segunda-feira, 16 de maio de 2011

Portugal











Portugal, embalado para a falência (bancarrota=quando persistentemente se gasta mais do que se ganha).

Portugal, deixado aos políticos. Portugal, economicamente intervencionado.

Portugal, que vai voltar à emigração.

Para não deixar de te amar, Portugal, preciso arrancar as palavras de Miguel Torga, e espalhá-las aqui.




Hoje, sei apenas gostar duma nesga de terra debruada de mar (Pátria).


O berço! Não há ninguém que não trema diante desta palavra. Tudo a depender dela, o bom e o mau, e a gente sem poder nada! (Minho).

 
Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite (Trás-os-Montes).


Patético, o estreito território de angústia, cingido à sua artéria de irrigação, atravessa o país de lado a lado. E é, no mapa da pequenez que nos coube, a única evidência incomensorável com que podemos assombrar o mundo (Doiro).


O indivíduo que põe num cabelo o valor de todo o corpo é um ser completo. Da cabeça aos pés, passando pela alma, a sua unidade não tem fendas, e joga como um bloco maciço. É uma força invencível (Porto).


Do caldo de couves faz um manjar, do azeite uma tibornada, da lã churra um cobertor de papa, e da carne de cabra uma chanfana de endoidecer. Faz estes milagres sem grande imaginação, pouco poeta e pouco artista, mas hábil, engenhoso e prático (Beiras).


Bem talhada, vistosa, favoravelmente colocada entre Lisboa e o Porto, a primeira, marítima, a segunda, telúrica, uma a puxar para fora e outra a puxar para dentro, ela representa uma neutralidade vigilante, fazendo a osmose do espírito que parte com o corpo que fica. Do espírito que vai, ou deve ir, a todas as aventuras do mundo, e do corpo que tem raízes imutáveis no chão nativo (Coimbra).


Sempre Atlântico, praia... e pescadores. É certo que de cada popa se vê um Portugal diferente, conforme a latitude: verde e gaiteiro em cima, salino e moliceiro no meio, maneirinho e a rilhar alfarroba ao fundo (Litoral).


Os moinhos de vento, que polvilham luz nos outeiros, fingiriam ainda de gigantes desbaratados nos sonhos quiméricos dos actuais Quixotes do gratuito (Estremadura).


A própria fúria das ondas, que querem destruir o fantasma, minando-lhe a alma, é um sinal. Por toda a parte do mundo onde chegámos vai a erosão do tempo destruindo os alicerces dos padrões que erguemos (Berlengas).


O toureiro português é a prova de que nem tudo no homem é cobardia de açougue, mistificação vegetariana. A vida é um desempate permanente, e o que é preciso é jogar com limpeza e formosura em cada número da caprichosa roleta (Ribatejo).


A nação não morre de amores por Lisboa, e sabe-se que Lisboa lhe paga na mesma moeda. É uma mútua hostilidade latente que os anos não suavizam. Talvez mesmo que lá no fundo, no fundo da desavença, não haja senão um sentimento de culpa comum, a mesma mágoa inconfessada duma desgraça que abrangeu toda a nação, mas que tem na capital o seu estigma indelével (Lisboa).


Será talvez alucinação de poeta. Mas porque nela se documenta inteiramente a génese do que somos, o que temos de lusitanos, de latinos, de árabes e de cristãos, e se encontra registado dentro dos seus muros o caminho saibroso da nossa cultura - se estivesse nas minhas mãos, obrigava todo o português a fazer uma quarentena ali (Alentejo).


Casas cujos telhados, nem de colmo, nem de lousa, sejam açoteias de harém para um amor livre e espontâneo ao luar; gente que se não cubra de croças nem de pelicos, mas ponha a sombra preguiçosa dum guarda-sol sobre a quentura do corpo; e figueiras pequeninas, anãs, sem toco, onde nenhum Judas se possa enforcar de remorsos. Um paraíso em que a maceração cristã não entre de maneira nenhuma (Algarve).

 
Como aquelas realidades que se desconhecem, embora continuamente presentes a nosso lado, assim o teimoso promontório da esperança, há séculos, permanece ignorado junto de nós. E as próprias ondas, cansadas de tão estranho absurdo, escavam nas ilhargas do rochedo e minam-lhe os fundamentos. Indignado, o "mar português" quer destruir o pesadelo, ou, pelo menos, transformá-lo numa ilha onde não possam chegar peregrinos da impotência. Quer destruí-lo, ou separá-lo de Portugal (Sagres).