sexta-feira, 13 de novembro de 2009

tindersticks


Pois o corpo foi-se, ficou a alma.
Mesmo assim, Staples continua a produzir boa música. Esta é a capa do disco que sairá no fim de janeiro. Acho-a linda. Só conheço ainda uma canção do disco. E não lhe faz justiça. Temos pena.
Os sticks sem Dickon perderam o corpo que pegava na alma criadora e a embelezava irresistivelmente. Ambos os mentores continuam a fazer música e boa, um fá-la sem corpo e outro sem alma. O mundo perdeu a genialidade da melhor banda de sempre.

Coincidências


E coincidências? existem mesmo? ou têm significado porque nada acontece por acaso? Há dias ouvi uma história de coincidências. Simples: dois amigos que pouco se falavam teriam pensado um no outro no mesmo dia e entraram em contacto. Mas um deles sonhara que o outro tinha morrido. E falaram nesse dia. Mera coincidência? Diz-se que este tipo de ocorrência é frequente em gémeos separados. Não sei o que lhes aconteceu, se passaram ou não a con(viver) mais. Que importância terão dado à coincidência? ou se se filiaram na vertente do "nada acontece por acaso"? Interessa mesmo? seriam gémeos sem saberem?

Lembrei-me deste episódio a propósito da peça que Eunice está a fazer no D.Maria. Chama-se "o ano do pensamento mágico". Gostei imenso do livro de Joan Didion, onde ela relata o sentimento de perda do marido. Ela e o marido seriam "gémeos" como no episódio relatado. Eu direi que eram Amigos e Cúmplices. É um livro que se lê com um nó na garganta, é uma peça de teatro que várias actrizes podem fazer. Não muitas, só as que sabem comunicar o sofrimento. Por cá, pode ser a Eunice, a melhor que temos. Mas nada mais comovente do que a interpretação entre a lucidez e a loucura que Vanessa Redgrave entregou em 2008 em Londres.
Senti urgência em reler Didion. E fui buscar esta fotografia italiana de Cartier-Bresson. Porque nela vejo a cumplicidade entrelaçada com a confiança. E imagino assim a Amizade entre dois seres. E não consigo imaginar como deve ser terrível a perda de um para o outro!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Referendos, para que vos quero?



Sabemos que as sociedades gregas e romanas eram permissivas na aceitação das ligações homossexuais. E de outras coisas que ainda hoje se condenam. Foi há milhares de anos. Depois veio o cristianismo e novos códigos de conduta para limpar os excessos do regime romano. Mais tarde o islamismo veio reforçar a não permissividade das condutas ditas amorais. Falo só das religiões que congregam as grandes plebes.

Aqui, neste cantinho europeu, quase em 2010, quer-se legalizar as uniões homosessuais. Tudo tem que ser lido com o respectivo enquadramento. Hoje, existe uma exponencialmente crescente onda de homossexualização. Travá-la? Para quê? Porquê? Por não se concordar com ela? Por não se aceitar o tipo de relações que está por detrás? Hipocrisia pura. Estas tendências, mais não são do que o produto da sociedade que se foi moldando. Uma sociedade que aprendeu a evoluir em velocidade, a rejeitar o passado, a projectar-se num futuro cheio de insatisfações e, por isso mesmo, impelida a ir cada vez mais depressa, numa fuga para a frente, na busca insaciável da satisfação. Uma satisfação efémera, que se esfuma mal se alcança, e que nos devolve o corpo e a alma, transfigurados, numa corrida alucinante à procura de novas sensações, de novos choques, de novos confrontos, de novas formas de estar, ser e pensar.

Fica de fora a forma de sentir. Já ninguém liga aos sentimentos. Importa apenas consumir sem ser consumido. Os políticos vão na onda e o mundo pula e avança. Com mais ou menos mariquices.

Querem legalizar o aborto? Referende-se. Querem legalizar as uniões de lésbicas, gays e travestis? Referende-se. Querem mais mulheres na Assembleia, no Governo, nas direcções das empresas? Referen... Não, aqui basta estabelecer quotas. Porquê diferente? Não nos convém assumir que somos uma sociedade machista, claro!

Será que os referendos ajudam a lavar as mão como Pilatos? Triste país, vivendo em permanente estado inculto, que deixa nas mãos de quem não educou para decidir, a decisão sobre o que quer que seja. Daí, os governos que temos tido. Claro, a democracia. A tal que foi criada pelos Gregos. Os tais.

E o governo que deveria ser laico, ainda pondera referendar! ou seja, aceitar perpetuar a sujeição ao domínio eclesiástico. De onde, por coincidência, vem uma percentagem razoável de gays. Sinistra hipocrisia.

Nesta guerra quixotesca, avancem com as cartas para cima da mesa e confessem lá o que vos move. Sabemos bem como são cada vez mais fortes as organizações de homossexuais. Sabemos bem o poder económico que representa essa parcela da sociedade. Sabemos então tudo: poder e dinheiro.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Prece por Portugal


Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem.
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
(Fernando Pessoa, Mensagem)


A Distância que Portugal precisa conquistar é a que nos afasta da Europa ocidental. É a conquista do tempo perdido, apostando no ensino, no movimento de aculturação dos portugueses. Enquanto não houver vontade dos seus habitantes de se dotarem com a capacidade de identificar problemas, sugerir soluções, rejeitar mediocridades e oportunismos, Portugal será uma nau que navega conduzida pelos ventos da desgraça ou da ânsia. Em perpétuo nevoeiro...
Compete aos possuidores de elevada moralidade, a educação daqueles com quem se cruzam. Até que os políticos possuam essa elevada moralidade e encetem as medidas para separar o trigo do joio, educando os jovens para continuarem essa tarefa prioritária.
Cada Hora que passa é uma Hora perdida.



Almada Negreiros, Fernando Pessoa

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Exótico


Há cem anos. Direi melhor, de há cem anos para trás, a palavra "exótico" tinha o verdadeiro significado que o dicionário lhe atribui. Hoje, o exótico está em vias de extinção e o seu carrasco chama-se globalização. Atravessar o estreito do Bósforo, como fiz esta semana, durante o encontro anual do FMI, é tão exótico como a travessia Cádis-Ceuta. Mesmo a componente exótica que é sair da Europa e entrar na Ásia, esfuma-se na indiferença de culturas e de pessoas. Deambular em Sultanhamet é quase tão exótico como visitar as barracas da Boca do Inferno. Entrar no Grande Bazar é quase tão exótico como passear num centro comercial. A globalização levou para Istambul as marcas, o estilo de vida ocidental. Ser exótico é ter uma identidade própria e bem diferente da comum forma de ser, estar. Onde está a identidade de uma cidade, onde vivem mulheres de burkha ao lado de mulheres que evidenciam os seus atributos físicos. O mesmo exemplo serve para os homens, pois as mulheres só se passeiam de acordo com as vontades / permissões masculinas. Lamentavelmente, há quem confunda fanatismo, atraso cultural, com exótico. O fanatismo vive, e alimenta-se do ocidente. O exótico morreu. Mas a civilização não ganhou com isso.
Válido para qualquer continente.
O homem tem-se civilizado e umas das formas de se afirmar como tal, passa por civilizar os mais atrasados. Perfeito. O problema é a demonstração de resultados, o rendimento a extrair dos activos. E dos nativos. Estranha forma de civilização, que corrompe, destrói e substitui, para impôr uma normalização que rapidamente todos entendam e consumam. Ou perante a qual, se caia no seu oposto, e se alimentem extremismos.
Em 1492 Rodrigo de Xerés, Comandante de uma das caravelas da expedição de Cristóvão Colombo que aportou em Cuba, escreveu esta pérola que gosto de saborear quando me lembro do significado de exótico:
os nativos estavam a beber fumo; eram homens-chaminé que tinham um tubo castanho a arder numa das pontas; bebiam pela outra ponta e saía fumo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A evolução da espécie


150 anos depois da publicação de The origin of species, se Darwin nos visitasse, afirmaria, confuso, por certo, que a evolução da espécie continua. Mas continua de uma forma diferente da que, naturalmente, se fez sentir nos últimos séculos, milénios até. Agora, a evolução segue um curso altamente influenciado pelo que o Homem está a fazer ao planeta, em consequência da exponencial explosão demográfica que, de então para cá, se verifica.

Já não interessa a evolução da espécie, mas sim, que espécie de evolução.

Sinto grande frustração por viver numa época deselegante, povoada por comportamentos humanos bestiais (sem querer ofender as bestas). O Homem (a grande Massa) continua conduzindo-se aviltadamente, endeusando o progresso material, ignorando os sentimentos elevados (será isto o novo instinto de sobrevivência, que mantém à tona da água os chicos-espertos?).


Quando passo os olhos por um Livro de Horas, como o de cima, e vejo a iminência da invasão do Kindle, não posso deixar de pensar na enorme evolução que tal representa. Em nome da equação simplista "explosão demográfica-consumismo". Mas não posso evitar o reconhecimento da perda de qualidade estética, do valor humano intrínseco (direi iluminuras iluminadas) numa obra que podia demorar a vida de uma pessoa a ser produzida. E apenas acessível a escassas dúzias de pessoas. O contraponto do kindle, é a acessibilidade universal, a resposta consumista à massificação que obriga a criar alternativas rentáveis. São em catadupa exemplos como este. É a satisfação "low cost" das necessidades. Neste caso, culturais. Mas com a nivelação por baixo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Vinho sobreaquecido




As vindimas têm-se vindo a fazer (em média dos últimos anos) cada vez mais cedo e as uvas amadurecem mais rapidamente. Pode parecer insignificante, mas acho preocupante porque creio que o aquecimento global não será alheio a esta constatação.
Estão previstas para as próximas dezenas de anos, na Europa vinhateira, subidas de temperatura, progressivas, atingindo no final do século, o número assustador de mais 6 graus em média, relativamente ao seu início. Trata-se de um ritmo demasiado rápido para a natureza se adaptar. Provavelmente, adivinham-se novos surtos de doenças nas vinhas, com o incremento do grau de apodrecimento, já para não falar das consequências das previsíveis inundações.
E assim, coloca-se a questão: como vão reagir as vinhas? Certamente um "terroir" de hoje não manterá o mesmo tipo de produção daqui a uns anos. E sa a temperatura sobe globalmente, amanhã a Inglaterra terá a temperatura que a França tem hoje. Aliás, o sul de Inglaterra já vai produzindo pequenas quantidades de vinhos (Denbies, Dorking, Surrey) de respeito. O mapa vinhateiro pode alterar-se significativamente. Néctares que criaram uma auréola mítica à sua volta nos últimos cem ou duzentos anos, estarão condenados. Vamos então passar a ter "Montrachet" na Escócia? Vinho do Porto no Exe Valley?

Só vejo uma solução: as entidades ligadas ao vinho, começando nos produtores, e sem excluir os jornalistas, devem pressionar os governos para a tomada de medidas que contrariem o aquecimento global. Não temos muito tempo. Podemos começar já em Dezembro, na cimeira das Nações Unidas, em Copenhaga.

Georges Seurat - st denis

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Clássicos (em tons de Outono)


Começou o Outono. Uma estação que remete para o conforto. Ambiente nem muito quente nem muito frio. Cores onde os olhos encontram repouso. Apetece ronronar ao fim da tarde. Os dias fogem mais depressa, e as tardes colam-se às noites.




Apetecem Livros que alimentem. Apetece queimar os livros que nos entreteram no Verão. Em auto de fé. Para expiar a vergonha de os ter lido. Não apenas aqueles livros escritos por quem não sabe raciocinar. Por quem aproveita a onda de ser figura pública e nos tenta convencer da sua súbita veia literária. Sei lá. Sei lá, com muito sexo plastificado. Sei lá, com muitos palavrões.

A vergonha vem sobremaneira daqueles livros que saem em catadupas das editoras, cumprindo escrupulosamente os planos de marketing que inventam leitores e necessidades para os entreter. São livros de consumo e esquecimento rápidos. Não nos ajudam rigorosamente nada. Não aprendemos nada que os Clássicos nos não tenham já ensinado. Superiormente.



Agora, no Outono vem a vergonha de os ter lido. De termos sucumbido à superficialidade, à facilidade. Lemo-los, na esperança de encontrar algo que nos ajude a viver com melhor discernimento, mais esclarecidos. Regra geral, sentimo-nos defraudados, pois lemo-los na esperança de os colocar ao lado daqueles livros que nos iluminaram. Daqueles que nos acompanham para onde formos. Daqueles que apetece reler. No Outono. Os Clássicos. Clássicos são aqueles que lemos com prazer. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.




No Outono também apetece Música. A indústria discográfica foi obrigada a impôr os leitores/ arquivadores de música com capacidades impossíveis de utilizar. Tanta é a música produzida, inventada, copiada. Ninguém tem tempo para ouvir tudo. Acima de tudo, são raras as músicas que nos empolgam. Nos tocam. Por isso os consumidores compram cada vez menos e vão ser bombardeados, por aquela mesma indústria, para comprarem apenas as músicas de que gostam. É o fim dos álbuns enquanto conceito de trabalho musical. As músicas vão passar a ser vendidas em unidose.


E é no Outono que tomamos consciência de que a quase totalidade das músicas que vão saindo, não nos dizem nada. São de plástico, sons que nos incomodam. Arranham-nos a sensibilidade, e por isso voltamos-lhe as costas. As poucas músicas que sobrevivem, vão engrossando o nosso pelotão dos Clássicos.


No Outono viramo-nos para os Clássicos. Os Clássicos são aqueles sons que nos devolvem a consciência de existirmos, que nos dão prazer. A quem voltamos sempre, porque nos tiram as saudades. Ou as alimentam. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



No Outono também apetece cinema. Uma oferta gritantemente medíocre de cinema invade a nossa privacidade. São raros os filmes que hoje nos fazem aplaudir de pé. Tirando o uso das potencialidades tecnológicas, normalmente mal aproveitadas, fica um deserto de lugares comuns, de imagens banais, de novos estereótipos de beleza, de um depuramento da violência, como argumento terminal para prender o espectador.


É então que sentimos a urgência de rever aqueles filmes que se plasmaram em nós como uma segunda pele, conduzindo-nos ao encontro da nossa intimidade. Aqueles filmes que nos tiram do lugar de espectador e nos obrigam a ser intérpretes. A viver a intensidade das palavras, a atracção dos olhares. A experimentar a dor, a perda, a conquista, o sucesso, o desespero, a frustração, o orgulho, o prazer. São os Clássicos.


E assim, no Outono, vemos os filmes que nos fazem rir ou chorar. Normalmente ambas as coisas. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



Com esses filmes, com esses livros, com essas músicas, de sempre, o Outono é mais aconchegante. Se conseguirmos partilhar esse aconchego, o ar deixa de ser tão pesado. A vida parece-nos mais valiosa. Volta e meia, precisamos acariciar a vida com as nossas mãos.
Renoir, Cagnes

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

La donna

La donna. "A mulher" soa lindamente em italiano. Continuo com obras de Alberto Sughi, que descobri recentemente. Ilustram a Mulher. A mulher é o antídoto para a depressão dos dois posts anteriores (ironicamente separados pela silly season). Mesmo feia, se tiver uma séria dose de sensualidade, a mulher torna-se a atracção que apetece consumir. Consumir é viver. Vivê-la. E vivê-la é vivermos.

A mulher que não apetece consumir, é a que não evidencia inteligência. A que olha apenas para a superfície dos espelhos. A que diz que colocou silicone, mas que pediu ao médico para achatar... o cone. Silly. A que abre desmesuradamente os olhos quando não entende o que se lhe diz. A que não pestaneja, quando lhe dizemos que o mundo acaba dentro de 13 minutos. A que não ri. A que não... nos atrai. Porque nos afasta. Estas mulheres estão reservadas para os homens que as outras mulheres não consomem.


La donna è mobile
Qual piuma al vento,
Muta d'accento — e di pensiero.
Sempre un amabile,
Leggiadro viso,
In pianto o in riso, — è menzognero.
È sempre misero
Chi a lei s'affida,
Chi le confida — mal cauto il cuore!
Pur mai non sentesi
Felice appieno
Chi su quel seno — non liba amore!
Já Verdi assim pensava. Mulheres e Homens de letra maiúscula, de facto não abundam, e por isso aclama-se a sensibilidade feminina. Válido juízo, mas pouco exigente. No quadro acima vejo a triste normalidade. Uma mulher num despojar de sensibilidade, numa pose de espera desalentada, por algo ou alguém que a faça vibrar, estremecer do tédio. Viver.


Tudo isto porque "a mulher" soa lindamente em italiano. La donna.

Viver até pentear cabelo cinzento




A frase do título é de Yeats: ele achava que um homem deveria viver até pentear o seu cabelo cinzento ("live to comb gray hair"). Até ficarem com cabelo cinzento ou branco, homens e mulheres deviam viver com qualidade de vida. Sabemos que há - infelizmente - muitas pessoas de cabelo preto ou castanho que vivem sem qualidade de vida. Por isso, devemos ser mais ambiciosos do que Yeats: não basta viver até tarde, há que viver com qualidade.


Refiro-me às múltiplas facetas da falta de qualidade de vida.

Olho para as duas pinturas de Alberto Sughi (interno, mulher e marido) e vejo um reflexo de má qualidade de vida. Ouve-se o silêncio de quem nada tem a dizer ao outro. O abandono do corpo à solidão acompanhada. A anestesia dos pensamentos engaiolados. Pensamentos que esvoaçam em círculo, sem que a gaiola os deixe partir para a realização. Assusta esta falta de qualidade de vida. E ela anda por aí. Cada vez mais.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Os Velhos que desistiram de ser Jovens


Vou pela rua fora e vejo naquele passeio descendente pessoas cabisbaixas, tristonhas, inseguras.
Vejo, no centro da apatia que nos consome a existência, lutadores de braços caídos, pessoas com muito para dar à sociedade, que anseiam pela reforma, que rezam para os mais jovens lhes tirarem o lugar. Triste!
Vejo pessoas de meia idade classificarem-se como velhos, ansiando por fugir da ribalta produtiva, envergonhados do trabalho que produzem, elevando às alturas as capacidades dos jovens. Afinal, estes novos-velhos, a quem querem enganar se não a eles próprios...
Vejo os novos-velhos desistindo de levar a sociedade a melhor porto, com embaraço pelos níveis de destruição do planeta, com consciência da inutilidade da sua vida. E olham para os jovens como a tábua de salvação. Oxalá tenham razão, mas primeiro convinha educar convenientemente esses jovens a quem se vai colocar a responsabilidade de dar a volta ao desastre em que esta sociedade se tem transformado.
Vejo novos-velhos fugindo cobardemente, sabendo que não providenciaram a correcta educação a todos aqueles que agora querem que os substituam. E que se preparam para apontar o dedo aos falhanços dos jovens que ajudaram a promover.

Vou pela rua fora e vejo naquele passeio ascendente, pessoas descontraídas, seguras de si.
Vejo jovens alheados do seu papel na sociedade. Seguros de si, para o imediatismo, mas pouco acostumados a pensar numa estratégia de vida. Creem-se seguros das suas opiniões mas determinados a adiar a sua entrada no processo de construção da sociedade. Com poucas ou nenhumas referências que lhes permitam questionar as suas convicções, compradas com escassas reticências, às televisões, aos filmes, aos amigos. Desconfiando dos professores que tiveram, dos gestores que caíram em desgraça, dos políticos que não tiram resultados das solucções apregoadas. Pior ainda, dos pais que eles vêem transformados em novos-velhos, prontos a empurrá-los para fora do ninho, para que procurem assegurar a sua reforma.
Vejo jovens seguros de si, a entrar no mercado de trabalho, tentando disfarçar o pânico que os invade, ao aperceberem-se que estão sem rede, que os ventos são muitos e os tentam derrubar da linha de equilíbrio. Jovens também seguros de si, porque viam os pais como a eterna solucção da sua vida sem rumo. Jovens que agora realizam o embuste, se sentem enganados e apontam o dedo aos novos-velhos.

Desviando-me dos diversos dedos apontados, passo a vida a atravessar a rua de um lado para o outro, tentando viver em vida. Triste, por ver que as pessoas ensurdeceram perante os valores da sociedade ocidental. Desalentado, por saber que vamos deixar uma pesada herança a quem não tem forças para a carregar. Desanimado, por não ouvir as vozes dos diversos poderes instituídos, falar desta conjuntura muito pouco brilhante, ignorando a necessidade de trazer ímpeto renovador aos novos-velhos, criando as bases da rampa de lançamento dos jovens. Lançando-os para o futuro de todos nós.
E, todavia, a esperança segura-me. Não posso acreditar que a humanidade tenha perdido totalmente o seu instinto de sobrevivência.

Van Gogh - Velho em sofrimento

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A Casa de Wagner e Cosima

Wahnfried, A Casa de Wagner e Cosima.


Ca´Vendramin Calergi, Veneza



Cosima Wagner



Depois de muito terem percorrido a estrada (ora hostil ora suavizada) da vida, Wagner e Cosima juntaram as suas vidas (os restos mortais ainda estão juntos na sepultura que está no jardim das traseiras da sua casa Whanfried, fotografia acima, e em primeiro plano em baixo).

Cosima era filha de Lizt, amigo de Wagner, dois anos mais velho. Cosima casou com o maestro de Wagner, von Bulow, 14 anos mais velho, que conheceu enquanto aluno de Lizt, e de quem teve 2 filhos. O sentimento ente Richard Wagner e Cosima nasceu em 1863 (ele tinha 50 anos, ela 26). E desenvolveu-se até à forma de paixão. Juram 'sich einzig gegenseitig anzugehören', "pertenceremos apenas e sempre um ao outro".

Em 1865 são pais de Isolda.
Minna, a primeira mulher de Wagner morre em 1866.
Em 1867 são pais de Eva e em 1869 de Siegfried.
O divórcio de Cosima chega em 18 Julho 1870. Von Bulow continua discípulo e devoto a Wagner até à morte deste. Posso apenas imaginar o escândalo que acompanhou toda esta história.
Cosima e Wagner casam em 25 Agosto de 1870.
Em 1872 iniciam a construção da casa. Vão habitá-la em 1874. Wagner inscreve na frente da casa: "Aqui todas as minhas desilusões (wahn) encontraram a paz (fried). Que este lugar se chame Wahnfried."
Em Set 1882 vão para Veneza onde Richard Wagner pretende obter descanso e inspiração para compôr. Ficam na Ca´Vendramin Calergi. Cosima não tinha blogs, mas tinha o seu diário. A última página foi escrita em 12 Fev 1883, véspera do dia em que veria Richard morrer, fulminado por um ataque de coração, enquanto compunha. Ela tinha 45 anos, ele 69. O que me falta em adjectivos para classificar a sua passagem por este mundo, sobra-me em lágrimas quando ouço o que me deixou.
Cosima levou o resto da sua vida a pôr de pé os sonhos do marido. Em 1903 sofre um golpe brutal: a vontade de Wagner de que o Parsifal só pudesse ser tocado em Bayreuth deixa de ser honrada e, apesar dos movimentos legais para interdição, a obra sagrada é representada em Nova Iorque. O conceito de Wagner fora apunhalado sem que Cosima o pudesse evitar. A ópera sagrada de Wagner saíra do Templo.
Em 1906 Cosima adoece e o filho Siegfried fica à frente do projecto do pai. Cosima Wagner morre em 1930 e quatro meses depois morre Siegfried.


Não sou de peregrinações, mas ir a Bayreuth tem esse sabor também. Saber que estão aqui enterrados, nesta sepultura, não é indiferente. O pensamento voa com frequência através dos tempos sem que o consiga parar. Sem que o queira parar.
Wahnfried ficou muito danificada durante a 2ª Grande Guerra. Hoje é o Museu dedicado a Wagner, e vai ter obras de reabilitação, para apresentação pública a tempo do Festspiel de 2010.

2009...sem pisar a colina verde


Spielplan 2009
Gesamtleitung: Eva Wagner-Pasquier, Katharina Wagner
Samstag 25. Juli Tristan I
Sonntag 26. Juli Meistersinger I
Montag 27. Juli Rheingold I *
Dienstag 28. Juli Walküre I *
Donnerstag 30. Juli Siegfried I *
Samstag 01. August Götterdämmerung I *
Sonntag 02. August Parsifal I
Montag 03. August Meistersinger II
Dienstag 04. August Tristan II
Mittwoch 05. August Parsifal II
Donnerstag 06. August Meistersinger III
Freitag 07. August Rheingold II *
Samstag 08. August Walküre II *
Sonntag 09. August Tristan III **
Montag 10. August Siegfried II *
Mittwoch 12. August Götterdämmerung II *
Donnerstag 13. August Tristan IV
Freitag 14. August Meistersinger IV
Samstag 15. August Parsifal III
Sonntag 16. August Götterdämmerung **
Montag 17. August Tristan V
Dienstag 18. August Meistersinger V
Mittwoch 19. August Parsifal IV
Donnerstag 20. August Rheingold III *
Freitag 21. August Walküre III *
Sonntag 23. August Siegfried III *
Dienstag 25. August Götterdämmerung III *
Mittwoch 26. August Meistersinger VI
Donnerstag 27. August Parsifal V
Freitag 28. August Tristan VI
* Karten für die 3 Zyklen des Ring des Nibelungen werden im Vorverkauf nur geschlossen abgegeben.
** Geschlossene Vorstellungen
Die Aufführung Das Rheingold beginnt um 18 Uhr (keine Pause), die übrigen öffentlichen Aufführungen um 16 Uhr.Beginn der geschlossenen Vorstellungen am 9.08.2009 und 16.08.2009 um 15 Uhr.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O deserto


Portugal tem qualidades de que não abro mão. O pior são mesmo os defeitos. E estes vêm de nós, povo pequenininho, mesquinho, invejoso, medíocre na moralidade e na postura. Não é de agora, claro. Basta olhar para a história, e constata-se que sempre assim tem sido.

Tudo isto a propósito do anúncio da nova temporada do CCB. Ridículo chamar-lhe temporada. Verdadeiramente digna desse nome (até numa perspectiva europeia) é a anteriormente anunciada para a Gulbenkian.

O que verdadeiramente me indigna é o facto de o CCB ter sido uma obra arrojada, cara e totalmente desperdiçada na sua função. Até na função de expositor de artes plásticas, lá teve de arranjar um compromisso para alojar, como mera arrecadação, as obras de um rico emigrante rico.

O programa, ano após ano, tem sido um deserto de ideias, de nomes, um virar as costas à cultura consagrada em detrimento de experimentalismos, baratos, certamente.

Se o CCB vive sem dinheiro, ou se o que tem só lhe dá para pagar a renda da casa, a água e a luz, porque não alugar o espaço a outras Temporadas, como a do S.Carlos e a da Gulbenkian. Por exemplo, esta última continua a trazer as grandes orquestras do mundo a Lisboa, mas reserva-lhes o Coliseu! Consigo bem imaginar a qualidade de som que se extrairia no CCB quando a OSLondres nos visitar em Janeiro próximo. Ao invés, recuso ir ouvi-la ao Coliseu, pois posso chocar com os sons e aleijar-me.

Rubens, Anjos a fazer música

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Pensador



Juro que não queria pensar!
É exercício de masoquismo, conflito perdido.
Pudera eu ouvir o meu coração no seu ritmo infatigável,
Soprar-me ao ouvido as qualidades para se ser um Pensador,
Avisando-me das armadilhas semeadas ao longo dos pensamentos.
Pudera eu ver as trevas da ignorância e tomá-las como luz.
Pudera eu sentir a letargia da solidão como festa dos sentidos.
Pudera eu olhar para o vazio que conquista este mundo
E continuar a sorrir por existirem árvores e rios à minha volta.

Juro que não queria pensar!
Preferia pegar no escopro e no martelo,
Cercar uma pedra distraída, tocar-lhe e senti-la
Fixar-me na abstracção enquanto a dilacerava com a minha energia,
Rebuscando nas suas entranhas mais recônditas,
Até nelas encontrar um Pensador que fosse feliz.
Ah, mas só Rodin o conseguiu.
E eu,... sinto-me o pó que restou das suas esculturas.

Rodin, o Pensador

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Música e Letra




Blue moon
You saw me standing alone
Without a dream in my heart
Without a love of my own


A letra de uma canção é alimento que se degusta com maior prazer quando a música nos encanta. Ouvir desta música, mas com letras menores, torna-se um suplício que nos conduz descalços pelo caminho tortuoso da frustração. O mesmo caminho que se toma quando a música nada nos diz, mas acompanha uma letra que fala connosco (e não precisa ser sublime, nem uma nem outra).


Lua Azul,
Tu viste-me tão sozinho
Sem um sonho no meu coração
Sem um amor só meu

Neste exemplo, que perde ainda mais na tradução simplista, temos uma música linda que enriquece a letra, e a transforma em algo que nos redime do pecado de gostar de letras tão... tão naive.



Yerka´s zeppelin


sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Arrependimento


Ninguém se deveria arrepender do que fez. Porque é inútil. Pura e simplesmente, uma pura perda de energia. Porque o castigo mentalmente infligido só irá causar desgaste físico e psíquico.
Mas como evitar determinados arrependimentos? Arrependimentos por não termos feito outras opções. As de fundo. Aquelas que poderiam mudar a nossa vida. E pairará sempre a dúvida sobre o desenlace da opção. Melhor? Pior? Por vezes, a resposta é simples, e vem carregada de certezas: Diferente!
E ganha força o arrependimento. Castigador para todo o sempre. Como castigador é olhar para este quadro de Magritte, desejar ver os joelhos da mulher, mas bendizer por não terem sido pintados.
Magritte sabia de tortura, e chamou-lhe Magia Negra.
R.Magritte, Magie Noire

terça-feira, 2 de junho de 2009

O Anel em Valencia




Daqui a poucos dias inicia-se o ciclo completo do Anel no Palau de les Artes, Valencia. Anseio pela sua gravação em DVD. Uma espectacularidade encenada como nunca pensei. Um ciclo construído nos últimos três anos, e que este mês terá duas execuções completas. Acompanhei-o (apenas, infelizmente) pelas dezenas e dezenas de fotografias das jornadas. Belíssimas. Pelo que mostram. Pelo que anunciam. Pelo que me fazem sonhar, em frustrada antecipação.
Penso que será umas das produções mais marcantes da Tetralogia. E aqui tão perto... Com uma Gutrune portuguesa. Dirijo um grande lamento, um uivo de alma rasgada, lancinante até às paredes da sala do magnífico Palau, por não poder estar nela sentado (pelo menos) entre 15 e 21 deste mês.
Viva Valencia!

Día 01: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 02: Ópera: El Ocaso de los Dioses (fuera de ciclo)
Día 03: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 04: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 05: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 08: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 09: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 10: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 11: Cine. Die Nibelungen (1924) de Fritz Lang, con un recital pianístico previo con obras de Wagner.
Día 12: Recital. "Soirée en Wahnfried". Obras de Beethoven, Liszt, Schumann y Wagner. Claudio Carbo al piano. Teatro Martín y Soler
Día 14: Recital. "Lieder de entorno wagneriano". Wesendonck-Lieder y otros lied de Brahms, Schumann y Strauss, con Catherine Wyn-Rogers (mezzosoprano) y Klaus Sallmann (piano). Teatro Martín y Soler
Día 15: Ópera. El Oro del Rhin (primer ciclo)
Día 16: Ópera. La Walkyria (primer ciclo)
Día 17: Conferencia. Encuentro con Carlos Padrissa, director de escena de El Anillo. Salón del Turia.
Día 18. Conferencia. "El Anillo de Valencia", por Guillermo García-Alcalde.
Día 18: Ópera. Sigfrido (primer ciclo)
Día 20: Conferencia. "Wagner en el Mediterraneo", con Roger Alier Guillermo Garcia-Alcalde. César Rus y el moderador Manuel Muñoz.
Día 21: Ópera: El Ocaso de los Dioses (primer ciclo)
Día 22: Ópera. El Oro del Rhin (segundo ciclo)
Día 24: Ópera. La Walkyria (segundo ciclo)
Día 25: Teatro. Espectáculo "Anell de Ilum", de La Fural del Baus. Pasarela de acceso al Palau de Les Arts.
Día 26: Teatro. Espectáculo "Anell de Ilum", de La Fural del Baus. Pasarela de acceso al Palau de Les Arts.
Día 27: Teatro. Espectáculo "Anell de Ilum", de La Fural del Baus. Pasarela de acceso al Palau de Les Arts.
Día 27: Ópera. Sigfrido (segundo ciclo)
Día 28: Teatro. Espectáculo "Anell de Ilum", de La Fural del Baus. Pasarela de acceso al Palau de Les Arts.
Día 30: Ópera: El Ocaso de los Dioses (segundo ciclo)
Todo el mes: Exposición. El Anillo de Valencia. Comisaria, Lourdes Jimenez. Vestíbulo de la Sala Principal de Palau.
junio 2009

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O futuro não vivido




Às vezes releio o que escrevo. Reli o Comunicar. E tenho de o complementar.

Ao sermos apanhados na espiral da evolução dos tempos, fica a inquietação de não podermos, logicamente, sobreviver ao futuro mais longínquo. A inquietação reforça-se com a consciencialização de que o futuro traz evoluções, muitas com potencial para mudar radicalmente os actuais hábitos de vivência. Um exemplo extremo: pode-se admitir a não adopção da eutanásia com o argumento de a evolução científica poder vir a permitir retrocessos benignos nos estados terminais.
A minha inquietação vai ainda mais longe: quantas das evoluções que se irão confirmar no futuro, estão a ser anunciadas hoje? para daqui a 5, 10, 30 anos? Como é cruel, sabermos que não estaremos vivos para apreciar situações que gostaríamos de viver!

Se tivéssemos hipótese, seríamos Faustos?
(Edifício de N.Foster)

terça-feira, 19 de maio de 2009

Comunicar


Nunca em tão pouco tempo se alterou tanto a forma de comunicar. Longe vão os tempos em que se aguardava, impacientemente ou nem tanto, que o correio nos trouxesse uma publicação impressa. Menos longe, estão os primórdios da rádio e depois da televisão. Foi ontem o boom, com a internet. Foi hoje, a adopção da blogosfera. Foi há instantes, o aparecimento do twitter. E agora? Com tamanha capacidade de comunicar em tempo real, como vamos ter tempo para os compassos de espera? Como vamos poder parar para pensar? Não falo já em descansar. Mas sim, em perspectivar a vida e as conexões que nos afectam como indivíduos. Porque se não conseguirmos isso, não nos libertaremos da espiral que nos consome a existência. E passará a ser "normal" a vida em permanente comunicação, numa ilusão de individualidade, afinal totalmente condicionada pela fome de estarmos actualizados. Sem darmos por isso, estaremos a prescindir da nossa intimidade, da nossa relação connosco próprios, da vontade de nos vermos como indivíduos únicos, e não como portadores de um ADN comum a todos os que não saem daquela espiral de vivências alheias ao nosso íntimo ser. Estamos em plena era da robotização. Tão perfeita que, sublinarmente, acreditamos que cada robot é um indivíduo.
Saudades de pisar um parque, de cheirar a vida, da relativa liberdade daquele cervo? Servo? Sirvo?

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Belém e Cia.


A instituição republicana ainda não provou superar a monarquia. Argumentos não lhe faltam, e o mais badalado e demagogo tem a ver com questionar o facto de uma família se inundar de privilégios pagos do bolso dos contribuintes. A propósito das últimas visitas estatais do casal presidencial, em mal escondida ânsia turística, confesso não ver diferença orçamental. Fiquemos pelo grande factor de diferenciação: a perpetuação familiar. E o inevitável perigo de colocar como símbolo do Estado, alguém de quem o Estado se envergonhe, ou venha a envergonhar. Mas, será mesmo um risco superior à garantia de possuir uma instituição imutável, como a bandeira ou o hino? Pois, de Presidentes que nos desapontam, temos todos a nossa conta. De Belém, guardo como maior tesouro a sua custódia, obra-prima recém-restaurada da ourivesaria portuguesa do manuelino, atribuída a Gil Vicente. Seguramente, nenhum presidente!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Igreja de S.Roque






Juro que não é por ser 13 de Maio. Passo muitas vezes pela Igreja de S.Roque. De quando em vez, entro. Bonita entre as bonitas. Alberga uma beleza especial. Talvez seja do tecto acolhedor, da sua madeira pintada, muito lá tão acima de nós. Talvez do seu órgão singelo mas distinto. Cujo som já ouvi e me deliciou. Talvez dos vários altares, uns mais ricos que outros, mas todos a falarem connosco. Talvez seja do conjunto de tudo isso. Hoje, passei por lá e tirei umas fotos para este caderno. Pena, a qualidade não fazer justiça a este Tesouro.

A tentação de não fazer nada

As Rosas. Vermelhas. Isoladas, para que a sua beleza transgrida a fronteira entre a discreção e a ostentação. Para que os olhos se fixem nelas. No seu caule defensivo, orgulhosamente erecto. Nas suas pétalas delicadas, e assim imaginar que o cheiro perfumado nos alcança. Depois, cerrar os olhos, e continuar a seguir a imagem das rosas. Flutuar ao sabor da imaginação. Atravessar as águas da piscina como quem atravessa as águas da Mancha, num pulo que faz parar o tempo. Recuar e avançar no tempo. Preguiçando, à solta, na Terra do Faz de Conta.

Os Cedros. Verdes. Onde os olhos descansam, poisados na beleza estranha das suas folhas. De novo, cerramos os olhos, e tentamos passar o filme do seu crescimento. Ainda tão novos, mas já tão crescidos. De pequenos e frágeis, passaram já a robustas árvores que nos protegem do sol e do vento. Deambular por eles é pensar que o tempo não pára. E que atrás de tempo, tempo virá. É preguiçar, afinal.


A Água. Azul. Contemplar o mar é ter a sensação inconcebível do Infinito. E logo ser tentado a imaginar que Terras estão do outro lado. É ver caravelas onde elas não existem. É imaginar a Ilha do Tesouro e a Atlântida distanciadas por poucas braçadas. É ouvir Sereias a ler os Lusíadas na Ilha dos Amores. É preguiçar.


O Heimat. De todas as cores. Nunca perfeitas. Mas onde temos o nosso recanto físico. Aonde o nosso recanto psíquico, regressa para descansar. Onde descansar é Preguiçar.
Porque os dias estão maiores, o bom tempo está aí, e a tentação de não fazer nada pode conduzir a Preguiçar. Mas a Preguiça tem de ser efémera. Para não se tornar perigosa.


quinta-feira, 23 de abril de 2009

Fado


O que é o Fado. Destino? Fatalidade? O fado que passa por cima das previsões oraculares, da determinação astral, da avaliação dos signos, e anda de mãos dadas com a sina de cada um?

O fado mora connosco e tudo o que nos acontece é fado? Como explicar isto a um estrangeiro que não tem a palavra fado no seu léxico? Perguntará ele, os portugueses são diferentes dos outros povos? E, na realidade, não somos. Existem povos que têm crenças e hábitos que se encaixam na determinalogia do fado-destino. Outros, pelo contrário, encaram a simples alusão a este fado, como vinda de um povo menos evoluído, ainda agarrado às crenças do sobrenatural.

Não é a este fado-destino-fatalidade que presto homenagem.

Porque o Fado que se canta (bem) é muito mais. É a este fado que me refiro. O que junta a saudade, a dor, a tristeza, a breve alegria, com o destino e a fatalidade. O que é de "ir às lágrimas". O que vive e se alimenta num ambiente escuro, como pedia o Alfredo, a cantar de óculos escuros. O que se veste de roupas negras e volumosas, como usava a Amália, a enfeitar a sua voz alegremente triste. E como não sou purista do fado, falo naquele que mais me toca, aquele para mim é o fado, embrulhando as letras e a música, na sua voz sofrida, o de António dos Santos.

Mas... tudo isto é fado.
Malhôa - o Fado

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Dia da Terra


Proliferam os dias comemorativos. Mas todos os dia deveriam ser Dia da Terra. Arrepia o mal que lhe fazemos. A Ela. A Nós. A Todos.


Procurei uma foto de Ansel Adams que reflectisse o desespero da Terra. Surrealista.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A pintura, o mar, a luz, a treva, o dia e a noite





Descobri Ivan Aivazovsky, as suas pinturas com 160 anos, muitas no Museu Russo de S.Petesburgo. A sua pintura tocou-me pela temática marítima. Pelo mar, como ser vivo. Pelas ondas alvoraçadas. Pelos barcos que capturam a imaginação e a levam a atravessar oceanos. Pela luz que procura acasalar, devagar, com a escuridão do anoitecer. Pela escuridão que deseja ser devorada, devagar, pela luz do amanhecer.

Vim a saber que também Turner o admirou. Pudera.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Rosé ou Tintranco


O mundo do vinho tem conhecido mais reviravoltas nos últimos anos do que nas últimas décadas. E é normal que assim seja, pois o mesmo se verifica na globalidade dos sectores económicos. Mas este plano da Comunidade Europeia de permitir que os vinhos rosés sejam feitos por mistura de tinto com branco, confesso ser difícil de engolir. Sim, é verdade que já havia quem o fizesse. Claro que também há quem misture sempre gasosa no vinho. Claro que, no meio destas sangrias ao vinho, o sector tem de se liberalizar para conquistar adeptos, pelo menos para compensar os que irá perder se os preços não se contrairem.
No caso dos rosés assim autorizados, já os franceses se picaram, vindo a terreno defender a tradição contra a abertura da porta à mistura de vinhos.
Penso que o que está na base do plano europeu é a liquidação dos excedentes de vinho tinto e branco, aproveitando a onda comercial favorável aos rosés. Eu ponho já o pé atrás, pois será mais difícil para o consumidor distinguir o trigo do joio. E, mais dia menos dia, não tardará um ministro vir dar conta que a sua mulher descobriu uma qualquer Bimby para fazer vinho, bastando escolher a tonalidade, de acordo com as cores da moda.
A menos que eu esteja a ver um problema onde ele não existe, espero que os eurocratas que irão votar este tema, caso ele venha a ser aprovado, o façam introduzindo uma nomenclatura ( Tradicional vs Não-Tradicional ) que permita a identificação entre Rosés e Tintrancos.

E.Denis friday evening.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Deus ex-machina


O Papa está em África. E falou ( desta vez, em pleno Camarões, perante as sumidades governativas de um país infestado de HIV, o Papa afastou o uso de preservativo como panaceia no combate à epidemia ). O Papa cada vez que fala afasta uns tantos crentes da sua Igreja. É um representante muito pouco espiritual de Deus na Terra. E tem muito pouco espírito. Ecuménico. E vai-se excedendo nos disparates, como se quisesse bater um recorde pessoal. Como se quisesse estabelecer um gráfico correlacionando os seus dislates com o número de pessoas que se afastam da sua Igreja. Nada como este Papa para reaviver o conceito de que Deus deriva de uma máquina. Deus ex-machina. Cada vez menos Paz na Terra aos homens de Boa Vontade. Cada vez menos Homens de Boa Vontade. Cada vez menos Terra. Cada vez menos Igreja. E as pessoas, cada vez mais perdidas. O Papa ainda terminará por dizer: Graças a Deus. E virando-se para o espelho para onde sorri, exclamará: cheque-mate.

Óleo "Deus Ex-machina" de Jack Pierce

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A origem da origem


Confesso que hesitei em abordar o tema. O da proibição - em Fev de 2009 AD, em Braga, Portugal - de uns livros com a capa de um ventre feminino nu, expondo o sexo. É que detesto a hipocrisia. A vida é tão curta para a desperdiçarmos com os hipócritas, mas eles fazem parte dos medíocres que têm poder. Por isso, aqui fica a reprodução da capa, a indignação perante a ocorrência, a perplexidade por haver quem ache normal, etc. Não quero tecer mais comentários pois vejo os oportunistas da oposição, reforçarem a sua hipocrisia, condenando o mesmo acto, mas na mira do dividendo político. Calo-me para não ser confundido.
Apelo apenas a que se busque a origem da acção. Mas temo que a origem salte de origem em origem até chegar à Origem do Mundo, precisamente o nome do quadro que Courbet pintou em 1866, usando meio metro de tela, e que saltou para capa do tal livro.
Apelo a que seja detectada a origem da estupidez e tenha a mesma cobertura nos telejornais que este caso teve. E que alguém sublinhe o enorme défice cultural que ainda se verifica em Fev 2009 AD, por todo o lado, aquém e além fronteiras.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O dragão


Penso que todos guardamos um ou outro esqueleto no nosso armário privativo. Daí não vem grande mal ao mundo. Só temos de nos preocupar com a nossa capacidade de resposta e reacção, quando os esqueletos abanam, rasgam as teias de aranha e se aproximam perigosamente do nosso íntimo. Quão frágil ele é, eis a questão. Também esta, é uma questão de ser ou não ser.

Lembrei-me dos esqueletos, a propósito de uns quantos espantalhos que começam a sobressair do descampado em momentos de confirmada crise económica, e por isso, social. Daqueles que se aproveitam das fragilidades alheias para sugarem tudo o que podem, dinheiro, quase exclusivamente. E existem tantos espantalhos! mais que esqueletos seguramente. Outros espantalhos há, que sugam a dignidade, como se precisassem desesperadamente de rebaixar aqueles de quem se sentem inferiores. Outros ainda que parasitam o ano todo, e quando lhes cheira a crise, tentam esventrar o hóspede, numa derradeira tentativa de sugar tudo de uma vez só.

Por vezes sinto-me como aquele quadro de Durer, S.Miguel defendendo-se do dragão. No que parece uma defesa inglória, quando cada escama do dragão é um espantalho.

Estou a pensar soltar os esqueletos e deixá-los a lutar com os espantalhos. Que eu vou à fava, enquanto a ervilha enche.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Rating


O downgrading do rating da República está despudoradamente ameaçado pelas agências da especialidade ( a começar pela S&P ). Ironicamente, pelas mesmas organizações que não souberam ver como se construiu esta crise financeira; pelas mesmas agências que teimavam em manter classificações AAA em instituições e fundos até ao dia do anúncio do seu funeral. E apenas no dia seguinte corrigiam a sua perspectiva, anunciando que aquelas afinal eram junk . Casa roubada trancas na porta. Isto diz tudo sobre a credibilidade que nos merecem. E vêm agora varrer, do alto da sua intocável sabedoria, a Grécia, a Irlanda, a Espanha e agora Portugal, para o canto dos países com problemas decorrentes de uma crise que não provocaram.

As consequências do downgrading irão ser desastrosas, pois irão encarecer o serviço da dívida não só da República como dos agentes financeiros. Pode ser que os investimentos que previsivelmente o Estado anunciou para dinamizar a economia, fiquem no tinteiro. Grande ajuda para combater a crise!

Só vejo uma forma de arrumar com estes senhores: BCE e FED unirem esforços para a construção de uma agência de rating supranacional, que passaria a atribuir as classificações às soberanias e a institucionais que incorporassem, pela sua importância, uma lista de entidades aprovada, de forma concertada, pelo poder político.

O rating é um assunto demasiado sério para ser deixado às agências de rating.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Fausto de Gounod no S.Carlos

Fausto:Encontro com Margarida, de Nabil Kanso

[Margarida]
Il se fait tard, adieu!
[Fausto]Quoi! Je t'implore en vain! Attends!

Laisse ta main s'oublier dans la mienne.
Laissemoi, laissemoi contempler ton visage!Sous la pâle clarté

Dont l'astre de la nuit,comme dans un nuage,

Caresse, caresse ta beauté!
[M.]Ô silence... ô bonheur! ineffable mystère!Enivrante langueur!...J'écoute et je comprendscette voix solitaireQui chante, qui chante dans mon coeur!...
Laissez un peu, de grâce...
...

[F.]Oui, crois en cette fleur éclose sous tes pas...Qu'elle soit pour ton coeur l'oracle du ciel même!...Il t'aime!Comprends tu ce mot sublime et doux?Aimer! Porter en nous une ardeur toujour nouvelle!...Nous enivrer sans fin d'une joie éternelle!
[F. M.]Éternelle!...Éternelle!...
[F.]Ô nuit d'amour!Ciel radieux! Ô douces flammes!Le bonheur silencieux verse les cieux,Le cieux, dans nos deux âmes!
[M.]Je veux t'aimer et te chérir!Parle encore! Je t'appartiens!

Je t'adore!

Pour toi je veux mourir!(...)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Venezia



Hoje senti uma urgência de voltar a Veneza. Adoro andar. A pé. E Veneza convida-nos para a viver, calcorreando os seus passeios, as suas pontes, a pé. Adoro água, o mar. Não adoro a lagoa, mas sempre é uma água especial, a que Veneza nos impõe, e posso sempre fingir que a sua lagoa é a que Turner pintou. Adoro toda a Veneza que Turner nos legou.





Tal como adoro a Veneza real. De dia, intervalo passeios no vaporetto com incursões pelos labirintos que desvendam sempre novas igrejas, onde se resguardam tantas obras dos Mestres. Os turistas são o pior de Veneza.Recordo muitas vezes o prazer sublime de ficar na Piazza, saboreando um fim de tarde, abandonado apressadamente pelos turistas sem fim, sentado no Lavena, bebericando um chocolate quente de Inverno, um espumante de Verão, sempre afagando os veludos puídos pelo tempo, sabendo que Wagner se terá sentado ali, numa época em que o tempo tinha outra dimensão, e lhe permitiu escrever o dueto do Tristão. Onde se terá sentido tocado por divina inspiração. E escreveu parte do Parsifal. Onde terá olhado para o céu e prometido escrever uma ópera sobre Buda. O mesmo céu que marcou o fim da sua vida, não o deixando cumprir a promessa. Sublime.


Sei que voltarei a escrever sobre Venezia. A saudade transborda em palavras.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Ainda o Ano Novo e os votos


Os votos, os desejos... Atrevemo-nos a formular todos em voz alta? O que mais desejamos pode ser dito sem preconceitos. Ou guardamos para nós. Em segredo.
A fadista sussurra "... nem às paredes confesso" e a guitarra chora de mansinho, porque entende que há desejos não realizáveis, e só ela os conhece. Os secretos. Será que todos guardamos segredos? Muitos? Demasiados? Até quase sufocarmos? Ou contamos tudo ( tudo? ) à almofada? Como neste poema de Mourid Barghouti:

The pillow said:
at the end of the long day
only I know
the confident man´s confusion,
the nun´s desire,
the slight quiver in the tyrant´s eyelash,
the preacher´s obscenity,
the soul´s longing
for a warm body where flying sparks
become a glowing coal.
Only I know
the grandeur of unnoticed little things;
only I know the loser´s dignity,
the winner´s loneliness
and the stupid coldness one feels
when a wish has been granted.

Um poema que não podia terminar de forma mais terrível. The stupid coldness. Importa fugir daquela frieza. Para que os segredos valham a pena. Para que a concretização dos desejos, dos votos, tenham o sabor das alegrias infantis. Sim, Esperança. Como a que existe nas cores de Turner.