segunda-feira, 12 de junho de 2017

Tristeza - Labirinto - Cor - Alegria






Tristeza

 
Sem se anunciar,
Ela entra por mim adentro
Misturando-se com os meus pensamentos
Insinuando-se nos meus gestos
Dançando com as minhas preocupações
Tornando-se essencial no meu olhar,
Fundamental nas minhas esperanças: ela
É imprescindível nas minhas caminhadas.

Sem se anunciar,
Ela murmura o que eu sou
Desalinhando o que eu penso que sou,
Transformando as minhas dores
Embrulhando-as em acre nostalgia,
Traduzindo as minhas alegrias
Em pacíficas introspecções: ela
É imprescindível nas minhas caminhadas.

Sem se anunciar,
Ela chega disfarçada de viajante,
Leva-me até à lareira dos meus pensamentos,
E ao ver-me aninhado a seus pés,
Toca-me ao de leve na cabeça
Protegendo-me da desprotecção do seu bafo
Sublinha o seu estranho e permanente sorriso: ela
É imprescindível nas minhas caminhadas.

Sem se anunciar,
Ela impõe-se na sua nitidez,
Arrasta-me pelas mãos prisioneiras
E obriga-me a atravessar as avenidas da esperança
Sem me deixar parar,
Para saborear as tonalidades dos outros seres,
Tornando-me dependente da urgência turística: ela
É imprescindível nas minhas caminhadas.

Sem se anunciar,
Ela convence-me que sempre fez parte de mim,
E discretamente, no alarido dos meus gestos,
Começa a cantar aos meus ouvidos,
Até que eu, hipnotizado, caminho sem destino,
Mergulhado nas maravilhas da solidão,
Abraçado a ela, a quem chamo a Minha Tristeza: ela
É imprescindível nas minhas caminhadas.

 

 
Labirinto

 
Primeiro as trevas,
Abatendo-se sobre a esperança,
Depois a percepção do labirinto
Em que a esperança me largou.

Primeiro o inconformismo,
De me saber perdido,
Depois o repúdio definitivo
Da letargia em que vivo.

Primeiro a rebeldia
Contra o entorpecimento
Depois a vigorosa escolha
Da liberdade, preso a ti.

 

 
Cor

 
A cegueira de querer ver
As cores da vida
Impede-me de saborear
As tonalidades da natureza.

A ilusão de julgar ver
As cores da vida
Afasta-me do prazer
De as distinguir.

Aguardo o momento de conhecer
As cores da vida,
Fundindo-me nesse instante
Com todas e cada uma.

Uma cor e outra cor, e outra,
As cores da vida
Afinal, desfilam permanentemente
Perante os meus sentidos.

Cada cor insinua-se em mim, e
As cores da vida
Varrendo a minha cegueira,
 Perdoam as minhas ilusões.

 

Alegria

 
A alegria aparece-me
Breve como um relâmpago
Duradoura como a água
Intensa como uma faísca
Frágil como uma canoa.

As alegrias que já tive
Deixaram-me mais rico,
Enriquecido por ser pai, amigo, amante.

As alegrias que já tive
Deixaram-me mais pobre,
Consciente da pobreza de ser pai, amigo, amante.

A alegria esfuma-se
Deixando-me órfão,
Deixando-me rico,
Deixando-me pobre,
Deixando-me triste.

Para quê viver a minha alegria,
Se não a puder partilhar
Com quem se sinta também
Mais rico e mais pobre?

Mais vale recusar a alegria:
Mal a pressinta, há que fugir,
Poupando-me à triste ressaca
De saber-me viver anestesiado.

Porém, se o Sol me tocar,
Se o vento me beliscar,
Se o mar me beijar,
Mesmo que eu não perceba
Que tu te disfarçaste
Para me tocar, beliscar e beijar,
Então, não fugirei da alegria.

Breve como um relâmpago
Duradoura como a água
Intensa como uma faísca
Frágil como uma canoa,
De bom grado a acolherei.

 
Damien Hirst, butterfly spin

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