quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

A morte da perenidade

O medo é visita assídua às gerações mais velhas.
O medo de ver a saúde fugir, o medo de empobrecer, o medo de tudo e de nada, enfim o medo de morrer. Hoje em dia, o medo não as larga, por outra razão: os velhos sentem-se perdidos no meio de tantas evoluções que transformaram a estabilidade onde aprenderam a viver, num mundo que erradicou a noção de perenidade.
E isto originou algo incomum: as gerações não tão velhas - e até as declaradamente novas - começam também a conhecer o medo.
Vêem que, hoje, nada dura muito. Sejam os empregos, sejam os produtos, nada dura muito. Nem as relações afectivas.
Como está a ser este tempo presente? Como estão a viver, e a preparar-se para viver, as gerações mais novas?
O desafio só pode ser aprender a viver neste novo mundo. Os mais velhos com a dificuldade de compararem a actualidade com os seus tempos de juventude e maturidade. E viram-se inevitavelmente para o Restelo do Camões. Os mais novos, sem termo de comparação, vivem na instabilidade como seu ambiente natural, e quase não vivem, apenas sobrevivem, procurando formas de alienação. O homo sapiens está a evoluir do colectivo para o individual, como nova forma de defesa. Repare-se como o conceito de "amigo" se banalizou através das redes sociais. É a individualidade que conta, e não o altruismo que estava implícito no anterior conceito. Hoje, o amigo até é quem não se conhece.
É este individualismo que está a moldar o cenário de medo dos mais velhos. Porque abre caminho a novas formas de exercer o poder, mais musculadas, mais orwellianas.
Aproximam-se os cenários de ficção que nos fizeram sorrir. A robotização maciça está à porta. As sociedades irão conseguir produzir o suficiente para apaziguar as clivagens que irão ocorrer?  Não nos preparámos para estas evoluções tão rápidas e fracturantes. .Alterações que acontecem numa ou duas gerações, e que questionam o legado das que as precederam. E não sabemos o que ensinar aos filhos, porque não sabemos que mundo vão ter. A única tábua de possível ensinamento, onde estão inscritos os valores que edificaram civilizações durante incontáveis gerações,é hoje desprezada na sua obsolescência. Ofuscada pelo nascimento de novos conceitos, como o da pós-verdade.
O tempo passa a ter outro significado quando falta a perenidade. Chegámos ao tempo dos contratempos. Resta esperar que as novas gerações os saibam superar e assim saltar para um novo patamar civilizacional, afastado da sua progressiva extinção.






Amadeo - Clown, Cavalo-Salamandra



Diário de bordo



Hoje, já não se consegue esconder que estamos a ir ao fundo.
Nós.
A civilização.
Estamos a ir ao fundo, não a pique, mas com forte probabilidade de o conseguirmos com mais ajudas bélicas.
O medo começou a chegar e alastra à velocidade das eleições e dos referendos. Este medo conduz uma maioria acéfala, cega na sua paranóia de raciocínio circular conforto-desconforto-segurança-insegurança. Medo, portanto, e potenciado pela luz artificial do populismo que ilumina essa maioria ao ponto de ela se rever nessa luz.
Esta maioria está a desequilibrar o barco que navegava no centro político, movendo-se tanto para a direita que o barco, de tanto inclinado, já mete água.
A música do proteccionismo é apelativa para os eleitores desiludidos, frustrados perante a incompetência dos políticos que elegeram. No meio desta música - que vai conduzir aquela crescente maioria de pessoas a votar nos extremismos que, como sabemos, se tocam - ouvem-se, em crescendo, os acordes nacionalistas abrindo caminho ao seu triunfalismo nestes Estados Unidos flácidos da Europa e da América. Onde o centro se deslocou.
O desmoronamento destes estados unidos avança país a país.A embriaguez da estabilidade económica - que conduzisse a uma prosperidade real e com razoável equilíbrio na distribuição da riqueza num ambiente de quase pleno emprego - foi atropelada pela frustração da ressaca, com danos dificilmente reversíveis. As causas recentes começaram - e continuam - no laxismo regulador que permitiu a última crise financeira, que permitiu a procriação de elites financeiras sem capital (ou antes, com pseudo-capital) e sem capacidade de criar riqueza.
Quem pagou a factura das falências bancárias assim provocadas? A tal maioria que votava ao centro, a mesma que agora se desintegra, criando um novo ajuntamento num dos lados do barco do barco, e que o levará a naufragar. É este ajuntamento de gente inculta ou com medo da instabilidade, da perda de qualidade de vida, do desemprego, que precisa ser recuperada por bons políticos para o centro que estabilizaria o barco.
Todavia, a dificuldade em conseguir esse resultado é enorme. Vemos todos os dia um tecido social a ser corrompido por uma irresponsável desinformação. Por conteúdos que o bombardeiam sem misericórdia, nos jornais, nas rádios, nas tvs, nas redes sociais. Que lhe retiram autonomia para pensar. De novo, a falta de cultura asfixiando este mundo
Aquele tecido social - falido por ter sido apanhado nas falinhas mansas de maus banqueiros que, ou usaram as suas poupanças para comprar os seus próprios impérios financeiros, ou o convenceram a comprar facilmente o que precisava e o que não precisava - endividado numa viciante espiral de dívida, faz suas as palavras populistas, absorve os medos e corre para o lado direito do barco, elegendo arrivistas ignorantes para timoneiros que desconhecem os procedimentos salva-vidas. É a estibordo que a água começa a avançar perigosamente, tornando o desastre eminente.
Em Portugal, a nossa estagnação de quase 20 anos, tem sido como uma corda de seda ao pescolo. Mas a seda também fere e só mata lentamente.
Não se vê movimentação suficientemente robusta nos aparelhos partidários ao centro, para proclamar a urgência de equilibrar o barco. Não se vislumbra a convocação de pessoas para essa urgência de evitar o naufrágio.
O centro político, que se deixou infiltrar por inaptos sem visão, acabou por ser o anestesista que embalou uma maioria ponderada numa transitória ilusão de bem-estar, acomodando-a em poltronas que a prenderam à frente de transmissores incultos, vazios de ideias mas cheios de alarvidade provocante.
A contra-informação passou a vestir-se de desinformação, e tomou de assalto uma substancial parte da classe média frustrada e, por isso, permeável a essa desinformação, conduzindo-a como massa acéfala, atraída por um estibordo onde o paraíso existiria por decreto.
A menos que a cidadania não anestesiada reaja, o desastre é eminente. É também a democracia que tem a corda de seda ao pescoço.


Bordalo Pinheiro a Paula Rego (macaquinhos no sótão)