quinta-feira, 22 de junho de 2017

O Vulcão - O Lago - Frio - A Noite



O Vulcão

 
O vulcão começou a cuspir fogo
Numa tuberculose suicida;
O chão estremeceu abrindo fendas
Os pássaros fugiram em exaltação
As casas ruíram sob a lava incandescente;

O vulcão troou ameaças sem oposição
Até transformar tudo á sua volta
Num cemitério em arrefecimento;
As cinzas são o que resta do dia que foi noite.
Tudo porque tu largaste a minha mão.

 

 
 

O Lago

 
Quis torturar a minha alma
Fui procurar a tragédia
Perdi-me num lago.

Quis humilhar o meu espírito
Misturei-me com quem não queria
Acordei a flutuar num lago.

Vi as margens que não queria pisar
O lago não tinha saída
Estava consumada a tragédia.

A alma agarrava-se-me ao pescoço
Puxando pelo meu corpo
Asfixiando-me a vontade de naufragar.

Abri bem os olhos, à beira da emoção
Olhei para dentro de mim envergonhado
Respirando a urgência de sair do lago.

Dias e noites passaram, sem solução,
As margens que eu não queria pisar
O lago que não tinha saída.

Sol e lua faziam turnos para se rir de mim
Nas margens, sábios e tolos riam com vontade
E o próprio lago já me considerava parte de si.

O meu corpo enregelado não sentia fadiga
A minha alma aquecia-me a vontade:
Eu só tinha que nadar numa direcção.

Repudiei todas as direcções
Concentrei-me em perceber a alma
Que inundara de tristeza o lago.

Foi então que consegui ouvir o silêncio
O lago chamava-me com voz longínqua
Em volta não haviam margens e o lago secara.

Alguém me levava ao colo e me acariciava
Dizia: és meu, vou-te levar para minha casa
E nisto, depositava-me num barco.

Partimos sem que eu me apercebesse
Alguém dizia: este lago é a minha casa.
Outro lago, a mesma prisão.

Agora era eu quem ria de mim próprio
E agarrado à alma, saltei borda fora, sem direcção
Finalmente sabia que não queria estar no lago.

 

 

Frio

 
Tenho frio
Algo passou através de mim
Transformando-me num arrepio
Preciso vestir-me com o verão.

Já não mexo os dedos das mãos
Não sinto nem tenho estímulos,
Faz tanto tempo que não te vejo
Viajo para ti e não te encontro.

O verão chegou mas o frio ficou
Assolando-me os sentidos;
Ah, se tu soubesses o calor que emanas
Não tinhas emigrado, atravessando-me.

Fiquei vulnerável sem identidade
Fugiste com uma parte de mim
Deixando-me os gelos da memória;
Amar é sofrer, é ter frio sempre.

 

 
 
A noite

 
Desço sobre ti
Num voo apaixonado
Ao ritmo do anoitecer.

Dormes com a tua nudez
No ninho da tranquilidade
Ao ritmo dos meus suspiros.

As minhas asas cobrem-te
Tocando-te à flor da pele
Ao ritmo do albatroz.

Amo-te em bicos dos pés
O teu corpo mexe-se sem acordar
Ao ritmo do teu espreguiçar.

A noite contemplativa avança
E eu vejo-te cada vez melhor
Ao ritmo do adensar da escuridão.

Ao longe, bem dentro de mim,
Um saxofone tenta despertar-me
Ao ritmo do amanhecer.

É tempo de levantar voo
Estremeces e desenhas um sorriso
Ao ritmo do teu sonho.

Parto sem te deixar
Ao encontro do meu corpo
Ao ritmo do meu sonho.

Oiço vozes celestiais
Madrugadoras mas veementes
Ao ritmo do canto gregoriano.

Começo a acordar
Espreguiço-me agarrado a ti
Pego no telefone, mas ainda dormes

Abro a janela e grito aos pássaros:
Bom dia! Até logo noite!
 
O vento entra-me pela boca
Num beijar que tão bem conheço
Segura-me as mãos com que o quero abraçar
E invade-me com a tua voz:
Bom dia! Até logo noite!

 

FL Wright, Falling Water House

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