quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Rating


O downgrading do rating da República está despudoradamente ameaçado pelas agências da especialidade ( a começar pela S&P ). Ironicamente, pelas mesmas organizações que não souberam ver como se construiu esta crise financeira; pelas mesmas agências que teimavam em manter classificações AAA em instituições e fundos até ao dia do anúncio do seu funeral. E apenas no dia seguinte corrigiam a sua perspectiva, anunciando que aquelas afinal eram junk . Casa roubada trancas na porta. Isto diz tudo sobre a credibilidade que nos merecem. E vêm agora varrer, do alto da sua intocável sabedoria, a Grécia, a Irlanda, a Espanha e agora Portugal, para o canto dos países com problemas decorrentes de uma crise que não provocaram.

As consequências do downgrading irão ser desastrosas, pois irão encarecer o serviço da dívida não só da República como dos agentes financeiros. Pode ser que os investimentos que previsivelmente o Estado anunciou para dinamizar a economia, fiquem no tinteiro. Grande ajuda para combater a crise!

Só vejo uma forma de arrumar com estes senhores: BCE e FED unirem esforços para a construção de uma agência de rating supranacional, que passaria a atribuir as classificações às soberanias e a institucionais que incorporassem, pela sua importância, uma lista de entidades aprovada, de forma concertada, pelo poder político.

O rating é um assunto demasiado sério para ser deixado às agências de rating.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Fausto de Gounod no S.Carlos

Fausto:Encontro com Margarida, de Nabil Kanso

[Margarida]
Il se fait tard, adieu!
[Fausto]Quoi! Je t'implore en vain! Attends!

Laisse ta main s'oublier dans la mienne.
Laissemoi, laissemoi contempler ton visage!Sous la pâle clarté

Dont l'astre de la nuit,comme dans un nuage,

Caresse, caresse ta beauté!
[M.]Ô silence... ô bonheur! ineffable mystère!Enivrante langueur!...J'écoute et je comprendscette voix solitaireQui chante, qui chante dans mon coeur!...
Laissez un peu, de grâce...
...

[F.]Oui, crois en cette fleur éclose sous tes pas...Qu'elle soit pour ton coeur l'oracle du ciel même!...Il t'aime!Comprends tu ce mot sublime et doux?Aimer! Porter en nous une ardeur toujour nouvelle!...Nous enivrer sans fin d'une joie éternelle!
[F. M.]Éternelle!...Éternelle!...
[F.]Ô nuit d'amour!Ciel radieux! Ô douces flammes!Le bonheur silencieux verse les cieux,Le cieux, dans nos deux âmes!
[M.]Je veux t'aimer et te chérir!Parle encore! Je t'appartiens!

Je t'adore!

Pour toi je veux mourir!(...)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Venezia



Hoje senti uma urgência de voltar a Veneza. Adoro andar. A pé. E Veneza convida-nos para a viver, calcorreando os seus passeios, as suas pontes, a pé. Adoro água, o mar. Não adoro a lagoa, mas sempre é uma água especial, a que Veneza nos impõe, e posso sempre fingir que a sua lagoa é a que Turner pintou. Adoro toda a Veneza que Turner nos legou.





Tal como adoro a Veneza real. De dia, intervalo passeios no vaporetto com incursões pelos labirintos que desvendam sempre novas igrejas, onde se resguardam tantas obras dos Mestres. Os turistas são o pior de Veneza.Recordo muitas vezes o prazer sublime de ficar na Piazza, saboreando um fim de tarde, abandonado apressadamente pelos turistas sem fim, sentado no Lavena, bebericando um chocolate quente de Inverno, um espumante de Verão, sempre afagando os veludos puídos pelo tempo, sabendo que Wagner se terá sentado ali, numa época em que o tempo tinha outra dimensão, e lhe permitiu escrever o dueto do Tristão. Onde se terá sentido tocado por divina inspiração. E escreveu parte do Parsifal. Onde terá olhado para o céu e prometido escrever uma ópera sobre Buda. O mesmo céu que marcou o fim da sua vida, não o deixando cumprir a promessa. Sublime.


Sei que voltarei a escrever sobre Venezia. A saudade transborda em palavras.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Ainda o Ano Novo e os votos


Os votos, os desejos... Atrevemo-nos a formular todos em voz alta? O que mais desejamos pode ser dito sem preconceitos. Ou guardamos para nós. Em segredo.
A fadista sussurra "... nem às paredes confesso" e a guitarra chora de mansinho, porque entende que há desejos não realizáveis, e só ela os conhece. Os secretos. Será que todos guardamos segredos? Muitos? Demasiados? Até quase sufocarmos? Ou contamos tudo ( tudo? ) à almofada? Como neste poema de Mourid Barghouti:

The pillow said:
at the end of the long day
only I know
the confident man´s confusion,
the nun´s desire,
the slight quiver in the tyrant´s eyelash,
the preacher´s obscenity,
the soul´s longing
for a warm body where flying sparks
become a glowing coal.
Only I know
the grandeur of unnoticed little things;
only I know the loser´s dignity,
the winner´s loneliness
and the stupid coldness one feels
when a wish has been granted.

Um poema que não podia terminar de forma mais terrível. The stupid coldness. Importa fugir daquela frieza. Para que os segredos valham a pena. Para que a concretização dos desejos, dos votos, tenham o sabor das alegrias infantis. Sim, Esperança. Como a que existe nas cores de Turner.

Ano Novo


Os votos, já há muitos anos que ficaram para trás. Um ano novo é apenas um novo ano. No íntimo fica o que não digo por palavras. Fica o que está neste quadro de Casper David Friedrich, o Viajante no cimo do mar de nevoeiro.