terça-feira, 22 de setembro de 2009

Clássicos (em tons de Outono)


Começou o Outono. Uma estação que remete para o conforto. Ambiente nem muito quente nem muito frio. Cores onde os olhos encontram repouso. Apetece ronronar ao fim da tarde. Os dias fogem mais depressa, e as tardes colam-se às noites.




Apetecem Livros que alimentem. Apetece queimar os livros que nos entreteram no Verão. Em auto de fé. Para expiar a vergonha de os ter lido. Não apenas aqueles livros escritos por quem não sabe raciocinar. Por quem aproveita a onda de ser figura pública e nos tenta convencer da sua súbita veia literária. Sei lá. Sei lá, com muito sexo plastificado. Sei lá, com muitos palavrões.

A vergonha vem sobremaneira daqueles livros que saem em catadupas das editoras, cumprindo escrupulosamente os planos de marketing que inventam leitores e necessidades para os entreter. São livros de consumo e esquecimento rápidos. Não nos ajudam rigorosamente nada. Não aprendemos nada que os Clássicos nos não tenham já ensinado. Superiormente.



Agora, no Outono vem a vergonha de os ter lido. De termos sucumbido à superficialidade, à facilidade. Lemo-los, na esperança de encontrar algo que nos ajude a viver com melhor discernimento, mais esclarecidos. Regra geral, sentimo-nos defraudados, pois lemo-los na esperança de os colocar ao lado daqueles livros que nos iluminaram. Daqueles que nos acompanham para onde formos. Daqueles que apetece reler. No Outono. Os Clássicos. Clássicos são aqueles que lemos com prazer. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.




No Outono também apetece Música. A indústria discográfica foi obrigada a impôr os leitores/ arquivadores de música com capacidades impossíveis de utilizar. Tanta é a música produzida, inventada, copiada. Ninguém tem tempo para ouvir tudo. Acima de tudo, são raras as músicas que nos empolgam. Nos tocam. Por isso os consumidores compram cada vez menos e vão ser bombardeados, por aquela mesma indústria, para comprarem apenas as músicas de que gostam. É o fim dos álbuns enquanto conceito de trabalho musical. As músicas vão passar a ser vendidas em unidose.


E é no Outono que tomamos consciência de que a quase totalidade das músicas que vão saindo, não nos dizem nada. São de plástico, sons que nos incomodam. Arranham-nos a sensibilidade, e por isso voltamos-lhe as costas. As poucas músicas que sobrevivem, vão engrossando o nosso pelotão dos Clássicos.


No Outono viramo-nos para os Clássicos. Os Clássicos são aqueles sons que nos devolvem a consciência de existirmos, que nos dão prazer. A quem voltamos sempre, porque nos tiram as saudades. Ou as alimentam. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



No Outono também apetece cinema. Uma oferta gritantemente medíocre de cinema invade a nossa privacidade. São raros os filmes que hoje nos fazem aplaudir de pé. Tirando o uso das potencialidades tecnológicas, normalmente mal aproveitadas, fica um deserto de lugares comuns, de imagens banais, de novos estereótipos de beleza, de um depuramento da violência, como argumento terminal para prender o espectador.


É então que sentimos a urgência de rever aqueles filmes que se plasmaram em nós como uma segunda pele, conduzindo-nos ao encontro da nossa intimidade. Aqueles filmes que nos tiram do lugar de espectador e nos obrigam a ser intérpretes. A viver a intensidade das palavras, a atracção dos olhares. A experimentar a dor, a perda, a conquista, o sucesso, o desespero, a frustração, o orgulho, o prazer. São os Clássicos.


E assim, no Outono, vemos os filmes que nos fazem rir ou chorar. Normalmente ambas as coisas. Volta e meia, temo-los nas mãos. A emocionar-nos.



Com esses filmes, com esses livros, com essas músicas, de sempre, o Outono é mais aconchegante. Se conseguirmos partilhar esse aconchego, o ar deixa de ser tão pesado. A vida parece-nos mais valiosa. Volta e meia, precisamos acariciar a vida com as nossas mãos.
Renoir, Cagnes

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