segunda-feira, 26 de junho de 2017

Guincho - Ver o Olhar - O Fantasma - Fugir - A Arte - Toledo




Guincho

 
O Guincho existe para além do mar
Sento-me nas suas areias, entregue aos seus ventos
Ele é o meu paraíso de memórias percorridas sem arfar
É o meu viveiro de sonhos acabados, cheio de novos rebentos.

O Guincho existe para além das areias
Banho-me nas suas águas purificadoras
Ele é o incubador de esperanças alheias
É a minha sacristia de orações redentoras.

O Guincho existe para além de mim
Contigo, nele me sento e banho
Ele é a água e o sol do nosso jardim
É a concha que protege o nosso amor tamanho.

 

 
Ver e Olhar

 
Vejo-me nos teus olhos intransponíveis
E paro, como se esbarrasse com a vontade de viver,
Vejo o teu olhar e noto como és diferente
De quem quer que já tenha estado à minha frente.

Habituei-me ao olhar vazio dos que caminham sem viver
Atravessando vidas desertas pelo deserto de uma vida,
Vejo o teu olhar que me devolve a esperança
Num mundo onde viver seja uma dança.

A tua alegria, que não deixas ninguém ver
Está por detrás dessa máscara,
Vejo o teu olhar brilhante, outrora baço
Quando me deixas envolver-te no meu abraço.

Vejo o teu olhar caminhar até ao meu
Trazendo-me um perfume de viver só teu,
Embaraçada com a tua nudez assim exposta
Soltas umas lágrimas que bebo depois de beijar
Para não serem uma cortina entre o nosso olhar.



 

O Fantasma

 
Despimos o amor e pendurámo-lo à janela
Voltámos a vegetar, embrulhados na realidade
Regressou o olhar vago e triste
Despimos o amor
Lançámos o sentir ao poço da nulidade.

À noite, lá está o nosso amor
O luar entra-lhe de frente
Tal como o sol já o fizera, sem maldade
Nota-se que está enrugado
Já só o vestimos em dias de festa.

Não conseguimos esquecê-lo nem vê-lo
Sabemos que está à janela
Com as luzes apagadas
Passeia-se como um fantasma, pelos nossos sonhos
Assombrando-nos a realidade.

 

 

Fugir

 
Não quero mais querer-te
Mas por onde eu vá, vejo-te;
Não quero mais desejar-te
Mas no que quer que eu faça, sinto-te;
Fujo de fugir-te
Mas procuro esquecer-te.
 
Rasgo folhas de calendário
Entrecortadas de recordações;
Como é penoso este calvário
Onde se destroem as ambições.

Balanço entre o querer e o não querer
Numa balança que não tem fiel
Respiro para sobreviver
Mas o ar sabe-me a fel.

Preciso parar de fugir,
Não de ti, mas de mim;
Tenho urgência de voltar a rir
Um riso puro que te reconstrua
Que te devolva a beleza nua
Onde o princípio não tenha fim.





A Arte

 
Às Artes, às Artes
Contra a inexpressão, marchar, marchar.
Ser Artista é querer desaparecer
No útero que nos conceber
É dar forma aos sonhos
Que nos assombram
                                   os dias e as noites.
A Arte é uma manipulação
Do Artista pelo Artista
É dar forma ao Amor
Que paira nos sonhos
                                   do nosso torpor,
Um Amor que nos quer assassinar
Nos sonhos sonhados e por sonhar,
Um Amor que nos rouba a paz
Entre esta ou qualquer outra inquietação.

 
 

Toledo

 
Toledo me mata de encanto
Todo o casario é um espanto
Passear nas suas ruas é viver para trás
Solidificando a vontade de viver para a frente.

Para saboreares o seu frio dei-te um manto
Tu aninhaste-te em mim, como num canto
Olhavas para mim e não me vias
Eu via-te sem te olhar.

A Toledo hei-de voltar
Encontrar-me com o seu ar frio;
Desta vez não precisarás de agasalho
O teu corpo já não treme,
Habituado às minhas lágrimas de orvalho.

Por Toledo vale a pena vaguear,
No seu rio, os olhos repousar,
Noite e dia, ter o corpo para cansar,
Ao sol e à lua, a vontade de te amar;
Com Toledo passo as noites a sonhar.


 
Basquiat e Warhol, Ubiquarium

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