quero ter medo
desse medo
O medo de tudo o
que penso se desmoronarEste arrepio que me visita sem convite
Num profundo suspiro recebido pelo ar
Um suspiro do tamanho da vida vivida
Como quem se despede da vida por viver.
Entre o insuportável e o belo
Buscando desejos tangentes
Nas fronteiras da pele.
Na maldição das transgressões
Aparece no primeiro nível
Um cortejo de magoadas rejeições
Massacrando o amor impossível.
Fecho os olhos
para não ver
Mas as minhas mãos
persistemViajando até te tocar com prazer
Minha cicatriz de todos e ninguém.
Cicatriz que me
marcaste sem se ver
Cicatriz que me
consomes o quererLeva-me a atravessar o mar
Num barco de raiva e ciúme;
Quero afogar este
desejo de amar
No mais fundo dos
abismos;Cicatriz de amor extinto
Fogueira que arde sem lume
Quero que o mar
fique contigo,
Cicatriz, que o
barco desenha no marQue as ondas engolem
Como se nada tivesse acontecido.
A
raiz
Sou inquilino do
efémero
Cativo da certeza
de não ter raizVivo na ultrapassagem de ser um número
Embatendo cruelmente nos destinos
Traçados ao de leve em folhas de lis.
Remexo dentro de
mim e vejo
A solenidade
provocadora da dorA sensualidade arrebatadora do prazer
A humanidade inconsolável da angústia
A impensável vertigem do amor.
Fujo de mim e vejo
Imagens soltas da
minha vontadeParalisadas perante a velocidade
Dos sentimentos que vão
E só vêm no sonho de um beijo.
Cansaço
De dar luz às sombras
De matar a sede com areia
De esvaziar esta barriga cheia
De ilusões para semear.
Canso-me de passear esta fadiga
Que a todos tanto intriga
Que não tem explicação
Que porventura não existe
A não ser neste coração.
Canso-me deste
cansar
De te ter sem terDe não te ter mas ter
Que nenhuma magia faz desaparecer
Nenhum fingimento faz apagar.
Cansado de correr
sem parar
Abandono o corpo Crente do seu estorvo
Em mais um engano consumado
Pois continuo cansado.
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