quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Lavar os olhos



A propósito dos prémios aos artistas contemporâneos, senti necessidade de lavar os olhos. Precisamente com o que deu o nome à corrente Impressionista.

Monet, impressions sur le levant

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Prémios




Desta vez foi o prémio Turner. Atribuído a L.Himid. Porquê? Por ser preta, africana e ser a mais idosa premiada? Por ser uma voz que reflecte a desigualdade entre pretos e brancos? e entre homens e mulheres? Por mérito (outstanding artist)?
Sendo este o prémio mais importante para a arte contemporânea, e ao olhar para os últimos premiados, parece-me que a arte contemporânea nada tem de disruptivo, e de contemporâneo só tem a data da criação.
A justificação oficial baseia-se nas três exposições que a artista fez em Oxford, Bristol e Nottingham. Só?

O mérito dos artistas e das suas obras passará sempre pelo imenso crivo das apreciações subjectivas.
Já os prémios podem resultar de enviesamentos da subjectividade, reflectindo posições políticas (do politicamente correcto ao incorrecto) e sociais. Parece-me ter sido este mais um caso em que o mérito foi ajudado pela avaliação sócio-política.

Lubaina Himid, Le Rodeur e It´s nice that

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estratégia


A nossa incapacidade em estabelecer uma estratégia de desenvolvimento socio-económico, nem nos deixa saber se seríamos capazes de a executar.
A nossa incapacidade de organização tem sido esquecida e desvalorizada pela nomenclatura medíocre que ostenta uma forma de exercer o poder de curto prazo sem responsabilidades de longo prazo. Pior, uma nomenclatura que não se tem cansado de elogiar a qualidade única dos portugueses, a sua capacidade de improvisar saídas de situações menos boas. O desenrascanço. Uma falsa qualidade: a improvisação é inimiga da organização e, sem esta, não se faz nascer uma estratégia que permita construir um futuro.

Bateu-nos à porta uma catástrofe devastadora do eco-sistema. Depois dos incêndios terem destruído a componente verde daquele, virá a contaminação das águas com as chuvas sujas que arrastarão consigo para os lençóis freáticos as cinzas e outros poluentes.
A água é um bem cada vez mais precioso - uma evidência esquecida, descuidada.
Segue-se a desertificação, que também nos ameaça bater à porta. Planos? Estratégia? para a combater? Para quê, se sabemos desenrascar-nos...

Não temos orientação própria num mundo globalizado, que nos retira progressivamente a independência. Até nem seria mau de todo, esta forma de dependência, caso os dirigentes europeus (e mundiais) não fossem globalmente medíocres ou mesmo maus. Nem por esta via podemos esperar orientações que nos encaminhem para uma alameda de desenvolvimento sustentável. Que nos obrigue a salvaguardar os recursos essenciais, cada vez mais ameaçados pela tropicalização invasora que nos irá secar a garganta, uma vingança natural do despeitado aquecimento global.

Portugal não tem outra via que não seja a protecção dos seus ameaçados e erodidos  recursos naturais, que não seja o investimento em recursos renováveis, para uma independência energética, num cenários real de ser um país com grandes rios que nascem em Espanha, país que também será devastado no avanço da tropicalização do sul da Europa.

Temos tanto Mar!

E temos tão pouco tempo para reagir ao desperdício que a falta de estratégia permitiu.
De cá, da Europa, do Mundo, não se veem estrategas.

No fim, sobram-nos as obras que tantos compositores musicais escreveram: os Requiem.



Hopper, Automat

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Os novos Cruzados


Os robertos começam sempre com pezinhos de lã e acabam à traulitada. Esta imagem de infância é a que me ocorre com a avassaladora onda de moralistas que se tem vindo a abater sobre os meios de comunicação, agora incluindo as chamadas redes sociais.

Estes novos Cruzados começaram de mansinho, opinando sobre as touradas, sobre a alimentação saudável, enfim, sobre como ainda somos uns selvagens. Ganharam audiência e prosseguiram, agora num tom mais firme, sobre os homofóbicos, sobre a igualdade de géneros, sobre as minorias, sobre o racismo. Num pulo, sobre os múltiplos fascismos e, por isso, sobre a necessidade de acompanhar a sua condenação com uma injecção de normativos, impondo o que é correcto e recusando liminarmente o que é incorrecto. Sem mais, abolindo o contraditório.

Assiste-se, por todo o lado, a humilhações e a condenações gratuitas infligidas, por estes moralistas, sobre quem demonstra ser politicamente incorrecto. E rapidamente, mas onde menos se poderia esperar fragilidade de pensamento, nas escolas e universidades, são impostas regras de conduta e, mais grave, proibições sobre conteúdos educacionais que propiciem a difusão do incorrecto. Qualquer figura da História da Humanidade que, aos olhos destes moralistas, tenha representado algo incorrecto (por exemplo, estudar Nietzche ou Wagner, pode ajudar a difundir pensamentos incorrectos).

Existe aqui uma fobia de contaminação que está a ser combatida por estes novos Cruzados, tentando reescrever a História, pela eliminação de protagonistas do pensamento politicamente incorrecto. Este crivo censório tem vindo a crescer e a alargar-se a todos os comportamentos sociais. O que é correcto comer, ler, usar, ensinar, dizer, fazer. Uma ditadura nascente, em nome da libertação das minorias pesadamente oprimidas ao longo dos séculos. Em nome de uma igualdade, rasga-se a História, e impõem-se comportamentos. Este Cruzados usam os meios de comunicação para impor pensamento e regras sobre o que deve ser socialmente aceite, vigiando-se uns aos outros, nas purgas e na sua aplicação.

Mas a igualdade conquista-se na evolução da Humanidade, faz parte do nosso avanço cultural. Considerar que a igualdade se impõe, rasgando as páginas da História onde figuram figurões indesejáveis, é ignorar que os contextos passados explicam onde chegámos e como chegámos.
Assiste-se a este retrocesso cultural, que não pode acabar bem, pois ao amputarmos a explicação do que somos hoje, vamo-nos perder na desorientação de um colectivo falaciosamente justo.


Chichorro, roberto

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Manifestações artísticas



Quantas vezes dou por mim a ver ou ouvir manifestações de arte, com letra muito pequena.

Como a absorção dessas manifestações é subjectiva, passo por cima da hipótese acusatória de eu não a compreender. Porque, para mim, a Arte não é essencialmente para ser compreendida, mas sim sentida, por todos os sentidos.

Dos abstracionismos que nada me dizem, até às instalações que literalmente gozam com o espectador; da música experimental até às performances que só visam chocar o espectador; do vestuário criado para absoluto desconforto até à cozinha gourmet mais avessa ao prazer do consumidor. Tanta arte feita apenas para ser diferente, para chocar sensibilidades e chocar contra o que existe. Enfim, arte feita para esconder a capacidade de inovar, de criar, algo que seja aprrendido com prazer.

Porque razão se assiste a uma movimentação galopante destas manifestações de arte? Sempre houve disrupção com o estabelecido: a Arte é disruptiva. Mas ultimamente assiste-se a um multiplicar de nadas que, me parece, reflectem a sofreguidão de viver um presente, de qualquer maneira, sem sofisticação que eleve a qualidade humana, porque se tem medo do futuro.

Estas manifestações de arte não são, de facto, o meu carpe diem.

P Calapez, arte sem querer

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Opera inspirada em Filme



A ópera reinventa-se. Para além da sua inserção nas novas corrente musicais, ela abraça agora a inspiração que alguns filmes lhe dão.

O compositor Thomas Adès estreia este ano The Exterminating Angel, inspirado no filme do mesmo nome de Luis Buñuel. Aqui o surrealismo a não facilitar a aparição da banalidade.

Pela sua forma de filmar as emoções, creio que Hitchcock daria um bom "realizador" de ópera. E sei a falta que faz um grande director nas produções operáticas dos dias de hoje (va de retro Castorf). Inspirado no seu Marnie, vai também estrear a ópera homónima de Nico Muhly.

Estamos, então, perante uma nova corrente, em que os libretos se vão inspirar nos filmes. E aqueles exemplos não são os primeiros a marcar esta tendência. Nina Stemme já fez o papel da Ingrid Bergman (outra vez Hitchcock, agora com Notorious) na ópera Notorious de Hans Gefors. Talvez a primeira experiência tenha sido em 2000, com Dead Man Walking, de Jake Heggie, que a repetiu com It´s a Wonderful Life de Frank Capra.

Mas parece que a tendência está agora a acelerar: Este ano já estreou a Autumn Sonata de Sebastian Fagerlund, baseada no filme de Ingmar Bergman; Charles Wuorinen compôs a sua Brokeback Mountain; Olga Neuwirth pegou no Lost Highway de David Lynch; Missy Mazzoli adaptou Breaking the Waves de Lars von Trier (este senhor foi sondado para fazer o Anel em Bayreuth, o que prova que existe uma ligação entre a direcção de um filme e a de uma ópera); Poul Rudders pegou em Dancing in the Dark, também de Triers.

Que se passa então? É só uma corrente natural entre Livro, Filme e Ópera (recordo o Parsifal de Hans Jurgen Syberberg, porque me é muito caro, pois muitas outras óperas passaram a filme).
Mas, não será que existe um explicação mais comezinha para esta tendência? Creio que poderá também existir uma explicação comercial, na medida em que uma ópera de um filme sucesso de bilheteira, atrairá certamente mais público.

E aqui chegados, se assim se provar que as audiências operáticas aumentam com o fluxo Livro-Filme-Ópera, estaremos perante o alargamento dos horizontes hollywoodianos às salas de ópera. Será a fase dois do que o Met de NY nos dá todos os anos ao difundir as suas óperas nas salas de cinema selecionadas pelo mundo fora.

Resta esperar a que a composição musical supere a facilidade com que aquele fluxo pode cair na banalidade, e que o feitiço não se volte contra o feiticeiro.


Zao Wou-Ki

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Aspen, the magazine in a box

 

 


Aspen, the magazine in a box (não confundir com a homónima que hoje se publica). Uma grande ideia nascida em 1965. Uma ideia genial, a revista vinha numa caixa cheia de material representativo dos temas abordados editorialmente.
Uma caixa especial. Que seguiria uma temática em cada número: podia conter publicações desdobráveis, discos vinil, filmes 8 mm, etc. A revista pretendia ser um repositório do que se passava na linha da frente cultural de então. Literalmente, arquivando exemplares dessas manifestações artísticas.

No seu primeiro número, a editora Phyllis Johnson anunciava numa carta que a revista tinha por objectivo ser uma "magazine" no sentido original da palavra "magazine": um armazém. Que recolheria testemunhos do seu tempo, num formato 3D, incitando quem fizesse os anúncios para a revista, a seguir o mesmo princípio, fazendo incluir amostras dos seus produtos.

As tradicionais páginas agrafadas não existiriam enquanto formato da revista, e os artigos seriam unidades independentes de formato e cor diversos, ilustrados com todo o tipo de materiais, que fisicamente fariam parte da caixa.

Assim, esta maravilhosa aventura editorial, que a partir do seu terceiro número teve como editor Andy Warhol, atravessou a cena de performance nova-iorquina, o movimento minimalista até ao movimento Fluxus, recebendo colaborações, para além de Warhol, de David Dalton, George Macinus, Dan Graham, Brian O´Doherty, William Burroughs, Merce Cunningham, Gerard Malanga, John Cale e Velvet Underground, La Monte Young, Yoko Ono e John Lennon.
A mim, encantou-me a preciosidade da décima sonata de Scriabin num delicioso vinil.

Durou 10 números, morrendo em 1971 a linda ideia de transmitir numa caixa "all the civilized pleasures of modern living, based on the Greeek idea of the whole man as exemplified by what goes on in Aspen, Colorado, one of the few places in America where you can lead a well-rounded, ecletic life of visual, physical and mental splendor".

Uma viagem por aqueles dez números em www.ubu.com/aspen.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A Monarquia



Sempre considerei a monarquia a forma de governo menos má.
As personagens que encarnam o papel de soberanos têm tido, todavia, um desempenho descredibilizador da instituição Monarquia. É tudo um infeliz sinal dos tempos deficientemente cívicos. De gente cada vez menos preparada, e sem qualquer sentido de Estado.
Ontem à noite, foi a vez do rei vizinho. Numa intervenção cheia de expectativa perante os tristes acontecimentos na Catalunha, o rei falou para apontar o dedo acusador, esquecendo o seu papel, não produzindo qualquer esboço, sequer, de solução. Seguramente, conseguiu que o número de republicanos crescesse.
E assim, de reizinho em reizinho, se vai caminhando para o fim das monarquias. Em substituição da inutilidade monárquica, as repúblicas e os seus sufrágios abertos a todos os níveis culturais e cívicos, irão produzindo crises sem árbitro, ao livre arbítrio das mesquinhas ambições individuais e/ ou partidárias. Os exemplos abundam, e estremecemos com eles. Basta olhar para o outro lado do Atlântico.
Repito, só com um povo educado, a humanidade se pode desenvolver com dignidade e garantindo uma gestão governativa elevada.

Keith Haring, king and queen

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O Artista inocente


Aqui, outro quadro de Ackermann, inocente sobre o tema do texto anterior. Explico a escolha. Escolhi Ackermann porque quando fotografei os seus quadros na Lenbachhaus, me fizeram lembrar o labirinto do poder local, e o quão mal as populações estão entregues a uma classe proliferante de políticos instantâneos.

Política, grau zero


Eleições autárquicas e Portugal. Se dúvidas houvesse, elas rapidamente se dissipam e dão lugar a um constrangedor sentimento de impotência para riscar a grande maioria dos candidatos de qualquer das forças em competição.
Basta olhar para os cartazes mal escritos, com erros mesmo. Depois vem o pior, ouvir os candidatos, o que eles pensam - quando conseguem pensar - e a forma como o dizem.
Como é possível que os dirigentes partidários permitam entregar o País à boçalidade e à falta de ideias e projectos comunitários!
Como pode o País - nós - continuar a permitir a propagação de pessoas tão mal preparadas para elaborar e concretizar projectos para as populações!
De novo embatemos na falta de cultura, de bases educativas, das populações. E assim chegamos aos Governos, cujos ministros pouco ou nada fazem para mudar drasticamente este estado de coisas. Criando, por exemplo, disciplinas de consciência cívica ministradas por professores exigentemente seleccionados, que acordem os jovens, que por sua vez acordem os pais. Que os façam ser exigentes e pedir responsabilidades aos autarcas eleitos.
E assim, progressivamente, Portugal ver-se-á livre do caciquismo referendado eleitoralmente pela inteligência dormente, analfabeta.


Franz Ackermann

Estado compra 6 quadros de Vieira da Silva


Sempre me fascinou a obra de Vieira da Silva, e em particular esta sua Biblioteca.

Foi hoje publicada uma Resolução do Conselho de Ministros que autoriza a compra de 6 obras da pintora por 5,6 milhões de euros.
Sem espalhafato, vejo com agrado investirmos para enriquecer Portugal

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Ainda em modo Bayreuth



Hodgkin, Portrait of the Artist listening to Music

terça-feira, 5 de setembro de 2017

O cavaleiro azul


Foi no início do séc.XX que um punhado de pintores formou um grupo a que chamaram Der Blaue Reiter. A força das cores e a influência do impressionismo conduziram a resultados distintos.
Embora Kandinsky seja o meu favorito, não deixa de ser interessante olhar para as obras destes pintores, e imaginar o seu tempo, as suas discussões, os seus gozos.
Aqui fica uma obra que escandalizou as sensibilidades da época, imagine-se, porque o artista se atreveu a pintar de azul um cavalo. O situacionismo disruptivo sempre foi mal visto pelos que se recusam a sair das suas zonas de conforto.


Franz Marc, Cavalo azul

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Anti-Liebestod



Neste poema de Ruy Bello, a morte sem transfiguração. O anti-liebestod do Tristão. Ou como a antítese ajuda a compreender a tese.

Através da chuva e da névoa

Chovia e vi-te entrar no mar
longe de aqui há muito tempo já
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Mais tarde olhei-te e nem te conhecia
Agora aqui relembro e pergunto:
Qual é a realidade de tudo isto?
Afinal onde é que as coisas continuam
e como continuam se é que continuam?
Apenas deixarei atrás de mim tubos de comprimidos
a casa povoada o nome no registo
uma menção no livro das primeiras letras?
Chovia e vi-te entrar no mar
ó meu amor o teu olhar
o meu olhar o teu amor
Que importa que algures continues?
Tudo morreu: tu eu esse tempo esse lugar
Que posso eu fazer por tudo isso agora?
Talvez dizer apenas
chovia e vi-te entrar no mar
E aceitar a irremediável morte para tudo e todos


Calapez, maiorca

Sem Sheppard


O mundo vai empobrecendo de cada vez que desaparece alguém com valor. Sendo valor, a forma de evolução humana. Há semanas foi Sam Sheppard. O mundo Sem Sheppard e a sua acutilante palavra. Lembrei-me, a propósito do sublime Tristão a que assisti na colina verde. Por causa do Amor. Disse Sheppard que o Amor é a única doença que nos faz sentir melhor.


Pedro Calapez, suave paisagem

Lenbachhaus


Na imperdível Lenbachhaus, a descoberta de Corinne Wasmuht.
Uma pintura pictórica, onde a velocidade da vida que atravessa o nosso tempo aparece desconstruída. As telas de grandes dimensões esmagam o olhar e, é pena que as salas que as acolhem sejam pequenas para a perfeita absorção do todo.



Na sua obra noto um conflito existencial em quem quer enfrentar a vida com todas as suas contrariedades, um conflito íntimo entre a parte de nós que quer pegar o touro pelos cornos e a que hesita e prefere a imobilidade como resposta, e assim correr o risco de ser atropelada pelo touro, ou ter a sorte de ver o touro desenfreado passar por si sem lhe tocar.


O indivíduo acaba isolado. No meio da multidão.





quinta-feira, 27 de julho de 2017

segunda-feira, 24 de julho de 2017

o Tempo sem tempo


Que tempo é este? Em que não se tem tempo para nada. As pessoas correm em função das múltiplas apps. Escravidão tecnológica, criada para ajudar. Mas que subjuga sem apelo nem agravo. E quem se julga independente, acaba também por conceder demasiado tempo do seu tempo.
Acordo com a sensação de não ter tempo... Tempo para quê? Para isto e para aquilo. Para apreciar a Arte, para comungar com as diversas formas de Arte, para falar, para rir, para gozar o Verão de um choupal, para dormir no Inverno da cidade. Mas principalmente para prolongar o tempo que, de outra forma, se esvai como uma ferida insarável.
Depois, há a consciência atormentada de se saber que o tempo que nos resta é limitadamente curto. E aqui chegados, podemos fugir do futuro, viver o presente até à exaustão. Fugir para um lugar longínquo, onde o tempo é outro tempo, mais largo, mais amplo, com mais espaço para preencher, depois de se ter deitado fora o lixo que nos asfixiava. Fugir, então. Que luxo!


Gerhard Richter

terça-feira, 18 de julho de 2017

Foi Deus quem escreveu o Tristão



Recordo Calipso e Ulisses, e o Amor dela por ele. Por amor deixou-o partir. Não há forma mais altruísta de amar que esta, a de deixar ir. Por contraponto à outra forma de amar, a egoísta, onde amar é possuir.

Será interessante olhar um pouco para o Amor em Wagner. É um Amor transfigurado, porque percorre aquelas duas formas até se sublimar no derradeiro sopro de vida.

Nunca como no Tristão o Amor aparece tão superiormente tratado! Do erotismo à posse e entrega, passando pela abnegação de preferir morrer e assim libertar o outro das amarras invisíveis do sentimento, até à recusa de liberdade que esse outro veementemente canta numa transfiguração de morrer de e por amar.

Junto este mar ondulado de sensações e sentimento, à música. Foi Deus quem escreveu o Tristão.

Gerhard Richter, abstraktes bild

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Dói-me a vida aos poucos


Tudo tem um fim e antes da própria vida o conhecer, outros fins, alguns dolorosos outros nem tanto, se perfilam ao longo do seu percurso. Todos eles têm, por definição, um início. E, normalmente, em cada início há uma reinvenção pessoal.
Este final de ciclo que estou a conhecer é inglório, porque faz parte da decadência desta sociedade. Por isso, outro ciclo de vida se iniciará. É preciso apenas capacidade de nova reinvenção.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Os números e o alfabeto



Pegam-se nos grandes nomes, nos que têm conseguido mais mediatização, e ultimamente, verdade seja dita, nos que melhores resultados têm conseguido com as suas equipas. Porque os números saõ the name of the game.
Anunciam-se transferências destas pessoas, de uma equipa para outra, com remunerações fabulosas. Os números são o objectivo. E não está errado, desde que num contexto equilibrado. Porque não falo do jogo desportivo, de jogadores ou treinadores.
As equipas de que falo são bancos. Os players de que falo são gestores. Que sabem usar os media para os ajudar a chegar ao topo.
Tudo bem desde que o topo não seja colocado, por eles, tão alto que percam de vista, o alfabeto, a estrutura onde têm de se apoiar. Porque os números, para a sua existência, precisam do alfabeto.


Jasper Johns

A opinião falsa


Os media (com amplo destaque para os canais generalistas de televisão), por razões que agora não interessa aprofundar, socorrem-se ad nauseum de comentadores, alpinistas do "fazer pela própria vida", e que dão má fama aos comentadores que fazem crítica honesta.
Aqueles têm, por marca de água, anunciar em primeira mão factos e/ou desenlaces dos temas que estão na ordem do dia, sem preocupação pela potencial identificação das fontes que neles confiaram ou que deles se usaram. São sempre porta-vozes, com total falta de sensibilidade cívica, em sede própria ou na forma de bonecos de algum ventriloquista. De qualquer forma, estes comentadores põem a projecção mediática da sua imagem à frente de tudo, numa competição desenfreada para anunciar o maior "furo" jornalístico que os possa colocar no pedestal da cotação política.
É mais uma vertente impúdica desta sociedade do espectáculo, deste clima civilizacional.
Vale tudo, desde que não se tenha qualquer réstia de escrúpulos. E assim avança a ditadura dos chico-espertos, autênticos bulldozers que têm vindo a arrasar os alicerces das estruturas que ainda sustentam a nossa forma de civilização. Não para construir uma melhor, mas para conseguirem satisfazer a sua ambição egoísta.

Jasper Johns, false start

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Passado Presente Futuro



Fala-se de tudo. Mas falar de tudo é o quê? Tudo é a actualidade, o que está a acontecer, enfim, o Presente.
Mas, regra gera, fala-se sem pensar. Pensar é perspectivar para compreender, para poder ter uma visão justificada do que pode significar o Presente. Pensar tem de ser olhar para o Passado, procurar as ligações do Passado ao Presente, e assim compreender e justificar que o efémero hiato entre Passado e Presente é um tempo contínuo que nos transporta para o Futuro. E o Futuro deixa de o ser quando vivemos, tal como o Presente rapidamente se transforma em Passado.
Pensar é conseguir a compreensão destas ligações. Só assim conseguimos compreender o Presente que estamos a atravessar e então equacionar o que pode ser o Futuro.
O que se nota cada vez mais, é que ignoramos o Passado, os seus ensinamentos, e nos espantamos com o que acontece no Presente. Seja o surgimento (ou antes, ressurgimento) do populismo. Seja o desmoronamento social. Seja a tomada do poder pelos menos capazes.
Deixámos de pensar, já só falamos. Com pressa, à velocidade das movimentações nas redes sociais, que anestesiam a mente, tornando-a preguiçosa demais para pensar. Descuramos o desenvolvimento da inteligência e deixamos o mundo entregue à instalação da esperteza. E esta, salvo raríssimas excepções, não anda de mãos dadas com aquela.
Até percebermos este perigo de não sabermos ligar Passado Presente Futuro, iremos conhecer um Presente que não entendemos e que nos vai fazer sofrer.


C Brown, untitled

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Intervalo





Talvez um dia junte mais escritos, sempre inspirados no Tristão. Mas um intervalo impõe-se, por quem sabe mesmo escrever.

Para a dedicação de um homem - Ruy Bello

Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo de searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia



Cecily Brown, flightmask

A Rosa - A Manhã - A Ternura




A Rosa

 
O amor às escuras tropeça
Sem faro e cego
Percorre caminhos secretos
Sem pétalas
Tacteia na memória e no sonho
Sem adormecer

O amor torna-se longínquo
Sem verão e sem primavera
Abandona-se à intempérie
Sem chuva ou sol
Cravejado de espinhos
Sem sangue ou dor

O amor não tem feridas
É uma rosa que não se vê
Com pétalas que são caminhos
Onde se atravessam espinhos

A menos que este choro
Da minha alma
Seja de dor
E estas lágrimas
No meu peito
Sejam sangue
E a rosa sejas tu.

 

 


A Manhã

 
A manhã parece subir
Mas é engano sem ser feitiço
De facto, desce cada vez mais
Enterrando as trevas sob os seus pés
Empoleirada nos meus ombros
Às cavalitas da minha perplexidade
 
Eu não quero esta manhã!
Nem mais uma manhã!

Para onde vai o meu querer
Tão frágil, todo ele feito de sonhos
Esfumados todas as manhãs
Evaporados no enterro de cada noite
Destruídos por esta manhã
E por todas as que se lhe seguem
 
Eu não quero esta manhã!
Nem mais uma manhã!

E a manhã tomou a forma do rio
Onde não me quero afogar
E desenhou a montanha
Onde não me quero perder
Não quero ter a certeza
De que amanhã haverá outra manhã.

 

  

A Ternura

 
A ternura é desejo que desaba
É solfejo que desafina
Já não procuro nos desencontros
Ternura igual à dos meus sonhos.

Olho as tuas fotografias amarelecidas
Vítimas do tempo sussurradamente eterno
Mostram-me o mundo que me é externo
Castigam-me com a memória do que me é interno
E deixam-me o sabor faminto de cada teu gesto terno.
 
Já não procuro nos desencontros
Ternura igual à dos meus sonhos
Busco antes os sonhos
E não os encontro.



C. Brown, girl on the swing
 

O Escravo - Desculpa - Dias - Naked Soul




O Escravo

 
Tu, túmulo ainda vazio
Tens sede de mim
Fica sabendo esta certeza
A escrita é o meu amo
E só ela dirá quando for chegada a hora.
 
Nasci para viver
Fui crescendo à procura da vida
Tornei-me escravo de procurar
Esqueci-me de quê
Hoje sou escravo de escrever
Aprendiz daquilo para que nasci.

 

 

 

Desculpa

 
Desconheço arte ou sabedoria
Não sei como pedir desculpa
Talvez tudo tenha sido um acaso
E eu não seja verdadeiramente culpado.
 
Mas como namorar o tribunal
Palco de vidas moribundas
Por onde se passeiam sentimentos
Que não senti, vozes
Que não ouvi, luzes
Que não vi.

Junto-me aos que me acusam
Tento diluir-me nas sua personagens
Mas não sei ser actor
Por isso, olho-os a todos de frente
Abrindo os braços às suas luzes e vozes
Acolhendo os seus sentimentos.

Afinal sei, como pedir desculpa
Por ter nascido e por ainda viver
Num corpo mortal cuja alma
Desgraçada, nem aprendeu a respirar.

 

 
 
 

Dias

 
Dias que só a agonia aquece
Transformando a esperança numa lareira
Apagada
 
Dias como fogões acesos sem calor
Capaz de derreter os farrapos das paixões
Moribundas
 
Dias que rezam pelas noites que tardam
Lançando bênçãos à paralisia do mundo
Amaldiçoado

Dias que arrepiam o pensamento
Desequilibrando-me nos píncaros das
Dúvidas

Dias a que me agarro de olhar vago
Para melhor me perder na pequenez dos
Espaços
 
Dias que escorrem pela vida
Como sangue fugitivo aos tropeções
Nas ruelas.

 

 

 

Naked Soul ( to Tindersticks )

 
This wind swirls your scent
Into my memories
My soul drifting
Drinks the sea where you drowned

I dive deeper and deeper
To get this wind away
From my mind
But this sea shivers my naked soul
Gathering the broken pieces of my memory

Please mermaids drown me
In your nymph dreams
Save my naked soul
Lost to be found
Save this wretched soul
From this quaking ground

This wind brings the velvet of your skin
Into my memories
My soul deadly kissed
By the rage of my anxieties

I need to drink your sighs
To get this thirst away
From my mind
But this sea is so cold
Is frozening my naked soul

Please mermaids drown me
In your nymph dreams
Save my naked soul
Lost to be found
Save this wretched soul
From this quaking ground

There´s no wind anymore
Without memories
My soul is lost inside of you
Dreaming to be found by you

There´re no colours anymore
Erased by my jealousy
Of your kisses stolen by your breath
Forgive me darling, for this naked soul
Jealous of the air you breath without me

Please mermaids drown me
In your nymph dreams
Save my naked soul
Lost to be found
Save this wretched soul
From this quaking ground

 
 
C Brown, service DeLuxe

Vintage - (Con)Vocação - Massacre - O Disfarce - Os Poros - A Magia - Os Lobos



Vintage

 
Choro pedras que não se vêem,
Lágrimas que não consigo engarrafar
Líquido impossível de te oferecer
Preciosa colheita de segredos
Chorados em desperdício vintage.

Choro pedras que só eu vejo,
Beijo tormentos de corda rude
Corda com que adorno o meu pescoço
Pronto para iniciar uma viagem sem regresso
Acompanhado de desperdícios vintage.

Olhos abertos num impulso
Salvo por uma reles intuição
Duvido do medo com medo da dúvida
Só porque estou possesso
Desta vontade de chorar pedras… vintage.

 

 

 

(Con)Vocação

 
Convoco a noite
Nela me derramo com insólita vocação
Convoco o silêncio
Nele me escuto com devota vocação
Convoco a luz de cada penumbra
Nela me vislumbro em assomos de penitência
Convoco ar, terra, água e fogo
Convoco espíritos aprisionados
Convoco o que não existe
Juro que por vocação.

Em tudo me procuro
Não sei nunca o que encontro
Eu? Tu? Bocados de mim?
Triste fado este
Procurar por vocação
Encontrar por convocação.

 

 

  

Massacre

 
Morrer é alívio estupro
Viver estas penas é massacre
Saber desta vida é sofrer
Contar o tempo de vida é morrer.

Parem este tempo destravado
Ardina do amanhã sem mim
Corredor demasiado célere
Companheiro da minha caminhada;
Hoje sinto a certeza dúbia
Se eu parar o traidor continua
Serei mais um que por aqui passou
Participante obrigatório no massacre.

De que fibra és feito tu, tempo
Abençoado por todas as maldições
Ignorante da dor de sentir
Monstro neste cenário de massacre
Contabilista de mortes e nascimentos
Máquina de corda perpétua
Inveja do meu coração cansado,
Eu fico aqui e tu para onde continuas?

Falta-me a tua força anímica, tempo
Respiro este ar que me asfixia
Não consigo reter o teu sopro de eternidade
O meu corpo baixa os braços sem que eu queira
Os olhos fecham-se, rebeldes à minha vontade
Este coração pára, desobedecendo-me
As minhas cores ficam pálidas
Desistes, tempo, de me continuar a massacrar.

Morrer é uma forma de vazio
É deixar de aplaudir o espectáculo
Em que fomos exemplares figurantes
É, tão só, sair da arena do massacre.

Viver é perguntar “Para quê? “,
Viver é procurar responder
Viver é participar no nosso massacre
Morrer é um fim para a resposta.

 

 

 

O Disfarce

 
Alma de luto, olhar sem chama
Pés descalços sobre brasas
Ignoro as sombras que falam comigo
Deito-me em cama alheia
Respiro sem convicção
Custa-me acreditar que vivo
E assim nasce o meu disfarce.
 
Todas as manhãs me visto
Cores vivas sobre a alma
Óculos escuros, mesmo sem sol
Sapatos nos pés sem ferida
Assim passeio com convicção
Creio-me afastado da maldita morte
E assim nasce o meu disfarce.

Mas da morte fico ainda mais perto
Choro ao mesmo tempo que rio
Ostento a contracapa de mim
Suspiro quando finalmente estou só
Rasgo e queimo falsas convicções
Na fogueira onde ardem os despojos
E assim destruo o meu disfarce.
 
As pessoas chegam e partem
O meu porto recebe-as com indiferença
Teço uma teia de gestão de relações
Deito fora umas e guardo outras
Vou escolhendo sem convicção
Até que só esta fogueira me aqueça
E assim ressuscito o disfarce.

Cavalgo nas costas do medo
Sem querer ferir quem me ama
Inocentes por mim guardados
Por mim regados, para eu amar
Num amor que perde convicção
Construído a partir das ruínas
Onde quero sepultar o disfarce.

 

 

Os Poros

 
Meu corpo procura na névoa
Uma neblina transparente
Onde banhe toda a sua estrutura
Molécula a molécula
Onde perca os pontos cardeais
Da memória
Onde tome de empréstimo
O crepúsculo
Onde consiga ouvir a marcha fúnebre
Do verbo
Onde possa tocar uma vez que seja
Na minha alma
Onde, por fim, aprenda a respirar
Por todos os poros.

 

 

 

A Magia

 
Quero convocar os deuses
Receio o bocejar
Aviso que o meu corpo são cinzas
Que vou petrificar
Mas ainda não escolhi o formato
Não me vão acreditar
Pego na varinha mágica
Agito-a no ar
Vão ver do que serei capaz
Pronto! eis o bocejar
Esperem, vejam o meu novo corpo
Não consigo petrificar
Desisto, só vejo densas sombras
Num perpétuo oscilar
São um pêndulo entre a magia e eu
Condeno o meu fingimento
Repudio este meu ar
Em desalento, invoco ajuda
Que a morte me acuda!




 

Os Lobos

 

 

A noite cai à minha volta
Desce em largos voos
Poisa sobre os meus olhos
Leve.

Ao longe, uivos rasgam a calma
A imagem de lobos esquálidos
Poisa sobre os meu olhos
Tensa.

Horas esquecidas na serrania
Embalado nas melodias do pastor
Trinados que me hipnotizaram
Sons que me arrepiaram
Cenário que me cativou
Horas esquecidas que a noite enterrou.

O pastor dorme, os cães velam
Inquieto, o rebanho, pede sol
Sinto que o pasto interrompeu o verdejar
A escuridão bastou para tudo alterar
Não mais queijo, manteiga, leite para beber
Hoje vai acabar a alegria de viver.
Os lobos descem ligeiros
As encostas e os terreiros
As pedras tornam-se macias
Os olhos dardejam falsas carícias
Potentes ardis de atracção
Onde sinto presa a minha atenção.

Pastor e cães iniciam batalha
Lobos lutam por uma migalha
Sonhos e pesadelos pelo meio
Misturados em ébrio devaneio
Acordam-me desta letargia
A noite vai deixar passar o dia.

Os lobos sumiram por encanto
O pastor entoa o seu canto
Do rebanho… resto eu.

A noite levanta-se à minha volta
Sacode-me mas não me acorda
Deste torpor de respirar
Não me consegue avisar
Que a vida é o mote
Que persegue a morte.



C Brown, untitled