terça-feira, 31 de agosto de 2010

Utopia




É o desencanto que me faz voltar a zurzir, vezes sem conta, na nossa incapacidade de evoluir a uma velocidade que permita alcançar as sociedades mais evoluídas. Este desencanto surge, volta e meia, quando sou obrigado a observar novos episódios que testemunham a eficácia da marcha-atrás, que demonstram como é mais fácil destruir que construir. Que me fazem corar de vergonha.


São cada vez mais as pessoas que também criticam as aberrações diárias que se nos deparam, desde o ainda não desaparecido cuspir para o chão, até à total ausência de civismo no trânsito, passando pelos machos que coçam os tomates antes de apresentarem a mão para cumprimentar quem atonitamente se lhe depara pela frente.


Quando se discutem as soluções, ainda existe a tentação facilitista de condenar o Governo por tudo e por nada. O Governo que, afinal é eleito por quem não tem preparação para eleger. E assim entramos num ciclo vicioso, que compete de facto ao Governo tornar virtuoso, isto é, promovendo a Educação para que o memos eleitor seja mais exigente nas próximas eleições.


Preciso acreditar que o eleitor que se peida em público, irá, um dia, deitar abaixo o seu muro de cimento e tijolo, não pintado, por concluir que não o fazer é um atentado paisagístico. Que esse eleitor passou a ter motivos para acreditar na Justiça, e que esta controlará os impulsos que ainda possam existir no seu vizinho para desrespeitar o seu muro de arbustos que plantou para substituir o de horrível betão.


Preciso acreditar que o eleitor que lança o seu lixo pela janela do carro, irá, um dia, questionar a mesma irresponsabilidade do seu semelhante. E, na altura de inscrever a cruz no boletim de voto, este eleitar sabe que está a condenar quem pactuou com a corrupção e a promiscuidade, e que espera estar a eleger quem acabará com as subvenções e os subsídios que perpetuam a preguiça, a incompetência, a mediocridade, a estagnação, a marcha-atrás como velocidade de cruzeiro.


Preciso acreditar que os eleitos terão, um dia, absorvido dimensão ética para trilhar o caminho da conquista da cidadania, em alta velocidade. Porque o tempo é escasso. Porque é preciso impedir que o Homem continue a destruir a sua própria Casa.


Preciso acreditar, porque sei que todos temos culpa, e por isso, escrevo como exercício de autoflagelação.



You have ennemies? Good!. That means you´ve stood up for something, sometime in your life - Winston Churchill
Caos CC

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ser Pai




Ser Pai é assumir uma forma de vida que quem não é pai não tem. Há uma responsabilização intuitiva que não existe em mais nenhuma relação. Há um vínculo invisivel que os pais foram tecendo ao longo dos anos e que os filhos pressentem dando-lhes uma segurança tomada como uma certeza sempre presente. Mas há mais. Há uma força centrífuga que os pais têm de aprender a dominar, para não cercearem as múltiplas liberdades que os seus filhos desejam adquirir. Da mesma forma que devem aprender a não viver apenas em função dos filhos. E é esta aprendizagem permanente que tem como objectivo evitar os desequilíbrios. Ser pai é assumir esta forma de vida.

Ser Pai é também ser receptor das alegrias e tristezas dos filhos. Sofrer com os seus sofrimentos. Tantas vezes, é sofrer em antecipação, porque adivinhamos os problemas que, muitas vezes, não se verificam. Tantas vezes, é sofrer mais que ele próprios. Se é que o sofrimento se pode medir...

Ontem, era porque os filhos choravam e não nos sabiam dizer porquê. Hoje, é porque uma filha está num país muçulmano de difícil vivência a fazer voos de transporte de peregrinos para Medina. Amanhã, é porque uma filha está a sofrer no seu casamento. Em todos os momentos, um pai gostaria de ter o poder de transferir para si os sofrimentos dos seus filhos.

Ser pai é ser assim. Mais sofredor que rejubilante. Outros pais não serão assim. Mas também não viverão a felicidade de ter as filhas que eu tenho.




Suset Maakal, Father and daughter

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Andar atrás do mundo







Não deveria ser assim, mas a verdade é que andamos atrás do mundo. São poucos os que têm poder para fazer o mundo andar atrás deles. Por isso o mundo continua um sítio mal frequentado, catalizador de injustiça, angariador de prémios para os menos escrupulosos.

Cada vez há mais melancolia, mais depressivos, mais egoísmo, menos paixão, os olhos piscam para disfarçar a falta de brilho, o riso só aparece em resposta à maledicência, a ostentação é o contraponto da vida. É raro ser-se feliz. É impossível ser-se livre.
Tornámo-nos aprendizes de feiticeiro.
Esquecemo-nos das estações do ano e elas agora atropelam-se baralhando as suas fronteiras. De povo que adorava o Sol, passámos a povo que ignora o Sol. Esquecemo-nos de admirar o nascer do Sol. Esquecemo-nos de sonhar com o pôr-do-Sol. Tal como nos vamos esquecendo dos múltiplos pormenores que preenchiam a nossa vida. Vida que está cheia de televisão e de solicitações que empurraram para fora de nós aqueles pequenos nadas que eram tanto, mas que nela deixaram de caber.
Vivemos numa sociedade onde tudo é relativo, e é esta relatividade que esconde os males. É o tempo dos eufemismos.
Resta-nos a adaptação a estes tempos, tentando a sobrevivência possível. Tentando viver em vida.

Este pensamento veio a propósito da revisitação que fiz à obra de Roy Lichtenstein, que conheci há vinte anos no Guggenheim de NY. É BD. É retro. Lembro-me da sua presença icónica numa cena derradeira de Lipstick on your collar do incontornável Dennis Potter. É BD. É o faz de conta. E o faz de conta é a alternativa para suportar o mundo.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Irreverência com classe


Noite de verão algarvio. Brisa regeneradora para cabeças demasiado quentes. Umas três mil pessoas, muitos sem saber ao que iam, poucos aficionados, os incontornáveis fotógrafos à espera do nosso mundialmente conhecido jet set, muito bronze a ostentar muito cobre para desmentir a crise.

Durante mais de duas horas Jamie Cullum provou que está em palco como peixe na água. Muitos dos que não o conheciam passaram a gostar. Fazia falta uma corrente musical de origem jazzística que tocasse nas pessoas que dizem não gostar de jazz. Não é puro, mas é genuíno. E penso que o filão que ele persegue é inesgotável, pois pode pegar em muitos standards e pop-ularizá-los. Com bom gosto, como bom pianista que é.

Go Jamie.