sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Prece por Portugal


Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem.
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
(Fernando Pessoa, Mensagem)


A Distância que Portugal precisa conquistar é a que nos afasta da Europa ocidental. É a conquista do tempo perdido, apostando no ensino, no movimento de aculturação dos portugueses. Enquanto não houver vontade dos seus habitantes de se dotarem com a capacidade de identificar problemas, sugerir soluções, rejeitar mediocridades e oportunismos, Portugal será uma nau que navega conduzida pelos ventos da desgraça ou da ânsia. Em perpétuo nevoeiro...
Compete aos possuidores de elevada moralidade, a educação daqueles com quem se cruzam. Até que os políticos possuam essa elevada moralidade e encetem as medidas para separar o trigo do joio, educando os jovens para continuarem essa tarefa prioritária.
Cada Hora que passa é uma Hora perdida.



Almada Negreiros, Fernando Pessoa

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Exótico


Há cem anos. Direi melhor, de há cem anos para trás, a palavra "exótico" tinha o verdadeiro significado que o dicionário lhe atribui. Hoje, o exótico está em vias de extinção e o seu carrasco chama-se globalização. Atravessar o estreito do Bósforo, como fiz esta semana, durante o encontro anual do FMI, é tão exótico como a travessia Cádis-Ceuta. Mesmo a componente exótica que é sair da Europa e entrar na Ásia, esfuma-se na indiferença de culturas e de pessoas. Deambular em Sultanhamet é quase tão exótico como visitar as barracas da Boca do Inferno. Entrar no Grande Bazar é quase tão exótico como passear num centro comercial. A globalização levou para Istambul as marcas, o estilo de vida ocidental. Ser exótico é ter uma identidade própria e bem diferente da comum forma de ser, estar. Onde está a identidade de uma cidade, onde vivem mulheres de burkha ao lado de mulheres que evidenciam os seus atributos físicos. O mesmo exemplo serve para os homens, pois as mulheres só se passeiam de acordo com as vontades / permissões masculinas. Lamentavelmente, há quem confunda fanatismo, atraso cultural, com exótico. O fanatismo vive, e alimenta-se do ocidente. O exótico morreu. Mas a civilização não ganhou com isso.
Válido para qualquer continente.
O homem tem-se civilizado e umas das formas de se afirmar como tal, passa por civilizar os mais atrasados. Perfeito. O problema é a demonstração de resultados, o rendimento a extrair dos activos. E dos nativos. Estranha forma de civilização, que corrompe, destrói e substitui, para impôr uma normalização que rapidamente todos entendam e consumam. Ou perante a qual, se caia no seu oposto, e se alimentem extremismos.
Em 1492 Rodrigo de Xerés, Comandante de uma das caravelas da expedição de Cristóvão Colombo que aportou em Cuba, escreveu esta pérola que gosto de saborear quando me lembro do significado de exótico:
os nativos estavam a beber fumo; eram homens-chaminé que tinham um tubo castanho a arder numa das pontas; bebiam pela outra ponta e saía fumo.