quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Gesamtkunstwerke, é pessoal e intransmissível







Tenho assistido a discussões sobre as múltiplas encenações das obras de Wagner. Como ponto de partida para legitimar toda e qualquer "versão", está a incentivação que o Mestre fez antes de morrer para que quem pegasse nas suas obras fosse criativo.
Mas, ser criativo dentro do conceito de obra de arte total.
E o que se tem verificado ultimamente é a usurpação, pelos pândegos da regietheatre, das obras, travestindo-as com a mediocridade das suas visões. Banalizando a genialidade com as suas provocações. Salvo algumas excepções, ou alguns momentos de inspiração, os resultados têm conseguido desequilibrar o balanço requerido para se assistir a uma "obra de arte total". Total e não parcial, com versões dominadas pela teatralização, ofuscando a música e o texto com os devaneios provocadores de quem quer conquistar notoriedade à custa da genialidade do criador. Ao ponto de se falar do Anel de Fulano, do Parsifal de Sicrano...
Chegados a este desvario, tomo para mim que a melhor produção (depois do minimalismo de Wieland Wagner) é a versão concerto com interpretação teatral dos solistas, a qual permite ao espectador ouvir a música e as palavras e a forma como são ditas, e assim imaginar o contexto da teatralização. Fazendo mentalmente a sua própria produção. Pessoal e intransmissível.



Turner, The parting of Hero and Leander


segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Quanto valem os artistas vivos


Este quadro de Hockney foi vendido há dias por 90 milhões de dólares, estabelecendo o valor mais alto pago por uma obra de um artista vivo. Afinal os vivos ainda valem alguma coisa!
Numa perspectiva mais alargada, porque não equacionar as mais ou menos drásticas mudanças de paradigma nas situações até aqui aceites sem polémica... Vivemos numa sociedade capitalista com avanços e recuos no establishment sociológico. E começamos a ouvir - por dentro deste capitalismo - vozes que o colocam em causa. Desde os movimentos ecológicos até às novas formas de organizar os núcleos populacionais, sejam cidades grandes ou terriolas. Desde a indiferença eleitoral até aos recentes movimentos populistas. Desde os crescentes lucros das empresas, até então globalmente aceites, até à defesa de que esses lucros terão de reverter em boa parte para o benefício da sociedade. Vemos uma forma de estar no capitalismo totalmente diferente da que tem existido e sido amplamente aceite.
Aproxima-se uma nova ver de viver, uma transformação do capitalismo tal como o conhecemos até agora. O capitalismo vai ter de ter um banho de socialismo.



Hockney, pool with two figures

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O triunfo da bisbilhotice



No século passado, Guy Debord descreveu a praga que percorre estes tempos de comunicação fácil, chamando-lhe a sociedade do espectáculo.
A primazia do entretenimento fácil, como anestesia do pensamento e congelação da criatividade. A bisbilhotice como única alimentação da vida. A promoção das fake news como justificação para um mundo em que todos estamos bem informados. Um triste espectáculo!
Esta cultura da ocultação da engrenagem dos poderes através da construção de comunidades amorfas, tem sido um sucesso recorrente para qualquer das correntes do poder, que assim fica liberto para o seu livre exercício. E na altura de plebiscitar, reforça-se o espectáculo.
Isto, a propósito das mais actualizadas correntes falantes, as tecnológicas, digitais, e até virtuais (!). No rescaldo da web summit, a alegria tecnológica do espectáculo em palco, não é mais que a cobertura do espectáculo de bastidores, feio, porque revelador da verdadeira natureza humana. A sofreguidão na busca de investidores para uma maioria de projectos que são uma forma de vida dos novos chicos espertos. Com a benção dos espectadores.


Vieira da Silva, Tours d´Armes

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

turismo míope




Se Portugal esteve turisticamente na moda, porque não se aproveitou para renovar a oferta, que coloca o país no radar de um turismo poupadinho, de forma radical privilegiando o segmento que atrai o turismo de luxo? Miopismo político e empresarial.

Tal como os inúmeros violinos de Picasso, poderia Portugal ter ofertas para todos os segmentos. Faltaram violinistas com ambição e visão de futuro. Os erros pagam-se. Nomeadamente, quando um país é pobre de recursos alternativos.



Picasso, violon 1913 e 1915
 Bracque. La musicienne 1917

Sempre




A mente é um labirinto onde frequentemente nos perdemos, mas onde obrigatoriamente temos de nos encontrar sob pena de definharmos.
Vem esta constatação a propósito do bombardeamento de notícias que propagandeiam a alarvice, a obscenidade gratuita, o voyeurismo, e se assumem cada vez mais como estandartes de uma nova versão da indústria do entretenimento. As massas gostam, por isso produz-se mais e mais, nem interessa se o que se divulga é verdade, é uma verdade distorcida ou é uma mentira.
Mas somos humanos, caramba! Não podemos deixar que nos atolem a vontade na lama ébria. Atentos às suas mutações que nos pretendem enganar. Vigiemos a nossa mente, olhando de vez em quando para o passado, para ver se os valores que sempre defendemos ainda nos dizem alguma coisa.
Temos de nos erguer desta baixeza e repudiá-la. Enterrá-la no cemitério do esquecimento.

Gosto destas palavras, e aqui as posso aplicar, de Maya Angelou:

Just like moons and like suns,
With the certainty of tides,
Just like hopes springing high,
Still I'll rise.


Marc Chagall, Les portes du cimetière

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O Turismo redescoberto



O turismo parece ter sido redescoberto em Portugal. E a ele se tecem loas.
Exageradamente, no mínimo. O turismo não passa de uma nova forma de colonização, obrigando o autóctone a canalizar a sua potencial produtividade para a obtenção de receitas na exploração desse filão, desse novo El Dorado. Ou seja, o residente vai-se tornando progressivamente dependente do turismo.
Tal como aconteceu noutras formas de colonização, o turismo em massa mata a cultura, banalizando a sua  exterioridade e impedindo a percepção da sua interioridade.
Um mal nunca vem só!
Hoje, o turismo povoa as cabeças de governantes e governados, com ilusões de progresso económico, mas que o é apenas - e de forma não generalizada - financeiro. E redutor, na medida em que trava a criatividade que - ela sim - conduz à produção de riqueza sustentável, ao progresso económico e social.

Associei turismo ao nosso Minho, às gentes minhotas, e lembrei-me deste quadro maravilhoso.


Sónia Delauney, Mercado no Minho

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Ontem, o Azul na colina verde





Nem de propósito, o Azul de que falei há dias, voltou ontem a Bayreuth. Uma encenação de compromisso entre o conservadorismo e o progressismo, em que conservador é o que guarda valor numa tradição imutável, e o progressista é o que aplica uma nova leitura da obra, recusando o imobilismo.
O Azul dominou toda a versão, transportando-me para dentro dos quadros de van Gogh, de uma beleza triste, escura nas trevas de uma idade qualquer. Tudo se resolve no final: Lohengrin despe as vestes de um electricista que trouxe luz a uma sociedade obscura, sem rumo. E veste o traje da hipocrisia na noite de núpcias, retirando a Bíblia das mãos de Elsa, acorrentando-a com cabos eléctricos. O representante do Graal mais se assemelha a um Merlin. E no fim, a bruxa sobrevive, com Elsa, repudiando as exigências irrealistas enquanto o resto daquela sociedade decrépita morre. Fica a esperança. Nas mulheres.
Diz-me Azul Azul, haverá Azul mais bonito que o meu...


van Gogh, noite estrelada

segunda-feira, 23 de julho de 2018

O Azul, sempre


Não vou definir o que é o Azul. Regressei há pouco da experiência dos Wagner Days de Adam Fischer. Com o Tristão senti-me Azul, com o Holandês fiquei azul. Na semana passada foi o Parsifal como Audi o vê - fiquei azulinho - e como Petrenko o sente - fiquei Azul. E aqui, com uma só obra, coexiste o azul de alguma raiva e o Azul de algum êxtase.

Este tema azul, é só uma desculpa para vir aqui, de relance.



Zao Wou-Ki, 22.1.68

quinta-feira, 26 de abril de 2018

A IA, na Banca ou na Pintura



Treme-se de medo porque a inteligência artificial (IA) só irá criar desemprego. Claro que serão necessárias políticas sociais adaptadas e actualizadas aos sucessivos novos modus vivendi que as novas tecnologias aportam ao nosso dia-a-dia.

Existem, todavia, funções que podem, com grande vantagem, ser operadas pela IA. Com o descrédito que a banca granjeou nos últimos anos, veio uma avalanche de controlos, de normativos de supervisão que arrastam exércitos de gente para os estudar e depois implementar. O custo de tempo e de pessoas para assegurar que os procedimentos são compliant pode e deve exigir que a IA se dedique à sua área, libertando meios para outras áreas mais difíceis de substituir por robots.

Passam agora 100 anos do nascimento de Santa-Rita Pintor. Pode-se desenvolver a IA por forma a continuar a sua obra?


Santa-Rita Pintor, Violino e Candelabro

quinta-feira, 15 de março de 2018

Inteligência Insuficiente

 


Mais que prestar tributo na morte do genial S.Hawking, também ele wagneriano, apetece falar sobre a inteligência. A sua limitação.

O Homem tem de reconhecer que a sua inteligência não abrange a compreensão ou a explicação da origem do mundo, dos mundos, do universo ou dos universos. Como explicar a origem da origem?

Atiramos a toalha ao chão, ora remetendo a origem para um deus (e quem ou o quê que criou deus?), ora aceitando a impotência da compreensão ainda que formulando teorias que nos conduzem na dissipação de dúvidas.

O Big Bang pressupõe uma existência de algo que explode. Qual a origem desse algo? Podemos sempre dizer que a origem é o nada absoluto. Mas temos de confessar que não se concebe um nada absoluto, porque a existência do nada significa já que o nada deixou de existir. É como dizer que antes do nada, nada havia, mas assim, continuamos a pressupôr uma existência qualquer. E não saímos desta espiral devoradora, qual buraco negro num universo cheio de traças. Raciocinamos impotentemente, até que adormecemos e sonhamos com as contas a pagar, com as realidades que compreendemos, para nos sentirmos inteligentes.

Voltando a Hawking: Remember to look at the stars and not down at your feet.


Pomar, D.Quixote

sexta-feira, 9 de março de 2018

Predadores



Entrou-se definitivamente na pós-democracia. Por todo o lado, as correntes populistas ganham força e chegam ao poder. Como ideias só têm a crítica sem ética, polvilhada de propostas espúrias aplicadas depois de moldar as leis. Veja-se a Polónia, onde o sistema judicial ficou nas mãos do poder político e já se faz estragos: é considerado crime falar ou ensinar em "colaboração de polacos com os nazis"; é crime falar em "campos de concentração polacos". Semeia-se uma nova forma de reescrever a história. Pode ser um exemplo caricato, mas é representativo do que estas cabeças produzem e significativo ideologicamente.

À nossa volta, os populismos avançam, ganham eleições, votados por populações com medo das mutações sociais. O papão da insegurança mundial, é propalado sem dó nem piedade, assustando os menos preparados culturalmente e exacerbando os nacionalismos.

Entre os populismos e os poderes absolutos, apenas uma pequena parte do mundo ainda respira democracia.

O que é que está a falhar na democracia? A educação, o aculturamento das populações. Sem uma forte aposta na educação não se conseguirá travar esta minoria sem ética.

Se se olhar para os primórdios da humanidade, conclui-se que o Homem é o maior predador que alguma vez existiu, e que continuará numa fúria incontida de fuga para a frente, que o levará a procurar outros planetas para se expandir.

Será a consequência do espectáculo triste hoje instalado.

Assiste-se hoje à tomada de poder por novos predadores, estes populistas, agitadores de espantalhos que têm acolhimento no resultado do nosso défice cultural. Por uma nova minoria de predadores que não encontra oposição na maioria titubeante dos restantes políticos.

Vamos assistir ao incêndio das nações.




Vieira da Silva, O incêndio

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Imortalidade




É verdade que o Homem está a progredir mais rapidamente na exploração científica. Nota-se um caminho que vai ganhando forma: a inteligência artificial. Aquilo que começou por ser uma forma de criar máquinas que ajudassem o Homem nas tarefas repetitivas, tem vindo a dar lugar ao conceito de super-homem. Está pois, perto o passo para se pensar na imortalidade. E depois?

Como lá chegar?

Começámos com as máquinas que fazem tarefas simples, que jogam connosco, que estabelecem uma conversa, que nos superam na perfeição do raciocínio lógico. Paralelamente, já temos órgãos artificiais que casam na perfeição com o resto do organismo. Para fechar o círculo, estamos a aventurar-nos na compreensão do cérebro, no estudo dos estímulos. Já temos partes mecânicas do corpo - braços, pernas - que obedecem à vontade, ou seja, já conhecemos o seu circuito de estímulos cerebrais para as dominar.
O cérebro é todavia, a parte mais desconhecida do nosso corpo. Por isso, criar máquinas à nossa semelhança, mais tarde ou mais cedo, vai provocar o avanço no conhecimento. O perigo está em criar máquinas que superam o criador e o possam controlar ou, no mínimo, capazes de impedir serem controladas pelo criador.

Com a capacidade de criar todas as partes do corpo humano, e ir substituindo as que vão falhando por novas, teremos o Homem com uma vida cada vez mais prolongada, até à eternidade.

O que irá distinguir depois o Homem da Máquina? Bom, isto não irá acontecer a todos os Homens, da mesma forma e ao mesmo tempo. Perfila-se então uma nova raça - os primeiros Híbridos - que irão comandar o resto da população. Racionalmente, procurarão assegurar o equilíbrio do ecossistema. Ou cortam o crescimento populacional - a bem ou a mal. Ou procurarão outros planetas para exportar os excedentes.

Assim escrito, de rompante, isto parece utópico. Mas não é ficção científica! É o caminho que a Ciência está a percorrer. O meu lado optimista quer acreditar que os valores humanistas prevalecerão. O meu lado pessimista escolheu este quadro.



Karel Appel, bataillhe des animaux