quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A rentrée em sonho

As férias já não são "as férias". Prisioneiros do progresso, somos cada vez mais reféns do pda, e, através dele, inventámos a fórmula secreta de estar de férias sem nos desligarmos da vida profissional. Dizemos em voz alta, para melhor nos convencermos, que, no fundo, estas duas faces pertencem à mesma moeda, e só têm sentido juntas. E neste suave e doce engano, lá vamos sonhando com a rentrée, com o avolumar das preocupações profissionais, que, por sua vez, irão pedir-nos umas mini-férias de quando em vez. Sempre acompanhados do carregador do pda, claro. Para que aquela moeda não deixe de ser o nosso salário.
Neste perpétuo círculo vicioso e viciante, lá vamos arrastando um corpo que cada vez menos espreitamos ao espelho, e de que só nos lembramos quando os seus queixumes nos incomodam para além do razoável. Porque temos outras dores que mais nos preocupam do que as simples maleitas físicas.
Neste final de Verão sonhei com uma rentrée sem dores de alma. Mas, eis que a erudição dos nossos media me sacode a dormência do sono, enchendo páginas e tempos de antena falando da criminalidade gratuita. Uma anestesia que faz esquecer os problemas do país, os nossos problemas, que deveríamos deixar em vias de resolução para a próxima geração, indubitavelmente mal preparada para a gestão da sua vida pessoal, quanto mais para a gestão da sociedade em que se insere.
A portugalidade continua a não existir num país rendido às notícias que, ora nos distraem dos verdadeiros problemas, ora nos empurram para o grupo coral que canta o refrão "isto está cada vez pior". Um grupo que só canta em reuniões de duas ou três pessoas, passivamente monocórdico, sem revolta activa porque culpabilizando o eterno "Eles" fica com a certeza de, inocentemente ficar de fora; um grupo amorfo, amarelecido entre as tonalidades laranja azeda e rosa murcha.
Não oiço vozes poderosas falar da educação, e de como o que se tem feito é tão pouco para uma urgente mudança cultural nas nossas gentes. Não se fala de como a educação é a trave mestra que sustenta uma sociedade onde os valores humanos estão primeiro.
Neste final de Verão sonhei com uma rentrée sem dores de alma. Claro que foi apenas um sonho.