quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Viagem no tempo










Penso que todos nós vivemos a nostalgia daquela viagem que nos deixou impressões mais profundas. É até legítimo o desejo de repeti-la. Ora comigo existe uma outra nostalgia que me invade com inusitada frequência: por uma viagem impossível de repetir.
E dou por mim a sonhar com aquelas viagens de comboio - muitos chamavam-lhe Maria Fumaça - que eu fazia com o meu avô pelo Douro. O meu avô que me pegava ao colo para eu ocupar um lugar desaconselhável no peitoril da janela, onde eu absorvia o cheiro do comboio a vapor e me deliciava com o fumo que via nas curvas; de onde eu via passar o filme mais bonito do mundo: o rio, as quintas, as vindimas, a labuta das jornadas de sol a sol, e na carruagem toda uma banda sonora feita de vozes alegres que diziam coisas que eu não percebia, acompanhadas de risadas sonoras misturadas com a estridência das gaitas de beiços e o piar dos frangos transportados em cestas de vime. Ao longe o som do sino duma igreja provocava fome naquela gente. Feliz à sua maneira, mas feliz. E era um abrir de açafates forrados de onde saltavam cheirinhos que calavam a vozearia. Todos bebiam daqueles garrafões de vidro forrados de vime, e logo o calor da conversa subia de tom e entrelaçava-se com gargalhadas que os transportavam até ao sono igualmente sonoro.
Eu lutava por vencer o sono mas não conseguia. Que pena, pois hoje lembrar-me-ia de mais pormenores destas viagens impossíveis de repetir.

Ficou o fascínio pelos comboios a vapor. Enfim, sem aquele cheiro enebriante.

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