sexta-feira, 16 de junho de 2017

Saudade - Ilusões




Saudade

 
A saudade é uma árvore que sangra
De um tronco oco
Outrora robusto e prenhe de vida.

A saudade é uma árvore que sangra
De ramos secos
Que arranham o ar.

A saudade é uma árvore que sangra
De raízes soltas
Ansiosas por serem agarradas.

A saudade é uma árvore que sangra
De folhas amarelecidas
Incapazes de receber o sol.

A saudade é uma árvore que sangra
Por ter deixado de ser regada
Com sangue vivo.

A saudade é uma árvore que sangra
Até que um pássaro ferido a escolha
Para nela repousar
E que a mistura dos seus sangues
A possa sarar.

A saudade é um pássaro que sangra
Ferido pelas distâncias,
De asas amachucadas
Por ventos contrários,
Na procura da sua árvore.

Aparece árvore minha.

Vem passarinho
Ferir-te nos meus galhos
Curar-te nas minhas folhas
Alimentar-te da minha seiva
Matar esta saudade.
 

 


Ilusões

 
Renego as ilusões
Meu arco-íris de ilusões
Alegres e depois tristes.

Renego as ilusões
Porque formam a concha
Que encerra esta dor de viver.

Renego as ilusões
Que me fizeram apaixonar
Por esta dor sem alívio.

Renego as ilusões
Feitas de memórias e esquecimentos
Que há muito deixei de explicar.

Renego as ilusões
Por tornarem o racional incómodo
Como uma comichão atormentadora.

Renego as ilusões
Ecoando em mim
Como o sino de uma aldeia deserta,
Tocado pelo vento,
Numa monotonia
De roubar a respiração,
Anestesiando a alma,
Afastando a realidade
Para mais e mais longe.

Refém das ilusões,
Meu deus! Como eu amo a dor
Única realidade nas minhas noites de vigília
Única realidade nestes dias sem luz.

Vejo a tua face
Abro os olhos e julgo acordar
De mais uma ilusão,
Mas logo os teus olhos transparentes
Me deixam ver a realidade.
Beijamo-nos na realidade de uma ilusão
Amamo-nos na ilusão de uma realidade.

Deixo de renegar as ilusões
Abraço este meu mundo
Construído nas ruínas
Da felicidade efémera
Abraço este meu mundo
Refúgio e protecção
De futuras felicidades efémeras

Abraço este meu mundo
Onde não quero ninguém mais...
...Que não saiba como o destruir...

Ah! Mais uma ilusão para o arco-íris!?.
Mendigo uma destruição
Rezo pelos cantos
Busco uma fénix
Anseio pela destruição do meu corpo!?

Vejo já o meu corpo-carcaça
Rodeado de ar putrefacto
Mexendo-se na sua inércia
Empurrado pelos seus habitantes
Que dele se alimentam.

Vejo já o meu corpo-carcaça
Transformado no habitáculo
Anónimo e impessoal
De vermes inconscientes da própria existência
Que dele se alimentam.

Vejo já o meu corpo-carcaça
Não mais lavado pelo sangue
Que um coração sem alma bombeava sem cessar
Num ritual de imensa futilidade
Corrompido pelo tempo que deixou de o alimentar.
 
Vejo já o meu corpo-carcaça
Espectáculo das minhas emoções,
Afinal ainda vivas mas sem brilho,
Emoções em busca da purificação
Que me alimentará.

Corpo dissolvido na dor confusa
Deixo de viver para morrer
Quero morrer para viver
Deixo de mendigar farrapos de amor
Quero respirar para além da dor e do amor.

Ah! Se ao menos a lua trouxesse os seus lobos
E acabasse com o espectáculo.
Vejo o arco-íris das ilusões,
Agarro uma,
Mal me oiço a desejar
Ah! Se tu fosses um lobo
Trazendo-me a redenção num beijo.


FL Wright, Falling water

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