quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A evolução da espécie


150 anos depois da publicação de The origin of species, se Darwin nos visitasse, afirmaria, confuso, por certo, que a evolução da espécie continua. Mas continua de uma forma diferente da que, naturalmente, se fez sentir nos últimos séculos, milénios até. Agora, a evolução segue um curso altamente influenciado pelo que o Homem está a fazer ao planeta, em consequência da exponencial explosão demográfica que, de então para cá, se verifica.

Já não interessa a evolução da espécie, mas sim, que espécie de evolução.

Sinto grande frustração por viver numa época deselegante, povoada por comportamentos humanos bestiais (sem querer ofender as bestas). O Homem (a grande Massa) continua conduzindo-se aviltadamente, endeusando o progresso material, ignorando os sentimentos elevados (será isto o novo instinto de sobrevivência, que mantém à tona da água os chicos-espertos?).


Quando passo os olhos por um Livro de Horas, como o de cima, e vejo a iminência da invasão do Kindle, não posso deixar de pensar na enorme evolução que tal representa. Em nome da equação simplista "explosão demográfica-consumismo". Mas não posso evitar o reconhecimento da perda de qualidade estética, do valor humano intrínseco (direi iluminuras iluminadas) numa obra que podia demorar a vida de uma pessoa a ser produzida. E apenas acessível a escassas dúzias de pessoas. O contraponto do kindle, é a acessibilidade universal, a resposta consumista à massificação que obriga a criar alternativas rentáveis. São em catadupa exemplos como este. É a satisfação "low cost" das necessidades. Neste caso, culturais. Mas com a nivelação por baixo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Vinho sobreaquecido




As vindimas têm-se vindo a fazer (em média dos últimos anos) cada vez mais cedo e as uvas amadurecem mais rapidamente. Pode parecer insignificante, mas acho preocupante porque creio que o aquecimento global não será alheio a esta constatação.
Estão previstas para as próximas dezenas de anos, na Europa vinhateira, subidas de temperatura, progressivas, atingindo no final do século, o número assustador de mais 6 graus em média, relativamente ao seu início. Trata-se de um ritmo demasiado rápido para a natureza se adaptar. Provavelmente, adivinham-se novos surtos de doenças nas vinhas, com o incremento do grau de apodrecimento, já para não falar das consequências das previsíveis inundações.
E assim, coloca-se a questão: como vão reagir as vinhas? Certamente um "terroir" de hoje não manterá o mesmo tipo de produção daqui a uns anos. E sa a temperatura sobe globalmente, amanhã a Inglaterra terá a temperatura que a França tem hoje. Aliás, o sul de Inglaterra já vai produzindo pequenas quantidades de vinhos (Denbies, Dorking, Surrey) de respeito. O mapa vinhateiro pode alterar-se significativamente. Néctares que criaram uma auréola mítica à sua volta nos últimos cem ou duzentos anos, estarão condenados. Vamos então passar a ter "Montrachet" na Escócia? Vinho do Porto no Exe Valley?

Só vejo uma solução: as entidades ligadas ao vinho, começando nos produtores, e sem excluir os jornalistas, devem pressionar os governos para a tomada de medidas que contrariem o aquecimento global. Não temos muito tempo. Podemos começar já em Dezembro, na cimeira das Nações Unidas, em Copenhaga.

Georges Seurat - st denis

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Clássicos (em tons de Outono)


Começou o Outono. Uma estação que remete para o conforto. Ambiente nem muito quente nem muito frio. Cores onde os olhos encontram repouso. Apetece ronronar ao fim da tarde. Os dias fogem mais depressa, e as tardes colam-se às noites.




Apetecem Livros que alimentem. Apetece queimar os livros que nos entreteram no Verão. Em auto de fé. Para expiar a vergonha de os ter lido. Não apenas aqueles livros escritos por quem não sabe raciocinar. Por quem aproveita a onda de ser figura pública e nos tenta convencer da sua súbita veia literária. Sei lá. Sei lá, com muito sexo plastificado. Sei lá, com muitos palavrões.

A vergonha vem sobremaneira daqueles livros que saem em catadupas das editoras, cumprindo escrupulosamente os planos de marketing que inventam leitores e necessidades para os entreter. São livros de consumo e esquecimento rápidos. Não nos ajudam rigorosamente nada. Não aprendemos nada que os Clássicos nos não tenham já ensinado. Superiormente.



Agora, no Outono vem a vergonha de os ter lido. De termos sucumbido à superficialidade, à facilidade. Lemo-los, na esperança de encontrar algo que nos ajude a viver com melhor discernimento, mais esclarecidos. Regra geral, sentimo-nos defraudados, pois lemo-los na esperança de os colocar ao lado daqueles livros que nos iluminaram. Daqueles que nos acompanham para onde formos. Daqueles que apetece reler. No Outono. Os Clássicos. Clássicos são aqueles que lemos com prazer. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.




No Outono também apetece Música. A indústria discográfica foi obrigada a impôr os leitores/ arquivadores de música com capacidades impossíveis de utilizar. Tanta é a música produzida, inventada, copiada. Ninguém tem tempo para ouvir tudo. Acima de tudo, são raras as músicas que nos empolgam. Nos tocam. Por isso os consumidores compram cada vez menos e vão ser bombardeados, por aquela mesma indústria, para comprarem apenas as músicas de que gostam. É o fim dos álbuns enquanto conceito de trabalho musical. As músicas vão passar a ser vendidas em unidose.


E é no Outono que tomamos consciência de que a quase totalidade das músicas que vão saindo, não nos dizem nada. São de plástico, sons que nos incomodam. Arranham-nos a sensibilidade, e por isso voltamos-lhe as costas. As poucas músicas que sobrevivem, vão engrossando o nosso pelotão dos Clássicos.


No Outono viramo-nos para os Clássicos. Os Clássicos são aqueles sons que nos devolvem a consciência de existirmos, que nos dão prazer. A quem voltamos sempre, porque nos tiram as saudades. Ou as alimentam. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



No Outono também apetece cinema. Uma oferta gritantemente medíocre de cinema invade a nossa privacidade. São raros os filmes que hoje nos fazem aplaudir de pé. Tirando o uso das potencialidades tecnológicas, normalmente mal aproveitadas, fica um deserto de lugares comuns, de imagens banais, de novos estereótipos de beleza, de um depuramento da violência, como argumento terminal para prender o espectador.


É então que sentimos a urgência de rever aqueles filmes que se plasmaram em nós como uma segunda pele, conduzindo-nos ao encontro da nossa intimidade. Aqueles filmes que nos tiram do lugar de espectador e nos obrigam a ser intérpretes. A viver a intensidade das palavras, a atracção dos olhares. A experimentar a dor, a perda, a conquista, o sucesso, o desespero, a frustração, o orgulho, o prazer. São os Clássicos.


E assim, no Outono, vemos os filmes que nos fazem rir ou chorar. Normalmente ambas as coisas. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



Com esses filmes, com esses livros, com essas músicas, de sempre, o Outono é mais aconchegante. Se conseguirmos partilhar esse aconchego, o ar deixa de ser tão pesado. A vida parece-nos mais valiosa. Volta e meia, precisamos acariciar a vida com as nossas mãos.
Renoir, Cagnes