quinta-feira, 22 de junho de 2017

Dedos - Luxúria - Luz - Nuvens




Dedos

 
Teus dedos de volúpia escreveram-me
Tremi de inquietação ao segurar a folha
Notando no papel a ausência do teu cheiro.

Li sem ler, procurando não sei o quê
Reli e então ouvi-te e cheirei-te
Dizias-me no meio do teu riso provocador
Que não te tinha deixado dormir
E que tu não quiseras adormecer.

Quis responder-te mas não consegui
Era-me difícil imitar os teus dedos
A folha de papel oscilava fugindo de mim.

Notei que queria ser rápido a responder
Ainda que tu não esperasses resposta,
Lembrei-me de te enviar um e-mail
Que enviei, para logo me arrepender;
É que assim não sentirias inquietação.

Dizia-te que a noite tinha sido feita para nós
E que onde cada um quer que estivesse
Nada nos impediria de nos visitarmos.

Calculei que a tua resposta viria nessa noite
Acordaste-me com os teus dedos de veludo
Poisados descansadamente nos meus lábios,
Ponto de partida para me acariciares o corpo
Sedento do que não mata a sede.

A escuridão da noite fugia por entre os teus dedos
Cada carícia tua deixava um rasto luminoso
Que eu seguia para encontrar as tuas mãos.
 
Teus dedos de volúpia, escreviam no meu corpo
Rasgando-me a alma, metade minha, metade tua;
Atravessei pântanos e percorri florestas
De intimidade desconhecida, tua e minha;
No meio da preguiça amei-te até adormecer.

Sonhei que te vira partir montada numa vassoura,
Trepei ao telhado que a lua fazia brilhar,
Hipnotizado pela tua graciosidade;
Ao longe, os teus dedos escreviam no céu:
Quero ver-te hoje, e beijar-te entre o sol e o mar.

 

 

Luxúria

 
Abraço as imagens que tenho de ti
Faço-as dançar para mim
Peregrino do prazer
Devoto da volúpia.

Dispo as imagens que tenho de ti
Faço-as desejar-me
Peregrino do prazer
Devoto da volúpia.

Amo as imagens que tenho de ti
Fazem sentir-me
Peregrino do prazer
Devoto da volúpia.

Queimei as imagens que tenho de ti
Varri os meus devaneios
Desmontei o espectáculo íntimo
Ficaste apenas tu.

Abandonada na imensidão do meu desejo
Entregue à minha vontade de te conhecer
Construíste-me memórias insuspeitadas
Em cenários desconhecidos.

Agora provo o teu paladar indomável
Asperjo a tua intimidade, gota a gota
Viajamos colados, seres entrelaçados
Fundidos numa autonomia indistinta.

Atravessamos, semiconscientes, tempestades
Agarramos, com gozo, relâmpagos e raios
Somos peregrinos do prazer,
Somos devotos da volúpia.

 

 

Luz

 
A luz que me dás é uma nascente
Que me faz acreditar nos amanhãs
Que me deixa respirar-me
Que faz brotar de mim a minha luz
Com que te ilumino para melhor receber
A luz com que me afastas do meu poente.





Nuvens

 
As nuvens escorregam do céu
Mal amparadas umas nas outras
Numa precipitação sem recuo
Abatendo-se sobre a cidade.

Na cidade, as pessoas estão distraídas
Mal habituadas a ver nuvens
Não conhecem os intervalos
Entre mágoas e alegrias
Entre trabalho e lazer.

As nuvens penetram sem tocar
Anunciam os intervalos que ninguém sente
Brincam e querem companhia que ninguém dá
Mas não desistem da cidade.

Na cidade, as ruas de gente respiram
Mágoas e alegrias, trabalho e lazer
Até que as crianças saem das escolas
Em nuvens de energia brincalhona
De mãos abertas para agarrar as outras nuvens.

As nuvens entram pelas crianças adentro
E os adultos não vêem que elas sobem ao céu
Rindo alto e sem recuo
Alheias a mágoas ou alegrias.

Bem amparadas umas nas outras
As crianças brincam com a cidade que levita
Agitando as pessoas distraídas com o consumo
Das suas mágoas e alegrias
Dos seus trabalhos e lazeres.

Até que as crianças desistem da cidade
Como abelhas de uma colmeia desorientada
E puxando pelos braços dos pais
Crescem até ficar da sua altura.

Agora tão altas deixaram de ver as nuvens
Que mesmo assim não desistem da cidade
Porque esperam a hora da saída das escolas.

 

FL Wright

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