sexta-feira, 16 de junho de 2017

Fogo - A Aurora - Odores




Fogo

 
Os nossos corpos explodem em fogo de artifício
O fumo evolui, no ar, com a nossa forma
Nós iluminamos o sol, as estrelas e o mundo;
Tu, iluminas-me.

Os meus olhos são à prova do teu fogo
As tuas chamas chamam por mim
Como uma tempestade  frenética e inevitável
a que não posso, não devo, não quero fugir.

Sem resistência, mergulho nas tuas chamas
Sem qualquer aviso, o meu corpo arde com o teu
Libertamos labaredas redentoras
Por todos os que estão condenados a amar.

Devotos, nesta sagrada missa de condenação
Sabemo-nos rodeados de apóstolos
Em oração pelo nosso amor
Rezando na esperança de um mundo
que valha a pena ser vivido.

 

 
A Aurora

 
Adormeci embrulhado nas brumas da aurora
Exausto de te amar
Exangue.

Saí do meu corpo quente e prostrado
Vi-te sair cheia de amor
Com o meu sangue.

Entraste pela aurora adentro, segura
Os teus pés não tocavam o chão
Tu voavas.

Regressei, veloz, sobre o meu corpo,
Aninhado na tua imagem,
Cheirando-te.

Antes, porém, agarrei as brumas da aurora
Roubei-lhes umas asas diáfanas
A colar no meu corpo.
Quero voar como tu!

 


Odores

 
O espelho pairava, anónimo, sem rosto próprio
Rasgava-nos impiedosamente a intimidade,
Sem contudo, conseguir devassar os nossos odores.
 
A luz despia os nossos contornos,
Tornando-os publicamente visíveis,
Sem contudo, conseguir devassar os nossos odores.

Por instinto, as nossas mãos voavam
E abriam todas as janelas à nossa volta,
Rodopiávamos embriagados nos nossos odores.

O ar entrava, altivo, jovem, despudorado
Mas corava de nos ver assim, felizes até à medula
Rodopiávamos embriagados nos nossos odores.

Uma lufada de ar, feita beijo fresco, trazia-nos paz
Lavava  a cama, limpava as paredes,
Deixava-nos com os nossos odores.

O ar ia-se embora, carregado,
Levando as impurezas que o nosso amor havia vencido,
Deixava-nos com os nossos odores.

Entrava mais ar, agitava cortinados, cabelos, lençóis.
Abríamos a boca e deixávamo-lo entrar,
Como se fosse uma hóstia, com os nossos odores.

Varria o interior do nosso corpo,
Massajava os nossos músculos,
Deixava-nos prontos para perpetuar os nossos odores.

Então, olhávamos para o espelho anónimo
Que nos mostrava os nossos corpos
E ríamos alto de mãos dadas:
Afinal a nossa intimidade estava intacta,
Os odores eram só nossos,
E as nossas bocas voltavam a unir-se.

 
Giacometti, L´homme qui marche

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