quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Este país não é para


Velhos? pois constata-se, directa ou indirectamente, que o país não criou as condições para um fim de vida com dignidade. Casas de saúde, lares, hospitais, tanto faz. Por serem caros. Por serem deprimentes. Por serem obrigados a controlar os custos, e não poderem prestar um cuidado continuado. Por muitas outras razões, muitas vezes cumulativas, porque caro não é sinónimo de melhor, mas sim de vaga para admissão. Os velhos vão continuar a cair desamparados, pois nem a família tem condições para abdicar das suas próprias restrições em prol de uma maior disponibilidade de tempo e recursos.

Solução? O país está cada vez mais pobre. De ideias, de projectos e de recursos destinados à sustentabilidade social. Com um país que não cria as condições para produzir mais a caminho da autosuficiência, o fracasso dos políticos tem de ser penalizado à boca das urnas. Os políticos são donas de casa sem cabeça. Não sabem gerir uma casa, uma empresa, quanto mais um país. Pior, muitos nem espinha dorsal têm, e nós deixamo-nos governar por estes deficientes e incompetentes. Que abundam em qualquer partido.

Este país não é para velhos.


Meia-idade? Os que têm trabalho, trabalham com horários desnecessariamente prolongados. Porque são mal geridos, porque gerem mal o seu tempo. Em consequência, não lhes sobra tempo para ter vida própria. No sentido de se enriquecerem social e culturalmente. Porque lhes falta uma cultura de base e entraram no ciclo vicioso da ignorância que gera incompetência que gera ignorância.

Solução? Programas políticos que dêem prioridade aos investimentos na educação, na formação. Que tornem os cidadãos mais responsáveis, mais esclarecidos. Socialmente adultos. Claro que os entraves vêm da própria classe política agarrada ao poder que a obscuridade dos eleitores lhes proporciona. Falta uma cultura de responsabilização, de erradicação da mediocridade, de valorização do empreendedorismo.

Este país não é para a meia-idade.


Jovens? Ensino deficiente gera um produto ineficiente. Pior, um produto aprovado pelo controlo de qualidade. A falta de estruturas sociais que cedo atraiam os jovens para a vida comunitária. Gasta-se dinheiro num ensino comprovadamente medíocre e os jovens chegam a um mercado de trabalho de portas fechadas, sem cultura de empreendedorismo para lhes dar alternativas sólidas de evolução.

Solução? Tudo parte de apostar na educação. Sem me repetir, quntas gerações mais serão precisas até se mudar este estado de coisas. Até lá, empurra-se a juventude para a emigração. Claro que serão os mais válidos que passam a fronteira e conseguem evoluir em sociedades onde reconhecem a diferença que as separa da nossa. E não voltam. E o país fica assim com os menos válidos, os mal preparados, os que não foram estudar para as boas universidades estrangeiras onde se ensina o valor do mérito. Fica com aqueles que irão perpetuar, na melhor das hipóteses, atenuar as condições que fazem com que este país não seja para velhos, para a meia-idade, para jovens.
E assim vamos dançando ao som de música roufenha. E fechados na nossa caverna, de costas para a luz, julgamos que o mundo só é composto pelas nossas apagadas sombras.
Poussin, dance to the music of time





quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Portugalidade extinta


À minha volta urzem sirenes para que não me esqueça do NATO Round de amanhã e depois. E depois? Bom, depois, continuamos por cá. A viver em Portugal. E os outros milhões de pessoas continuarão a viver por esse mundo, cada vez mais mal frequentado.
Mas, aqui, em Portugal, o que se passa?
1. Temos tanto Mar.
0. Mas deixámos extinguir a frota de pesca e preferimos importar peixe.
2. Temos tantas ondas. E tanto vento no mar.
0. Mas não investimos no aproveitamento da energia das marés, nem do vento no mar. Sim, também se podem colocar moinhos de vento no mar.
3. Temos tanta terra por cultivar.
0. Mas deixámos extinguir o gosto pela agricultura e pela pecuária. Educamos a preguiça com subsídios. Extinguimos o gosto pela terra bombardeando as gentes com uma televisão citadina que promove os vícios urbanos.
4. Temos tanta gente criativa.
0. Mas extinguimos uma cultura de investimento e de risco associado, criando uma sombra tutelar chamada Estado, que se mete onde não deve. Que protege investimentos sem nexo, não justificados e ignora os caminhos da inovação e da eficiência. Os caminhos que nos deveriam ter levado há muitos anos, à internacionalização. Começando precisamente onde poderíamos ser mais fortes, nos países que usam a nossa língua. Agora, que só se fala neles, vira-se o feitiço contra o feiticeiro.
5. Temos um edifício cheio de políticos que não prestam, que ninguém conhece, que aprovam autoestradas paralelas para que se possa viajar durante centenas de kms sem nos preocuparmos com o trânsito inexistente.
0. Mas não somos capazes de castigar eleitoralmente estes políticos, estas máquinas que os promovem. Não exigimos o curriculum desta gente que não tem qualquer tipo de cultura ou de experiência de gestão. Que tem preferido invadir o Algarve com construções dedicadas a um turismo que não nos enche os bolsos. Gente que não sabe o que é a estratégia (atenção, estratégia é uma arte). Se soubesse, teria identificado o Algarve como a Florida da Europa, e teria construído complexos para a senioridade reformada e abastada da Europa.
Enfim, fico com a tensão arterial a picar-se quando falo destas coisas. Porque também me sinto culpado por assistir a esta falência de Portugal. Falência como povo. Assistir a um conceito de portugalidade em vias de extinção. Um conceito único que será rapidamente substituído pelas vitaminas da globalização.
Velho do Restelo? Nem me falem em Restelo, porque me faz lembrar Epopeia, Orgulho, Riqueza, mas também Cegueira, Novo-riquismo, Vaidade. Falta de estratégia.
Por isso digo à minha descendência, para irem estrangeirar-se. Para assim poderem evoluir, longe de um país que lhes nega educação, cultura, saúde, emprego e oportunidades.
Viver em Portugal? Talvez seja como viver num Black Hole.


Foto da NASA: supernova transformada em buraco negro (Chandra X-ray Observatory).


Gorecki


RIP

Sorrowful sounds. Your sounds made Mine. A premonition of catarsic wishful thinking leading nowhere. Your death is an injustice of life. Another one.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Blutendes Herz




Wortlos. Nur Enttauschung und Leid.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A hipnose e a Paixão


Falamos com pessoas com quem é impossível conversar. Falamos com pessoas que falam monocordicamente, que exprimem opiniões sem as defenderem, porventura opiniões que abandonarão no dia seguinte. Falamos com pessoas que não vibram nunca, desprovidas de algo que lhes diga muito, muitissimo. Falamos com pessoas que palram os estereotipos daqueles que querem imitar. Falamos com bonecos sem alma. Falamos com quem não compreende as paixões que preenchem as nossas vidas. Falamos com pessoas que não têm paixões. Falamos com pessoas sem interesses e sem interesse.

O mundo está cheio de pessoas assim, para quem viver é possuir sinais vitais.


Que pena estarmos rodeados de pessoas sem interesse. Gostava que vibrassem com o mar, com o seu cheiro, com a sua imensidão, com o seu murmúrio. Gostava que vibrassem com a dedicação de um cão. Gostava que vibrassem com o Quarteto para o Fim dos Tempos, com a forma como a música suspende o tempo e dá sentido à eternidade. Etc, etc, existe um mundo à espero que vibremos com ele.

Existem é poucas pessoas que nos façam vibrar. E que nos façam viver por elas.
Doré, Don Quixote

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Criatividade, procura-se




Criatividade. É o factor de diferenciação quando tudo o mais se pode copiar ou fazer parecido. Podia desde já dizer que os países dependem da criatividade. Como lembrou há pouco um jornalista do Financial Times, o Brasil não é conhecido tanto pelos motores da sua economia mas mais pela música, moda, arquitectura,... ou seja, pela criatividade. Mas nem sequer é aqui que quero tocar. Quero mesmo chegar ao indivíduo: onde está a criatividade?

Cada vez há mais gente no mundo e por isso a probabilidade de haver mais criatividade é maior. Mas vejo o contrário. Paro para pensar nas causas, e que vejo?

Primeiro, que cada vez tenho menos tempo para pensar.

God! how could I let this happen?

Tornámo-nos dependentes, viciados em toda a espécie de gadgets. Não só. Os computadores, as redes sociais, as toneladas de e-mails para ler e/ou responder, os canais de tv por cabo. E quando julgamos que vamos para casa depois de um dia estafante a trabalhar, ou mesmo quando rejubilamos por irmos de férias, lá vêm os iPhones, os Tablets, os iPads e iPods atrás de nós.


E assim deixámos de viver a família, viver a nossa intimidade, e, pouco a pouco, de viver em vida.


Os filhos não têm tempo para nós nem nós para eles. Lembramo-nos vagamente de, ainda não há tanto tempo assim, apreciarmos o põr-do-sol acompanhado de um charuto e de um portronic, de se fazer uma caminhada só para ir apreciar as ondas do Guincho. De ter um jantar demorado com a família à mesa. De falar, falar contra a passividade que nos vai calando.


Temos de reagir a esta intoxicação digital. Temos de parar para pensar, levar o cérebro para o ginásio, exercitá-lo e assim provocar a criatividade. Como dizia o cartaz do Uncle Sam, the country needs you.


Eu preciso de mim.


terça-feira, 31 de agosto de 2010

Utopia




É o desencanto que me faz voltar a zurzir, vezes sem conta, na nossa incapacidade de evoluir a uma velocidade que permita alcançar as sociedades mais evoluídas. Este desencanto surge, volta e meia, quando sou obrigado a observar novos episódios que testemunham a eficácia da marcha-atrás, que demonstram como é mais fácil destruir que construir. Que me fazem corar de vergonha.


São cada vez mais as pessoas que também criticam as aberrações diárias que se nos deparam, desde o ainda não desaparecido cuspir para o chão, até à total ausência de civismo no trânsito, passando pelos machos que coçam os tomates antes de apresentarem a mão para cumprimentar quem atonitamente se lhe depara pela frente.


Quando se discutem as soluções, ainda existe a tentação facilitista de condenar o Governo por tudo e por nada. O Governo que, afinal é eleito por quem não tem preparação para eleger. E assim entramos num ciclo vicioso, que compete de facto ao Governo tornar virtuoso, isto é, promovendo a Educação para que o memos eleitor seja mais exigente nas próximas eleições.


Preciso acreditar que o eleitor que se peida em público, irá, um dia, deitar abaixo o seu muro de cimento e tijolo, não pintado, por concluir que não o fazer é um atentado paisagístico. Que esse eleitor passou a ter motivos para acreditar na Justiça, e que esta controlará os impulsos que ainda possam existir no seu vizinho para desrespeitar o seu muro de arbustos que plantou para substituir o de horrível betão.


Preciso acreditar que o eleitor que lança o seu lixo pela janela do carro, irá, um dia, questionar a mesma irresponsabilidade do seu semelhante. E, na altura de inscrever a cruz no boletim de voto, este eleitar sabe que está a condenar quem pactuou com a corrupção e a promiscuidade, e que espera estar a eleger quem acabará com as subvenções e os subsídios que perpetuam a preguiça, a incompetência, a mediocridade, a estagnação, a marcha-atrás como velocidade de cruzeiro.


Preciso acreditar que os eleitos terão, um dia, absorvido dimensão ética para trilhar o caminho da conquista da cidadania, em alta velocidade. Porque o tempo é escasso. Porque é preciso impedir que o Homem continue a destruir a sua própria Casa.


Preciso acreditar, porque sei que todos temos culpa, e por isso, escrevo como exercício de autoflagelação.



You have ennemies? Good!. That means you´ve stood up for something, sometime in your life - Winston Churchill
Caos CC

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ser Pai




Ser Pai é assumir uma forma de vida que quem não é pai não tem. Há uma responsabilização intuitiva que não existe em mais nenhuma relação. Há um vínculo invisivel que os pais foram tecendo ao longo dos anos e que os filhos pressentem dando-lhes uma segurança tomada como uma certeza sempre presente. Mas há mais. Há uma força centrífuga que os pais têm de aprender a dominar, para não cercearem as múltiplas liberdades que os seus filhos desejam adquirir. Da mesma forma que devem aprender a não viver apenas em função dos filhos. E é esta aprendizagem permanente que tem como objectivo evitar os desequilíbrios. Ser pai é assumir esta forma de vida.

Ser Pai é também ser receptor das alegrias e tristezas dos filhos. Sofrer com os seus sofrimentos. Tantas vezes, é sofrer em antecipação, porque adivinhamos os problemas que, muitas vezes, não se verificam. Tantas vezes, é sofrer mais que ele próprios. Se é que o sofrimento se pode medir...

Ontem, era porque os filhos choravam e não nos sabiam dizer porquê. Hoje, é porque uma filha está num país muçulmano de difícil vivência a fazer voos de transporte de peregrinos para Medina. Amanhã, é porque uma filha está a sofrer no seu casamento. Em todos os momentos, um pai gostaria de ter o poder de transferir para si os sofrimentos dos seus filhos.

Ser pai é ser assim. Mais sofredor que rejubilante. Outros pais não serão assim. Mas também não viverão a felicidade de ter as filhas que eu tenho.




Suset Maakal, Father and daughter

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Andar atrás do mundo







Não deveria ser assim, mas a verdade é que andamos atrás do mundo. São poucos os que têm poder para fazer o mundo andar atrás deles. Por isso o mundo continua um sítio mal frequentado, catalizador de injustiça, angariador de prémios para os menos escrupulosos.

Cada vez há mais melancolia, mais depressivos, mais egoísmo, menos paixão, os olhos piscam para disfarçar a falta de brilho, o riso só aparece em resposta à maledicência, a ostentação é o contraponto da vida. É raro ser-se feliz. É impossível ser-se livre.
Tornámo-nos aprendizes de feiticeiro.
Esquecemo-nos das estações do ano e elas agora atropelam-se baralhando as suas fronteiras. De povo que adorava o Sol, passámos a povo que ignora o Sol. Esquecemo-nos de admirar o nascer do Sol. Esquecemo-nos de sonhar com o pôr-do-Sol. Tal como nos vamos esquecendo dos múltiplos pormenores que preenchiam a nossa vida. Vida que está cheia de televisão e de solicitações que empurraram para fora de nós aqueles pequenos nadas que eram tanto, mas que nela deixaram de caber.
Vivemos numa sociedade onde tudo é relativo, e é esta relatividade que esconde os males. É o tempo dos eufemismos.
Resta-nos a adaptação a estes tempos, tentando a sobrevivência possível. Tentando viver em vida.

Este pensamento veio a propósito da revisitação que fiz à obra de Roy Lichtenstein, que conheci há vinte anos no Guggenheim de NY. É BD. É retro. Lembro-me da sua presença icónica numa cena derradeira de Lipstick on your collar do incontornável Dennis Potter. É BD. É o faz de conta. E o faz de conta é a alternativa para suportar o mundo.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Irreverência com classe


Noite de verão algarvio. Brisa regeneradora para cabeças demasiado quentes. Umas três mil pessoas, muitos sem saber ao que iam, poucos aficionados, os incontornáveis fotógrafos à espera do nosso mundialmente conhecido jet set, muito bronze a ostentar muito cobre para desmentir a crise.

Durante mais de duas horas Jamie Cullum provou que está em palco como peixe na água. Muitos dos que não o conheciam passaram a gostar. Fazia falta uma corrente musical de origem jazzística que tocasse nas pessoas que dizem não gostar de jazz. Não é puro, mas é genuíno. E penso que o filão que ele persegue é inesgotável, pois pode pegar em muitos standards e pop-ularizá-los. Com bom gosto, como bom pianista que é.

Go Jamie.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Colina Verde sem o Tristão



Programme 2010
Sunday 25. July Lohengrin
Tuesday 27. July Das Rheingold
Wednesday 28. July Die Walküre
Thursday 29. July Parsifal
Friday 30. July Siegfried
Sunday 01. August Götterdämmerung
Monday 02. August Die Meistersinger von Nürnberg
Tuesday 03. August Lohengrin
Thursday 05. August Die Meistersinger von Nürnberg
Friday 06. August Lohengrin
Saturday 07. August Parsifal
Sunday 08. August Das Rheingold
Monday 09. August Die Walküre
Tuesday 10. August Parsifal
Wednesday 11. August Siegfried
Thursday 12. August Die Meistersinger von Nürnberg
Friday 13. August Götterdämmerung
Saturday 14. August Parsifal
Sunday 15. August Die Meistersinger von Nürnberg
Tuesday 17. August Lohengrin
Wednesday 18. August Parsifal
Thursday 19. August Die Meistersinger von Nürnberg
Friday 20. August Das Rheingold
Saturday 21. August Die Walküre
Sunday 22. August Lohengrin
Monday 23. August Siegfried
Wednesday 25. August Götterdämmerung
Thursday 26. August Parsifal
Friday 27. August Lohengrin
Saturday 28. August Die Meistersinger von Nürnberg

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Os bozzetti de Ricci











Regresso a Veneza. A eterna. San Giorgio Maggiore. Uma exposição singular. Sebastiano Ricci. Mestre do século XVII que nos deixou monumentais pinturas e frescos em igrejas e residencias. Pela Europa ocidental. Em Londres negaram-lhe a pintura da abóbada da catedral de S.Paulo. Mas fez dois tectos da Royal Academy e decorou a casa de Lord Burlington.

E com ele aprendeu Tiepolo, cujo génio ultrapassou o Mestre em fama.

Nesta exposição - só até dia 11 deste mês - fica, todavia, demonstrada a sua inultrapassável genialidade na execução dos esboços, das provas que serviriam para obter a aprovação do patrono que encomendara a obra - os bozzetti. Daí ser uma exposição singular.

Porventura é apenas por gostar de Veneza que gosto de Ricci. E esqueço que tentou, na sua juventude, envenenar a namorada engravidada. Tal como esqueço que me pedem todos os dias para pagar os erros dos políticos.




sexta-feira, 11 de junho de 2010

Tapeçarias de Pastrana - imagens de glória


Pousar os olhos nas tapeçarias de Pastrana - creio que 11 metros de comprimento por quatro de largura, roubadas para Pastrana, centro de Espanha, quando da ocupação castelhana - é perguntar: como foi possível Portugal ter descido de tão alta glória.

A partir de amanhã - Museu Nacional de Arte Antiga - podemos insistir na pergunta, vergastando-nos ao mesmo tempo que nos arrepiamos perante as quatro míticas obras de lã e seda que D. Afonso V mandou fazer há mais de 500 anos para celebrar a conquista de Arzila e Tânger.
O começo da glória.
Sintomaticamente, a exposição (provisóriamente em Portugal!) tem o título de "A invenção da Glória, D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana".

Triste beleza!
É castigo obrigatório, tal como o PEC e suas futuras actualizações, por continuarmos a perpetuar um país que se recusa a produzir, mas que já quase nada tem para consumir.


Tapeçaria de Pastrana, excerto




quinta-feira, 20 de maio de 2010

A 3ª Guerra mundial


Os fundamentos da Economia afundaram-se. A confiança nas instituições está definitivamente perdida. A tradição já não é o que era, de facto. Olho-me ao espelho. Olhos nos olhos: não quero ser poeta da desgraça. Juro que não quero. Mas, esta inquietude não me dá descanso. A inquietude de ver o mundo a rebolar por um abismo em espiral.

Já não interessam as causas deste mal-estar-mal-viver. Agora só interessam as consequências. E são todas más. Pela primeira vez sinto a impotência dos dirigentes. E a dos dirigidos. Incapazes de sair da espiral.

A nova economia destruiu fronteiras, incendiou convicções, destruiu pilares de sabedoria. A nova economia baseia-se na especulação e alimenta a desconfiança. Longe vão os tempos em que a palavra era um activo de respeito. Ilustro com a pequena história do banqueiro que recebeu um cliente a quem não queria dar mais crédito, mas a quem também não poderia dizer apenas que não; então convidou o cliente para uma volta na baixa; de regresso ao banco, explicou-lhe que não podia emprestar mais dinheiro, mas depois de terem sido vistos juntos na baixa, qualquer outro banqueiro lho emprestaria. Hoje, esta história seria irrepetível.

Os pacotes de ataque às crises vieram para ficar, para conviver connosco, oscilando entre o 8 e o 80, e obrigando-nos a reajustar a nossa vida em conformidade. Entre a tensão social e o drama familiar, as sociedades vão conhecer uma nova idade média.

A angústia vai ser a nova pandemia.

A esperança de vida vai certamente diminuir, porque a angústia mata. Sou de uma geração que falhou na edificação da sociedade. Falhou e continua a deixar a geração seguinte falhar. Esta 3ª Guerra mundial tem a nossa assinatura. Não me orgulho de viver neste mundo.

Continuo a olhar para o espelho, olhos nos olhos, vejo desfilarem imagens lindas de vida. Por isso tem que haver sempre uma nota de esperança. Sem ela, nada teria valido a pena. Ando à procura dessa nota nos nossos filhos, que ainda vão a tempo de sair da espiral devastadora, e deixar a semente de um novo mundo para os seus filhos.



Salvador Dali, Premonição de Guerra Civil

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O vazio, pelas palavras de outra pessoa



Nós bebemos demais, gastamos sem critério.

Conduzimos depressa demais, ficamos acordados até muito mais tarde,
acordamos muito cansados, lemos muito pouco, vemos televisãodemais e raramente estamos com Deus.

Multiplicamos os nossos bens, mas reduzimos os nossos valores.

Nós falamos demais, amamos muito raramente, odiamos frequentemente.

Aprendemos a sobreviver, mas não a viver;
adicionamos anos à nossa vida, mas não a vida aos nossos anos.

Fomos e voltamos à Lua, mas temos dificuldade em cruzar a rua e encontrar um novo vizinho. Conquistamos o espaço, mas não o nosso próprio.

Fizemos muitas coisas maiores, mas pouquíssimas melhores.

Limpamos o ar, mas poluímos a alma;
dominamos o átomo, mas não o nosso preconceito;
escrevemos mais, mas aprendemos menos;

planeamos mais, mas realizamos menos.

Aprendemos a apressar-nos mas não sabemos esperar.
Construímos mais computadores para armazenar mais informação,
produzir mais cópias do que nunca,
mas comunicamos cada vez menos.

Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta;
do homem grande e de carácter pequeno;
de lucros acentuados e de relações vazias.

Esta é a era dos dois empregos, de vários divórcios, casas chiques e de lares e corações despedaçados.

Esta é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, das rapidinhas, dos cérebros ocos e das pílulas 'mágicas'.

Um momento de muita coisa na vitrine e de muito, muito pouco na despensa.

Uma era que leva esta carta até si, e que lhe permite dividir esta reflexão ou, muito simplesmente, clicar na tecla 'delete'.

Lembre-se de passar algum tempo com as pessoas que ama, pois elas não vão estar aqui para sempre.
Lembre-se de dar um abraço carinhoso aos seus pais ou a um amigo, pois não lhe vai custar sequer um cêntimo.
Lembre-se de dizer 'amo-te' à sua companheira(o) e às pessoas que ama, mas, em primeiro lugar, ame...ame muito...Um beijo e um abraço curam a dor, sempre que emanam bem lá de dentro, do fundo de si mesmo.

Por isso, valorize sua familia e as pessoas que estão ao seu lado, sempre!

George Carlin, 1937-2008, rip
Klimt, A Árvore da Vida




quarta-feira, 7 de abril de 2010

Pascoálias




A Páscoa é Parsifal e nenhuma Páscoa me pode passar sem os sons sagrados. Assim tem sido, desde que me lembro. Em anos de luxo, consigo ouvi-lo na íntegra. Em Páscoas com outras preocupações, apenas excertos. Mas ouvi-o na íntegra no final do ano passado. Sublime, Redentor.

Algo mais me remeteu nesta Páscoa para Wagner: morreu o seu neto Wolfgang. Penso que com ele acabou de morrer uma sensação de ligação física ao Mestre. É normal os netos conhecerem os avós, e depois de Wieland restava apenas Wolfgang, para me fazer sentir uma certa existência de Wagner na Terra. Agora acabou. E não vai ser bom para Bayreuth. Oxalá me engane, mas penso que só o Estado alemão terá capacidade para não permitir que a colina verde se ensombre com as mesquinhices humanas dos herdeiros.

Antes da Páscoa, os Tindersticks estiveram na Catedral de Manchester. Nada mais apropriado. E tocaram Peanuts. E fecharam a igreja com My Oblivion. Aqui ficam as fotos.

domingo, 21 de março de 2010

A Primavera


A estação das estações. Tabém este ano a data do seu início me transporta para os mares de bonança. É uma data que encerra uma magia telúrica, como se a força de viver, anualmente renovada, se exprimisse orgasmicamente. Enfim, pelo menos assim a continuo a imaginar, depois de já a ter vivido. Cada um terá as suas listas (ando a ler A Vertigem das Lista, visualmente fabuloso, conceptualmente genial, uma obra de Primavera sem dúvida), e certamente a lista das datas será uma das mais comuns. Pois ponha-se esta data nessa lista e celebre-se. Para mim, ela é a bonança.

Mas esta semana aproxima-se tempestade. Ou talvez não.

Giuseppe Arcimboldo, A Primavera

terça-feira, 9 de março de 2010

Mulhercídio


Ontem foi dia de reavivar uma série de disparates, a propósito da mulher. De ano para ano a tónica cresce sobre o imperativo da igualdade com o homem.

Farto-me de dizer que Malthus foi o primeiro a pôr o dedo na ferida: o crescimento populacional - quase em exponencial - é a fonte de todos os desequilíbrios. Temos provas dia a dia, e só não as vê quem quer ser cego.

O controlo de natalidade na China - um filho por casal e de preferência homem -, começou por ser criticado e hoje é abençoado. Subrepticiamente idênticos controlos foram sendo estabelecidos nas regiões densamente sobrepovoadas. Mas aquilo de que ninguém fala é da destruição do sexo feminino. China, Índia, claro. Mas aumentemos a lupa para ver mais de perto: também sociedades ricas, cristãs, muçulmanas, estão a fazer uma razia no género feminino. Milhões de casais (sim, milhões) planeiam hoje a sua vida familiar. Querem ter apenas um filho, e querem um homem. Para sofrer menos descriminação, porque tradicionalmente um homem tem sempre a primazia, porque quando formos velhos, um filho homem terá mais meios para poder tomar conta de nós, porque um homem não engravida e assim corre menor risco de desgraçar a sua vida, etc. Por tudo isto, milhões de casais que querem apenas um filho (mas não só), preferem que seja um homem. Se for mulher, aborta-se.

Entra também aqui a teoria do 8 e do 80: o que começou por ser um controlo de natalidade, vem a desembocar em sociedades com mais homens que mulheres, e todos sabemos que homens solteiros a mais são o combustível para aumentos sensíveis dos índices de criminalidade. A organização CASS estima que a China em 2020 (é já amanhã) terá mais 30 a 40 milhões de jovens homens com idades abaixo dos 19 anos do que jovens mulheres, por isso sem perspectivas de casamento (pois, há sempre a possibilidade homossexual). Tantos quanto a totalidade da população jovem masculina nos EUA. Oscila-se de problema social em problema social.

Como alterar este desequilíbrio considerado por muito boa gente, uma fatalidade? Educando. Acabando com os estigmas do passado sobre a secundarização da mulher na sociedade, abolindo leis primitivas que impedem uma mulher de herdar, códigos civis que dão ao homem a prioridade social. Promovendo o emprego em todas as categorias de emprego, começando por aquelas que melhor interagem na sociedade (serviços públicos, hospitais, forças de segurança, e por aí fora).

Para um dia, conseguirmos estabelecer o equilíbrio, e devolver à natureza a sua gestão.

Foto de Cartier-Bresson

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Make love



Este vinho, bebido há dias, à lareira, entranhou-se-me. And you know why?
Começou por me provocar. Com o seu cheiro. O nariz transmitiu-me sensações de volúpia e tive de proibir a boca de o beber. Aquela sensação tinha de durar. Mais e mais. Queria bebê-lo, mas não já. Na ânsia de o cheirar com maior intensidade, mergulhei o nariz no copo. Foi então que este se inclinou, e o vinho se roçou nos meus lábios. Veludo. O vinho tinha a forma de uns lábios suaves, sábios na arte de amar. Gradualmente, o cheiro e o sabor tomaram a forma do desejo. Estranho, como um vinho se entranha e provoca a urgência de se consumir o desejo. Levantei os olhos para a chama que dançava na lareira, movimentos de um erotismo profano. Algures, fechei os olhos, e estive contigo, chama.

Luxo é




"Possuo a majestosa idade de 72 anos e permito-me dizer: se algum trabalho aparecer, aparece, se não aparecer não aparece, está tudo bem na mesma...
"...Tenho uma vida boa: componho música, pinto, actuo, tenho família e amigos. Por isso, se um filme resulta, tudo bem, se não resulta, tudo bem na mesma... Se se estrear nos cinemas, tudo bem, se não se estrear, tudo bem na mesma. Não fico muito tempo a pensar nisso...
"... Adoro representar... Há muitos filmes em que estou interessado e em relação aos quais digo - se forem para a frente telefonem-me - Mas já não fico com um nó no estômago. Se acontecer, acontece...
"... Não deixes que nada te aborreça, é a minha atitude...
"... É assim que preservamos a nossa sanidade, penso eu..."

Anthony Hopkins, 2010, ao The New York Times


Também penso assim. Mas é um luxo poder pensar assim, e, acima de tudo, actuar em conformidade. Vindo de um Grande actor, poder-se-ia desconfiar. Mas, por ele ser mesmo Grande, penso que acredita no que diz.


Paintings entitled "Abas," left, and "Midas" by actor Sir Anthony Hopkins are displayed in a new collection of his artwork at the Gallery 27, in London.
On top, Farm under a red sky

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Tindersticks nas Caldas


Let me start to say that a band that does 5 gigs in a row in Portugal either is rehearsing or must like this piece of land. After last night´s debut the conclusion is so obvious: you guys from other countries MUST demand a minimum of 5 gigs in each of your countries!

The band - all seven musicians - was extremely happy on stage (as well as out of stage. I happen to be dining with my wife at the same restaurant as them and what I saw was Harmony Around their Table. Hope you have enjoyed the wine, one of my favourites!).

Now, the first gig. Fantastic. From there I bet it will grow to a more perfect gig, but who cares about perfection? I don´t. For those who keep mumbling about how good tindersticks were with Dickon I have to say this: this is phase 2. Phase 1 is gone. Keep your records and your memories just like I do. Phase 1 is already part of the Classics. Keep it in the shrine you only visit when you need. Self-pity is out of the stage. Of course the band will keep visiting - like they did yesterday - those songs from their first works. And you know what? Songs that could make me cry now make me smile. I guess I´m getting older along with them, and I look back with a different wisdom, a different state of mind. I believe that´s what they do. Those songs from the past are now played stripped from saddness and anguish. Just showing their soul. When they played Dying slowly or Runnin´wild, that´s what I felt. The soul is there to be absorbed but the body is no longer there to suffer. Stuart´s voice and interpretation underlines this. He´s happy. Cheers! I hope someone understands this...The three new members of the band are enjoying their time and they offer some background vocals that work very, very well. Cheers! Neil walks their happiness in stage and makes his guitar smile and laugh. Cheers! Dave holds all the pieces with is concentrated personality. He likes perfection and smiles when perfection fades. That´s the spirit. Cheers! Andy is an intelectual musician. His smiling face enjoys enormously the effects of the band´s performance on the audience. He looks at us as if asking us to smile and cheer together with them. Cheers!

While driving the 100 miles back home, I felt I missed some good wine during the gig. Tindersticks performances require a good wine these days.

Thank you for a fantastic evening. See you soon.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

30 anos


A vida é uma corrida. Por alguma razão, corrida em espanhol é para tourada. A vida pode ser, então, uma tourada. Uma luta e um diálogo. Feitos dia a dia, ao longo dos anos. Fazes 30 anos e continuas bébé. Só que não o sabes, pois eu é que te vejo assim. Mas também te vejo adulta e linda. Sem favor.
Lembro-me quando tu chegaste. Tudo mudou. Gradualmente, claro. O ritmo de vida deu uma cambalhota. A minha maturidade teve de crescer mais depressa para te transmitir o melhor possível, as bases da tua sustentação. Começaste a tomar forma e a tomar conta do meu caminho. Tentei sempre percorrê-lo contigo, por ti também. Fui demasiado exigente com a tua evolução? Nem imaginas o que é sofrer quando eu te castigava e fazia chorar. Ou qundo te via triste, tantas vezes sem saber como te tirar a tristeza de cima. Em pequenita, eram as doenças, as maleitas físicas, o medo que te pudesses partir. Depois vieram as dores de crescimento. Gostaria de ter tido mais tempo para as aliviar. Tantas vezes afogadas nos problemas da vida, que eu vivia para que tu não desses por eles. E nos últimos anos, vieram as dores de amadurecimento. Mais complicadas, porque o nosso pensamento as complica. E não penses que acabaram. Todas elas são dores diferentes, mas a angústia está presente em qualquer uma. Mais persistente nas últimas, eu sei. Mas nunca te esqueças: os touros enfrentam-se sempre de frente.
Hoje, vejo o filme dos últimos 30 anos, ora a cores ora a preto e branco. Sei que gostarias de um dia o ver como eu o vejo. É muito bonito. É a vida. Uma corrida. Uma tourada. Alegria e sofrimento. Um dia, daqui a mais uns trinta e tal anos, terás também oportunidade de ver um filme semelhante, com alguém adulto, mas que será sempre o teu bébé. E não me importava nada de aparecer nalguns episódios.
Para já, um Vintage. Com a tua idade. Vou ver como ele cresceu. À tua saúde.
Francis Bacon, Bullfight

sábado, 23 de janeiro de 2010

Avec le temps, va, tout s´en va




Tenho vindo a ver e ouvir Leo Ferré nos registos que consegui enontrar (thank you ebay Satan). Emocionado! Por muitos motivos. Principalmente porque, em jovem, a atracção pelo libertarismo foi muito grande. Lia Appolinaire, Rimbaud, Verlaine mas só os percebi totalmente quando Leo lhes lavou as palavras com a sua música e declamação. Desejei então ser Leo. Mais, avec le temps...tout va bien. Ser-se libertário é uma prisão mental pior que a física. Ni Dieu ni Maître, é uma enorme solidão neste mundo. La solitude. Avec le temps... on´aime plus.

Fico a ouvir. e a ver, aquele corpo, ora novo, ora velho, cantar La chanson d´Automne. Olho para trás e vejo um tempo que morreu. Um tempo bonito. On n'est pas sérieux quand on a 17 ans. Mais si tu pensais à vingt ans. Qu'on peut vivre de l'air du temps, Ton point de vue n'est plus le même.
Preciso ouvir Reggiani. Je voudrais pas crever... Preciso de o ouvir cantar sentimentos menos dolorosos. Para restabelecer o equilíbrio. Plus belle q´une ondine tu caches ta poitrine...
Assim está melhor.
Ne chantez pas la mort.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Lhasa de Sela


Strange to see the sun don't shine today,

But I ain't in a mood for sunshine anyway




Partiu aos 37 anos. Alguém que viveu em vida. Não é justo. O cancro de mama venceu-a em 21 meses. Para quê? Ficam-me os arrepios que a sua voz me transmite ao entoar versos como estes:


El desierto


He venido al desierto pa irme de tu amor

Que el desierto es más tierno y la espina besa mejor

He venido a este centro de la nada pa gritar

Que tú nunca mereciste lo que tanto quise dar

He venido al desierto pa irme de tu amor

Que el desierto es más tierno y la espina besa mejor

He venido a este centro de la nada pa gritar

Que tú nunca mereciste

He venido yo corriendo olvidándome de ti

Dame un beso pajarillo no te asustes colibrí

He venido encendida al desierto pa quemar

Porque el alma prende fuego cuando deja de amar

Porque el alma prende fuego cuando deja de amar

He venido al desierto pa irme de tu amor

Que el desierto es más tierno y la espina besa mejor

He venido a este centro de la nada pa gritar

Que tú nunca mereciste lo que tanto quise dar

He venido yo corriendo olvidándome de ti

Dame un beso pajarillo y no te asustes colibrí

He venido encendida al desierto pa quemar

Porque el alma prende fuego.