quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Cães semi-afogados

As folhas das árvores teimam em cair. É o medo de bater num chão que não é acolhedor. O vento fustiga, a chuva continua a cair, mas as folhas recusam-se a atapetar o chão, onde nós nos queremos deitar. Cambaleamos mais e mais, a voz já fraca de tanto protestar contra o mau tempo, que anuncia dilúvio. Começamos a sentir medo do que aí vem. É o medo do escuro que preenche os dias sem sol. É o medo do que nos espera em qualquer das muitas esquinas que nos cercam. Seja a esquina da austeridade, seja a da incompetência, seja a dos novos criminosos do poder global, local. E os orçamentos para 2013 a serem discutidos por delinquentes legalizados. E, e, e,...

Recuamos para a parede mais próxima, toda ela uma ilusão, e continuamos a procurar acolhimento. Resta-nos o chão, agreste, sem folhas para amaciar a queda a que o cansaço conduz.
E agora, a chuva torrencial, o dilúvio, começa a cobrir-nos. A sensação de afogamento invade-nos, os olhos saem-nos das órbitas, espelham terror. Estamos impotentes, sem forças para ficar à tona da água. Sentimo-nos afogar, e os olhos, outra vez os olhos, encaminham-se para o céu. Vislumbram as folhas das árvores e reacende-se um brilho de esperança. Se, ao menos,...




Goya, Perro semihundido

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Richard Hawley

Foi uma descoberta recente. No início deste ano. Aconteceu um enorme prazer. O de ouvir uma música sentida, o de saber que ainda há quem componha música assim. Músicas e poemas compostos com a fragilidade do belo e a indignação por uma sociedade manietada por maus políticos. O último trabalho de Richard Hawley é disso prova maior. Revela um autor em conflito de criação, alguém que sente o impulso de criar o belo, mas não consegue deixar de se influenciar pela sociedade devastada pelas consequências destes últimos anos em crise. Talvez por isso mesmo, só se sinta bem em Sheffield, onde nasceu.


Ontem aconteceu a primeira possibilidade de o ouvir e ver ao vivo. Fantástica a entrega, músicos muito bem sintonizados com ele. O público com uma idade maioritariamente nos "entas" reflectia a maturidade exigida. Apenas umas poucas centenas, pois o homem (quase 46 anos) é pouco conhecido, assistiram, de pé (a Elizabeth McGovern, 51 anos, presente na proximidade, ilustrou o tipo de público, e...subiu na consideração).
Da set list, faltou a favorita pessoal Roll river roll. Restam as gravações, para saciar o apetite, os videos de menor qualidade (como estas fotos ontem tiradas) até que um dia apareça um DVD oficial, coisa que, apurada em conversa com o staff, não parece muito provável.
Até à próxima Hawley.