segunda-feira, 21 de abril de 2008

O tsunami silencioso

Existe flagrante excesso populacional para os recursos desenvolvidos. A fome alastra, as doenças instalam-se, o desespero comanda a razão, a Besta volta a contratar os 4 do Apocalipse. Vêm pela calada da ignorância, aproveitando do desconhecimento generalizado, invadem as populações que estão fora do circuito ocidental, dizimando pela fome. Para os ocidentais, arquivam-se números de vítimas, elaboram-se estatísticas para os compêndios que ninguém abre.

Começam a circular as notícias sobre a escassez de recursos naturais, o petróleo à cabeça, claro, as enissões de CO2, a necessidade de ser conscientemente verde,... E os ocidentais lá vão aceitando que alguma coisa poderá estar mal. E acreditam, porque gastam cada vez mais dinheiro para encher o depósito do carro. Toca-lhes.

Mas, também os preços da comida estão a subir. Toca aos que têm carro e aos que não têm. Aqui, sim, a gravidade é preocupante. É uma onda de devastação que se ergue. Fatidicamente imparável. Fome, subnutrição, doença e morte. Mata mesmo. Destrói e depois aniquila. Já dizimou muitos. Aqueles que estavam no limiar de rendimentos abaixo dos 50 cêntimos por dia. Está a atingir aquele bilião de pessoas - dizem as estatísticas do World Food Programme, agência das Nações Unidas - que têm um rendimento de 1 dólar por dia, que não sabem o que é carne, que reduziram o número diário de refeições; atinge aquela franja dos 2 dólares por dia, que tira os filhos da escola, que deixou de comprar vegetais para poder ter algum arroz. Imagine-se o efeito de expectáveis subidas de preço dos alimentos, na ordem dos 10, 20, 30%. Multiplique-se por aquele bilião, e veja-se o ritmo do seu alastramento.

Tudo isto se passa sem que nos capacitemos da verdadeira dimensão do problema. Apesar da globalização. Silenciosamente, o tsunami - como lhe chamou Josette Sheeran do World Food Programme - avança.

Pegunto-me por solucções. Levanto os olhos para os países ricos. Cegos de não querer ver. Fracos na vontade de atenuar as distorsões. Temos de distribuir tecnologia e não comida. Fazendo jus ao velho provérbio: se queres acabar com a fome do teu vizinho, não lhe dês peixe, ensina-o a pescar. Baixo os olhos, penso nos filhotes, tento soltar-me de tantas algemas...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O Homem sem Qualidades

Um pulinho para dizer que Musil já fala português. São dois volumes da obra monumental que qualquer Homem devia entender. Musil não chegou a escrever o terceiro volume. Teve de morrer, para dar cumprimento ao fatalismo humano. Nós, também nunca o leríamos. Por causa desse mesmo fatalismo. É mesmo assim, então. Lemos, e enquanto lemos, esquecemo-nos que a morte se aproxima de nós.
E tempo para ler?

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Vem aí mais plástico

Regista, meu blog, novo texto premiado pela RV deste mês:
Na sequência de alguma dificuldade da indústria vidreira em responder à procura de garrafas de vidro, o produtor de Bordéus - Castel - veio anunciar que está a considerar enveredar pelo uso de garrafas de plástico. Penso que está dado o pontapé de saída para uma revolução na forma de apresentar o vinho ao consumidor. A seguir ao progressivo abandono da rolha de cortiça vem aí a garrafa de plástico.
Claro que uma razão mais profunda sustenta esta movimentação: o preço crescente de uma garrafa de vidro. O produtor faz contas e a poupança financeira na substituição do vidro pelo plástico, vai repercutir-se certamente, mais na sua conta de exploração, do que na poupança passada ao consumidor.
Mas não é este o meu ponto. Ponhamos de parte aquela pequena franja de mercado de vinhos de topo que continuarão fiéis à cortiça e ao vidro. Olhemos para o consumo normal. E aqui, o que me assusta é o cenário de uma refeição acompanhada por vinho servido no mesmo tipo de vasilhame usado pelos refrigerantes consumidos pelos nossos filhos mais novos. Bom, lá terei de "decantar" todos os vinhos desse futuro próximo, para belas peças de vidro. Vou é ter de pedir às minhas filhas para procederem à operação de transvase, para eu não ver como vinha embalado o vinho que irei beber: olhos que não vêem...

Tudo bons filhos

Experiência:
Vamos pôr os filhos em copos, até meio, e perguntar aos respectivos pais como os vêem.
Resultados:
Uns viram-nos meio cheios, outros meio vazios; quase todos disseram, com irreprimível consternação: é preciso ter sorte com os filhos!
Mau sinal! Porque a sociedade, o país, precisa de bons filhos, bem formados, altamente capazes de a enriquecer sob todos os aspectos.

Serviu esta experiência, levada a cabo ao longo da vida e com fase desgastante no último fim de semana, para realizar aquela verdade insofismável sobre os abismos entre gerações.
É verdade, sofre-se ao reconhecer que pais e filhos vivem em realidades diversas. Ignoremos as excepções, pois é utópico nivelarmos a sociedade por elas.
Sofre-se, quando se é pai, por acreditarmos que não somos compreendidos. Solucção: ir ao encontro dos pensamentos dos filhos.
Sofre-se, quando se é filho, por acreditarmos que não somos compreendidos. Solucção: ir ao encontro dos pensamentos dos pais.
E quando somos pais e filhos ao mesmo tempo? Bom, para além de se sofrer duplamente, acresce um sentimento de impotência para encontrar um espaço de comunhão. A tendência é desistir, sofrer para um lado, sofrer para o outro, tentando equilibrar mais o lado dos filhos. Enfim, ignomínias das condicionantes da natureza humana.
A triste conclusão é que os pais mais velhos têm menos capacidade para se adaptar aos pais mais novos do que estes aos seus filhos. É preciso ter sorte com os pais!
Mau sinal! Porque a sociedade, o país, precisa de bons pais, altamente capazes de deixar uma herança de orgulho aos filhos.