segunda-feira, 19 de junho de 2017

Angústia - As Pérolas - As Árvores





Angústia

 
 
A angústia colava-se-me aos lábios
Numa promiscuidade insuportável
Com a minha natural humidade labial.
Queria falar, mas ela tapava-me a boca
Saíam sons desarticulados e aflitos.
Neles se notava já o timbre
                                          do desassossego.

A angústia empurrava esses sons de volta
Para a minha boca precocemente impotente
Fixando-me a rota da decadência.
Prazeres passados desfilavam perante os meus olhos
Doendo-me o esforço inglório para os fechar.
O epicurismo vitorioso troçava
                                             da sua vítima.
 
A angústia copulava com o epicurismo
Eu, impávido, deixava escorrer as sensações
Para um marasmo de sentidos moribundos.
A meus pés jaziam livros mudos, discos mudos
Que os meus olhos e ouvidos já não sentiam.
A minha subjectividade tinha-se perdido.
                                               sem rasto.
 
A angústia saciava o seu apetite
Engolindo a minha subjectividade
Deixando-me orfão de mim mesmo.
Restava-me esperar o sono que não vinha,
Embrulhar a alma numa religião sem nexo.
Nunca mais acordar seria matar
                                                a angústia.
 
A angústia agonizava lentamente
O tempo passava cada vez mais devagar
O meu entorpecimento mexia as pálpebras.
Regressavam os sentidos e vi Deus olhar-me sorridente
Como quem olha entediado para um brinquedo.
Aterrorizado, procurei fugir e beijei
                                                 a angústia.

 
 

As Pérolas

 
As minhas lágrimas secaram
No próprio útero maternal,
Já não me molham as faces cavadas
Já não despertam a solidão
Deste sono inevitável.
As minhas lágrimas já não se materializam
Em pérolas de emoções.

As minhas lágrimas morreram
Sem esperar por mim,
Numa expressão extrema de crueldade
Numa infrutescência obcecada
Desta secura sem fim.
As minhas lágrimas anunciaram-me
O entardecer da vida, das emoções.

As minhas lágrimas partiram
Abandonando-me no seu arrefecimento,
Sem que eu, o desejasse ou contrariasse
Sem que eu me sentisse traído.
Transformaram-se em pérolas sem valor
Baças, uniformemente iguais
Excreções decorativas sem emoções.

 

 

As Árvores

 
As árvores mexiam-se sem restolhar
As folhas e os ramos ora se aproximavam
Ora se afastavam de mim.

As árvores cercavam-me sem dançar
As folhas e os ramos segredavam-me sons
Que eu não conseguia entender.

As árvores aproximavam-se sem me pisar
As folhas e os ramos perante a minha mudez
Gritavam por água,
Clamavam pelas minhas lágrimas.


FL Wright

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