quinta-feira, 30 de março de 2017

Avant-garde ou pós-verdade em Bayreuth?


Reflexão amarga sobre o último Anel de Bayreuth

(Frank Castorf, quase à solta)





















terça-feira, 21 de março de 2017

Poesia



Esta mania de atribuir comemorações aos dias, acordou em mim, hoje,  a tentação de ir à gaveta e começar a deixar aqui palavras que alinhavei, sem a presunção de lhes chamar poemas, mas apenas luminescências do êxtase sentido com Tristão e Isolda.

Mas, para não desvirtuar o dia, um Poema a sério, e com motivo, pois para mim a Primavera é sublime e sempre a celebro neste dia:

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


Alberto Caeiro, Quando vier a Primavera

 

quarta-feira, 15 de março de 2017

Este ano na colina verde






Mais dentro da seita, lá estarei este ano na montanha mágica para os excessos do Anel de Castorf.

(Publicado em Janeiro 2016)


Rheinegold, Castorf

Êxito do Exit

O mundo está a ficar nas mãos dos populistas. Os extremismos de direito e de esquerda crescem e engolem o centro. A virtude perdeu-se. Alguma vez voltará?
Os medíocres senhores dominantes sentem medo, a burocracia já não os defende dos ataques populistas. O funcionalismo público europeu não consegue evitar a algazarra dos referendos.
Uma decisão magna é votada e acatada com uma diferença inferior a 4%. É de pasmar!
A anormalidade é o novo normal. Pensar que a decisão de um país mandar às malvas acordos de cooperação com 27 países, pode ser tomada por difenças marginais de voto, é de loucos. Logo no dia a seguir ao referendo uma catadupa de votantes pelo Brexit, zurrou estar arrependida. Really?! Ninguém pensou que, talvez 2/3 fosse uma exigência racional para determinar mudanças radicais com impactos significativos? Ninguém pensou que uma decisão tão marcante iria impactar a vida dos mais jovens durante muitos mais anos do que afectaria a vida dos mais velhos? E foram precisamente os mais novos que votaram contra e perderam. E que vão ter de viver com a decisão dos velhos depois destes morrerem. Fair enough?
Pior mesmo, é os burocratas não perceberem as ondas de choque que irão levar às próximas saídas. Ciao, claro.



(Publicado em 2016)



Tindersticks, the waiting room

O fim da classe média



Não é só a entropia da civilização ocidental que nos entra diariamente pelos olhos e pelos ouvidos. Não! É algo mais forte e dramático que se anuncia.
Vemos a exploração petrolífera deixar de ser rentável, poços a fecharem. Anuncia-se o fim da produção de carros a combustível. Vêm os carros eléctricos. E sem condutor. De uma penada limpam-se várias profissões e enfatiza-se a robotização. Multiplicam-se os exemplos como este, noutros sectores de produção.
A inteligência artificial vai chegar em força.
Os robots que cozinham, que aspiram, que cortam relva, que limpam piscinas,... foram o primeiro passo. Virão os carros sem condutor. Fez-se já uma ponte com uma impressora 3D. Já estão testados robots para a medicina e que conseguem margem de erro zero nas análises para detecção de cancro, contra 7% de erro dos técnicos humanos.  Basta pôr a nossa inteligência imaginativa a funcionar para se projectar uma sociedade nova. Uma sociedade onde os técnicos serão substituídos por máquinas.
Será o fim de uma classe média, tal como a conhecemos hoje? Sem colarinhos azuis, e sem colarinhos brancos. AI is the new black.
Ou, tal como aconteceu com a revolução industrial, o avanço tecnológico acaba sempre por criar mais postos de trabalho do que os que aniquila?
Certo é que a inteligência artificial, mal monitorizada, ou seja, permitindo-se que evolua no sentido do lucro e não do bem estar social, pode conduzir-nos a uma nova barbárie, onde os galgos e os imensos coelhos desempregados e sem nada a perder, se degladiarão até à aniquilação que permita alguma sobrevivência.
Numa sociedade ideal, bem estruturada e civilizada, a Inteligência Artificial seria bem vinda, libertando as pessoas para o bem-estar. Nas sociedades doentes, como as que vemos hoje, o perigo espreita e favorece o aparecimento do Big Brother.


(Publicado em 2016)




Amadeo Souza Cardoso, Galgos

O Estado-Digital



As sociedades estão a desequilibrar-se estruturalmente e irão conduzir os Estados para o caminho do controlo absoluto sobre os cidadãos. Nos regimes totalitários, a pressão para trilhar este caminho é premente para evitar a dissonância popular. Nos regimes democráticos, a ilusão do poder de voto está a colocar no poder correntes políticas de forte cariz controlador.
Hoje, já existem bases de dados que bem podem traçar o perfil do indivíduo e assim fornecer matéria para o controlar. Desde os sistemas de informação fiscal, que começam nos rendimentos mas que sabem traçar o perfil consumista, até aos registos sobre a saúde, outros irão aparecer, sobre os hábitos, os vícios, as tendências políticas, etc. Irão aparecer com a desculpa de melhorar a interacção entre o Estado e o indivíduo. Para bem deste. Sempre.
A digitalização de toda a informação vai permitir a construção de um Estado-Digital habilitado a prever comportamentos e por isso, ter ascendência sobre eles, domando-os ou até evitando o seu aparecimento.
Esta revolução começará certamente nos Estados totalitários, onde a implementação ocorrerá sem oposição. A tentação de alargar às democracias o novo mundo informativo, será grande e inevitavelmente irá ocorrendo. Não se vislumbra forma de impedir que o Estado-Digital se transforme no mundo orwelliano.


(Publicadop em 2016)



Salvador Dali, Natureza morta viva



Depressão




Chorar à chuva tem a vantagem cómica de se verem as lágrimas misturadas com os pingos da mesma chuva. Chorar à chuva pode, assim, dissipar o motivo da choradeira. Mas, e se o motivo for a depressão?
Na depressão, pode nem haver choro, apenas uma imensa vontade de não existir. E houve até quem pintasse para exorcizar as sombras.
Em Londres, cidade consistentemente familiarizada com a Arte, Paula Rego expõe, por estes dias, as suas Depression Series, dez anos depois de as ter pintado enquanto combatia a sua própria depressão.
Estranhamente, ao olhar as telas, não deixa de se sentir uma contradição entre a obra da pintora, fora da depressão versus dentro da depressão.
A obra fora da depressão revela uma personalidade profundamente traumatizada e reprimida. Na sua fase dentro da depressão, pelo contrário, existe a aceitação daquela violentação. Existe um sentido de abandono da raiva, desistência da luta para fazer ver ao mundo como a sociedade é repressiva, especialmente sobre a mulher.
E assim entende-se o verdadeiro significado da depressão: o falhanço interiorizado do combate aos traumas, nunca os conseguindo esquecer, deixar de reviver até. Então, os traços da pintura, durante o período depressivo, atenuaram-se, transmitindo uma suave violência, uma expressão submissa, derrotada, da sua luta perdida. As causas e a cura? Nem a pintora talvez saiba!


Paula Rego, Depression Series, Depressiom, Mermaid.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Exposições


 
Grandes referências portuguesas têm arrastado multidões às suas exposições. Amadeo e agora Almada, em Lisboa, atraíram filas nunca vistas de pessoas. Apreciadores, curiosos, e "outros". E são estes "outros" que são responsáveis pelas enchentes. Porque estas exposições foram divulgadas pela imprensa? Um aspecto positivo, mas que pouco se diferencia de outras exposições. A de Cesariny foi  (menos) divulgada e está longe dos elevados índices de afluência daquelas.
Que fenómeno se passa? Teme-se que seja passageiro, e que se deva tão só a ter-se tornado moda ir a exposições. Basta apreciar a exposição dentro da exposição: os "outros" percorrem os corredores quase sem olhar para os quadros, conversam, falam de tudo, menos dos quadros.
Quando deixar de ser
o píncaro do moderno,
o actual mas muito à frente,
recheado de modernidade,
ou seja,
quando os "novos aculturados" se chatearem de ir a uma exposição,
o marasmo da ignorância cultural - teme-se - voltará.
 
 
Almada Negreiros, Arlequim, Bailarina e Cavalo  (boa e má imagem)


 

sexta-feira, 10 de março de 2017

Velhice

 

Velhice, diga-se o que se disser, mesmo reforçando que a mente é jovem, é quando notamos que as nossas referências vão morrendo e as substituições vão faltando.
Howard Hodgkin era uma delas e foi-se ontem embora. Deixou uma obra sobre a Vida. A Alegria das suas cores fortes quase que é Música. Estudos para uma Obra de Arte Total.