O
Vulcão
Numa tuberculose suicida;
O chão estremeceu abrindo fendas
Os pássaros fugiram em exaltação
As casas ruíram sob a lava incandescente;
O vulcão troou
ameaças sem oposição
Até transformar
tudo á sua voltaNum cemitério em arrefecimento;
As cinzas são o que resta do dia que foi noite.
Tudo porque tu largaste a minha mão.
O
Lago
Fui procurar a tragédia
Perdi-me num lago.
Quis humilhar o
meu espírito
Misturei-me com
quem não queriaAcordei a flutuar num lago.
Vi as margens que
não queria pisar
O lago não tinha
saídaEstava consumada a tragédia.
A alma
agarrava-se-me ao pescoço
Puxando pelo meu
corpoAsfixiando-me a vontade de naufragar.
Abri bem os olhos,
à beira da emoção
Olhei para dentro
de mim envergonhadoRespirando a urgência de sair do lago.
Dias e noites
passaram, sem solução,
As margens que eu
não queria pisarO lago que não tinha saída.
Sol e lua faziam
turnos para se rir de mim
Nas margens,
sábios e tolos riam com vontadeE o próprio lago já me considerava parte de si.
O meu corpo
enregelado não sentia fadiga
A minha alma
aquecia-me a vontade:Eu só tinha que nadar numa direcção.
Repudiei todas as
direcções
Concentrei-me em
perceber a almaQue inundara de tristeza o lago.
Foi então que
consegui ouvir o silêncio
O lago chamava-me
com voz longínquaEm volta não haviam margens e o lago secara.
Alguém me levava
ao colo e me acariciava
Dizia: és meu,
vou-te levar para minha casaE nisto, depositava-me num barco.
Partimos sem que
eu me apercebesse
Alguém dizia: este
lago é a minha casa.Outro lago, a mesma prisão.
Agora era eu quem
ria de mim próprio
E agarrado à alma,
saltei borda fora, sem direcçãoFinalmente sabia que não queria estar no lago.
Frio
Algo passou através de mim
Transformando-me num arrepio
Preciso vestir-me com o verão.
Já não mexo os
dedos das mãos
Não sinto nem
tenho estímulos, Faz tanto tempo que não te vejo
Viajo para ti e não te encontro.
O verão chegou mas
o frio ficou
Assolando-me os
sentidos;Ah, se tu soubesses o calor que emanas
Não tinhas emigrado, atravessando-me.
Fiquei vulnerável
sem identidade
Fugiste com uma
parte de mimDeixando-me os gelos da memória;
Amar é sofrer, é ter frio sempre.
A
noite
Num voo apaixonado
Ao ritmo do anoitecer.
Dormes com a tua
nudez
No ninho da
tranquilidadeAo ritmo dos meus suspiros.
As minhas asas
cobrem-te
Tocando-te à flor
da peleAo ritmo do albatroz.
Amo-te em bicos
dos pés
O teu corpo
mexe-se sem acordarAo ritmo do teu espreguiçar.
A noite
contemplativa avança
E eu vejo-te cada
vez melhorAo ritmo do adensar da escuridão.
Ao longe, bem
dentro de mim,
Um saxofone tenta
despertar-meAo ritmo do amanhecer.
É tempo de
levantar voo
Estremeces e
desenhas um sorrisoAo ritmo do teu sonho.
Parto sem te
deixar
Ao encontro do meu
corpoAo ritmo do meu sonho.
Oiço vozes
celestiais
Madrugadoras mas
veementesAo ritmo do canto gregoriano.
Começo a acordar
Espreguiço-me
agarrado a tiPego no telefone, mas ainda dormes
Abro a janela e
grito aos pássaros:
Bom dia! Até logo
noite!O vento entra-me pela boca
Num beijar que tão bem conheço
Segura-me as mãos com que o quero abraçar
E invade-me com a tua voz:
Bom dia! Até logo noite!
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